A luta contra a corrupção é a obra de Santa Engrácia (nome original do Panteão Nacional) da política portuguesa. Se estas demoraram mais de 300 anos, até que Salazar se impôs ao deixa andar, a “Comissão eventual para o reforço da Transparência”, assim se chama este terrível trabalho que queima as mãos dos deputados, foi de novo adiada, desta vez por mais oito meses, agora até março de 2019.  Fará nessa altura a bonita idade de quase três anos e então se verá se está em condições de ver a luz do dia. Haja calma!

Até lá, e para celebrar esta tenaz luta, podemos sempre lembrar-nos das palavras de João Cravinho, o pai, autor do célebre “pacote anticorrupção” (de 2006!) que não conseguiu vencer a coincidência do PS de Sócrates: “Fui travado de todas as maneiras e feitios. Não havia vontade política para combater a corrupção”.

Nada de estranho. Não se esqueça que, entre outras coisas, Cravinho queria combater o “enriquecimento ilícito” – que anos mais tarde evoluiu para “enriquecimento injustificado” –, visando os titulares de cargos públicos, responsáveis pela corrupção do Estado e não os cidadãos de uma maneira geral. Esses titulares é que deveriam, no projeto apresentado, ser alvo da inversão do ónus da prova quando se constatasse que o respetivo património não era compatível com os rendimentos declarados.

Mesmo nas duas vezes em que algo saiu do Parlamento, a última das quais por iniciativa da então ministra Paula Teixeira da Cruz, lá por 2015, valeu-nos a sagrada Constituição que PS e PSD nunca mostraram querer rever nos pontos necessários a que o Tribunal Constitucional não repetisse depois o óbvio. Está aí a rede de segurança que protegerá, sabe-se lá até quando, estes pungentes esforços continuados.

Quem não quiser puxar pela memória pode refletir nas palavras proferidas esta semana por Henrique Neto, ex-candidato a Belém, em entrevista ao Jornal i, cujo papel ainda existe e felizmente não para o serviço ao traseiro do regime. Pois diz ele sobre a saída da condição de militante do PS: “A razão principal foi a corrupção. Não aceito que um partido com a tradição e a história do PS seja um partido que não faça nada para combater a corrupção.”

A Democracia está um brinquinho, mas felizmente parece haver aqui um sopro de esperança. Os jovens da política, afinal, não são todos fabricados à imagem de João Galamba, esse talento descoberto por Sócrates. Há gente que se inquieta mesmo com estas coisas. Francisco Rodrigues do Santos, da Juventude Popular e Margarida Balseiro Lopes, da Juventude Social Democrata, apresentaram esta semana propostas que nem parecem ser deste mundo.

Entre um e outro querem tornar legal a denúncia de crimes (“delação premiada”), a consagração da inversão do ónus da prova para funcionários e cargos públicos e impossibilidade de políticos condenados exercerem por dez anos (JSD), ou a perda de financiamento do Estado aos partidos cujos eleitos tenham sido condenados por corrupção e que estes possam ficar impedidos de exercer funções públicas entre cinco a dez anos, de acordo com a gravidade do crime (JP).

Querem ver que, afinal, há esperança de começar a combater o maior flagelo da sociedade portuguesa? Mas será que as sociedades secretas, transversais a todos os partidos, estão a ficar frouxas? Teremos tempo para saber. Sentemo-nos e aguardemos. Com calma.