A decisão de Washington de cortar no apoio externo oferece uma oportunidade à China para incrementar a influência em África, afirmou à Lusa um analista, estabelecendo um paralelo com as doações feitas durante a pandemia.
O Governo norte-americano liderado por Donald Trump confirmou esta semana que vai eliminar mais de 90% dos contratos de ajuda externa da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e 60 mil milhões de dólares (58 mil milhões de euros) em assistência geral em todo o mundo.
Em África, os cortes devem ter um impacto particularmente grave na saúde, que ocupa a maior fatia do apoio prestado pelos EUA ao continente. À semelhança do ocorrido durante a pandemia da covid-19, os especialistas esperam que a China volte a preencher o vazio deixado por Washington.
“Entre os líderes africanos, a China já construiu influência significativa. Agora tem a oportunidade de seduzir a opinião pública”, explicou Paul Natulya, investigador no Centro Africano para Estudos Estratégicos, instituto sob tutela do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e financiado pelo Congresso norte-americano.
Os EUA fornecem mais de um quarto de toda a ajuda ao desenvolvimento no continente africano. Uma análise realizada pela International Futures, da Universidade de Denver, concluiu que os cortes podem atirar mais 5,7 milhões de africanos para debaixo do limiar de pobreza extrema, de 2,15 dólares por dia, no próximo ano.
Durante o primeiro mandato de Trump, que coincidiu com a pandemia da covid-19, África tornou-se a região que mais beneficiou das doações chinesas de vacinas, testes, máscaras ou ventiladores, enquanto Washington diminuiu as suas contribuições e se retirou da Organização Mundial da Saúde.
“Quando o Ocidente reteve doações de vacinas e equipamento médico, a China rapidamente preencheu o vazio”, lembrou Natulya. “Em troca, receberam muita publicidade e prestígio, por um investimento relativamente pequeno”, observou.
A decisão de Pequim marcou uma mudança de paradigma numa cooperação dominada nas últimas décadas pelas relações entre Estados: bancos estatais chineses concederam empréstimos no valor de milhares de milhões de dólares para a construção de infraestruturas, a cargo de empresas estatais chinesas, e com os recursos naturais dos respetivos países a servir como colateral.
As indústrias chinesas abasteceram-se assim no continente, obtendo petróleo em Angola, madeira em Moçambique ou cobre na Zâmbia, enquanto inundaram os mercados em Luanda, Maputo ou Lusaca com produtos baratos, gerando animosidade entre os comerciantes locais.
Mas diferentes sondagens mostram agora que a China ultrapassou os Estados Unidos no índice de popularidade entre a opinião pública africana.
Segundo uma sondagem internacional da Associação Gallup, a aprovação de Pequim entre os africanos passou de 52%, em 2022, para 58%, em 2023, enquanto a popularidade de Washington caiu de 59% para 56%, no mesmo período. Inquéritos conduzidos por outros institutos, como o Afrobarometer e a Ichikowitz Family Foundation, demonstram a mesma tendência.
“A China está a utilizar todas as ferramentas à sua disposição para obter essa vantagem competitiva face os Estados Unidos”, descreveu o investigador.
“Neste momento, aposto que, em Pequim, os funcionários estão a estudar o próximo passo e quando e como aumentar a contribuição da China”, apontou.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com