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Covid-19: Quando fugir do coronavírus em Moçambique implica sobreviver a ataque armado

Paulinho Miguel fugiu da agitada rotina em Maputo, a capital moçambicana, para se prevenir do novo coronavírus e teve de sobreviver a um ataque armado no centro do país, para chegar ao confinamento na sua terra natal.
4 Abril 2020, 12h59

O empregado doméstico, de 37 anos, foi dispensado do trabalho, num quintal do bairro central, no âmbito da declaração do estado de emergência, e preferiu regressar ao bairro de Cololo, um subúrbio de Quelimane (Zambézia) para cumprir o isolamento.

Mas pelo caminho, ainda foi alvo de um ataque armado.

“Foi um grande susto”, disse à Lusa Paulinho Miguel ao descrever a queda de estilhaços de vidros que se espalharam nos assentos e atingindo os passageiros depois do autocarro em que seguia ter sido alvejado por vários tiros na zona de Mutindiri.

“Estou a sair de Maputo para Quelimane por causa do [novo] coronavírus, e arrisquei a viagem porque me tinham dito que os ataques pararam”, disse Paulinho Miguel pouco antes de trocar de autocarro, depois de o primeiro ter sido atacado.

Para este moçambicano, o confinamento social a que estaria sujeito em Maputo “seria de muita tortura” devido às limitações de circulação e à falta de comida para cobrir os 30 dias decretados para o Estado de Emergência.

“Eu vivia em Maputo numa casa alugada com outros 12 jovens e saíamos sempre para desenrascar a vida, e sem essa base de sustento decidi voltar para a casa dos meus avós até que as coisas melhorem” precisou.

O jovem sobreviveu a um dos dois ataques a autocarros que provocaram na quinta-feira cinco feridos na zona de Mutindiri, junto à N1, a principal estrada que liga o sul e o norte de Moçambique.

Paulinho Miguel seguia no primeiro veículo, que fazia o sentido sul-norte de Moçambique e que foi alvejado por vários tiros, do lado do motorista, cerca das 08:00 (menos uma hora em Lisboa), pouco depois de passar a povoação de Mutindiri, tendo três pessoas ficado feridos de forma ligeira, incluindo o condutor.

Meia hora depois, um outro autocarro, que fazia o mesmo sentido, foi metralhado e atingido por várias balas na parte traseira, quando viajava no mesmo troço, no meio de outros dois autocarros, tendo duas pessoas sofrido ferimentos ligeiros.

“Eu estava a fazer uma curva e percebei que estava sendo atacado quando os passageiros ficaram agitados e a minha mão começou a sangrar” disse à Lusa um dos condutores Enoque Matavele, enquanto mostra a bala, que feriu o seu polegar, alojada no painel de controlo de velocidade do autocarro.

“Não parei porque queria salvar os 37 passageiros” que seguiam abordo, acrescentou.

Os dois veículos e passageiros pernoitaram na povoação de Muxungué e foram alvejados pouco depois de terem deixado o troço com escolta militar, no distrito de Chibabava, na província de Sofala, perto da linha que a separa de Manica.

O ataque surge na sequência de outros que já fizeram 21 mortos desde agosto em estradas e povoações das províncias de Manica e Sofala, por onde deambulam guerrilheiros dissidentes da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), liderados por Mariano Nhongo.

O grupo tem ameaçado recorrer à violência armada para negociar melhores condições de reintegração social do que aquelas acordadas pelo seu partido com o Governo, mas, por outro lado, também se tem recusado a assumir a autoria dos ataques.

A zona do ataque tem sido palco de outras incursões naquele troço que liga o Norte ao Inchope, importante entroncamento com a EN6 (entre Beira e Zimbabué).

Moçambique regista oficialmente 10 casos de infeção pelo novo coronavírus, sem mortes.

A pandemia afeta já 50 dos 55 países e territórios africanos, com mais de 7.000 infeções e 280 mortes, segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana. São Tomé e Príncipe permanece como o único país lusófono sem registo de infeção.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de um milhão de pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 57 mil.

Dos casos de infeção, mais de 205 mil são considerados curados.

Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.

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