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CPI à Caixa: António de Sousa diz que antecessor “não se apercebeu do risco” de operação ruinosa de 340 milhões

“Foi uma operação financeira complexa, penso que alguns membros desse conselho de administração [liderada por João Salgueiro] não compreenderam bem o que estavam a assinar”, frisou António de Sousa no Parlamento.
Caixa Geral de Depósitos
30 Abril 2019, 11h22

 

Ex-presidente da Caixa considera que membros do conselho de administração liderada por João Salgueiro ”não compreenderam bem” a operação financeira complexa que assinaram no final de 1999 e que anos mais tarde traduziu-se em perdas de 340 milhões de euros. É a ‘Operação Caravela’ apontada como a mais ruinosa de sempre no banco público. Visou camuflar perdas no balanço do banco público face aos elevados níveis de dívida pública que se estava a desvalorizar.

“Penso que o Dr. João Salgueiro não se apercebeu do risco de uma operação daquelas. É essa a minha convicção”, afirmou António de Sousa,  ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD),  na nova Comissão de Inquérito à Caixa em referência a um investimento significativo em dívida pública designada ‘Obrigações Caravela’, cujo resultado foi uma perda de 340 milhões de euros naquela que é apontada como a operação mais ruinosa de sempre do banco público.

O deputado do PS João Paulo Correia questionou nesta terça-feira, 30 de Abril, o antigo presidente da CGD, António de Sousa se na transição de pastas, quando assumiu a liderança do banco em 2000, foi-lhe transmitida a operação financeira realizada em 1999 que viria a revelar-se ruinosa para o banco com perdas de centenas de milhões de euros. Em resposta, António de Sousa foi taxativo: “não”, afirmando que sabe qual é a operação que o deputado socialista se estava a referir. “Sei qual é a operação a que se está a referir – foi assinada a 28 ou 29 de dezembro de 1999 –  sei bem porque tive de provisioná-la a 100% e penso que não foi totalmente compreendida por toda a gente”.

O antigo presidente do banco público (entre 2000 e 2004) referia-se assim a um investimento significativo em dívida pública designada ‘Obrigações Caravela’, cujo resultado foi uma perda de 340 milhões de euros naquela que é apontada como a operação mais ruinosa de sempre do banco público. Em causa está um investimento que visou eliminar perdas no balanço de dívida pública detida pela Caixa antes da adesão ao euro e sem análise prévia de riscos inerentes.

“Foi uma operação financeira complexa, penso que alguns membros desse conselho de administração [liderada por João Salgueiro] não compreenderam bem o que estavam a assinar”, frisou António de Sousa aos deputados da  II Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Recapitalização da CGD e à Gestão do Banco que está a ouvir nesta terça-feira, 30 de abril, o antigo presidente do banco público (entre 2000 e 2004).

Chama-se “Operação Caravela”, revelada em primeira mão pelo Jornal Económico a 21 de janeiro deste ano. Tratou-se de um investimento realizado pela Caixa em eurobonds emitidos em escudos, por emitentes internacionais e colocadas no mercado internacional, no final dos anos 1990. A operação teve como o objectivo camuflar perdas no balanço do banco público face aos elevados níveis de dívida pública que se estava a desvalorizar, cujos títulos a Caixa não se conseguia livrar no final da década de 90. E veio a revelar-se ruinosa: gerou uma perda aproximada de 340 milhões de euros à CGD, segundo a auditoria da EY à gestão da Caixa que conclui que os elevados riscos desta operação  não foram analisados correctamente.

O deputado do PS, João Paulo Correia, insistiu junto de António de Sousa sobre se, apesar desta operação não ter sido falada na transição de pastas no início da década, posteriormente ,já como presidente da Caixa tomou iniciativa de falar com os anteriores responsáveis.

“Sim. Falei com o Dr. João Salgueiro e fiz o mesmo com dois ministros da tutela sucessivos. Primeiro, Pina Moura, e depois com Manuela Ferreira Leite. E também com a Deloitte que eram os auditores”, assegurou António de Sousa, realçando que esta operação “teve de ser provisionada a 100%”.

A auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 concluiu que “os motivos inerentes à operação são meramente contabilísticos, com a necessidade de eliminar uma menos valia potencial transitória numa carteira de obrigações de taxa fixa”, Em referência à “Operação Caravela” realça ainda  que “tratou-se de uma tomada de operação com um risco elevado, sem evidência de análise de suporte nem conhecimento para riscos inerentes à operação”.

Esta operação foi desencadeada pela administração liderada por João Salgueiro (entre 1996 e 1999 e que tinha o actual chairman do Santander, António Vieira Monteiro, como vice-presidente), que realizou um investimento significativo em dívida pública designada ‘Obrigações Caravela’. Uma operação, cujos motivos, revela agora a auditoria da EY, “são meramente contabilísticos, com a necessidade de eliminar uma menos valia potencial transitória numa carteira de obrigações de taxa fixa”.  Até à venda, em 2006, das “obrigações Caravela”, a operação abrangeu ainda as administrações de António de Sousa que foi presidente do conselho de administração entre 2000 e 2004 e de  Carlos Santos Ferreira (que fez um mandato entre 2005 e início de 2008).

A auditoria explica que a 23 de dezembro de 1999 as obrigações com cupão a taxa fixa detidas pelos bancos do Grupo em Espanha e sucursal de Paris, as quais estavam a originar perdas, foram vendidas a uma sociedade veículo, criada pelo Crédit Suisse criou que absorveu a dívida pública que a Caixa detinha e registava perdas no balanço e emitiu títulos conhecidos como ‘Boats Caravela’. Este veículo emitiu, por sua vez, obrigações de cupão a taxa variável que foram tomadas pelo Grupo CGD, sendo que o valor as das carteiras alienadas ascendeu a cerca de 90 milhões de contos (cerca de 447,1 milhões de euros) e o prazo da operação foi de 11 anos. A venda das obrigações ao veículo especial , segundo a auditoria da EY, permitiu a anulação de provisões de 5,1 milhões de contos (25,6 milhões de euros).

Mas, segundo a EY, os novos títulos também desvalorizaram, gerando ainda mais perdas. “A Caixa não se conseguia livrar deles e foi registando disfarçadamente as perdas no balanço até se resolver completamente o problema” , conta Helena Garrido no livro “Quem meteu a mão na Caixa”, referindo-se ao investimento em ‘obrigações Caravela’.   Um investimento que a auditoria da EY coloca agora em causa ao realçar na auditoria que “não existe evidência dos elevados riscos da operação terem sido analisados correctamente”, acrescentando que não foi disponibilizada à auditora  a documentação de suporte à análise original e subsequente monitorização.

O documento da EY conclui ainda que não obteve, “por outro lado, qualquer evidência de terem sido envolvidos outros agentes na análise da documentação da operação, nomeadamente agências de rating e organizadores de mercado”.

Segundo a auditoria, a falta de evidência de documentação de suporte inclui o período de  1996 a 2003 – vários documentos (Informações dos vários departamentos) não foram encontrados pela CGD. A EY Realça aqui que em 2002 a versão do documento que lhes foi disponibilizada “é uma versão preliminar que não se encontra completa” e “não contém qualquer parecer nem despacho”. Já em 2006, segundo o documento, relativamente à venda da operação, “a CGD não nos disponibilizou elementos suficientes para concluir que esta seria a melhor opção”.

 

Obrigações emitidas antes da adesão ao euro

O Jornal Económico avançou na edição de 14 de dezembro do ano passado que estas obrigações, emitidas há mais de 18 anos, consistiam em eurobonds emitidos em escudos, por emitentes internacionais e colocadas no mercado internacional. Denominavam-se de ‘Obrigações Caravela’ porque foram emitidas na moeda antiga, antes da adesão de Portugal à moeda única, em 1999. Foram tomadas firme e colocadas por instituições financeiras que operam em Portugal.

“No final dos anos 1990, o banco do Estado tinha no seu balanço muita dívida pública que se estava a desvalorizar”, conta Helena Garrido, no livro “Quem meteu a mão na Caixa”, referindo-se ao investimento em ‘obrigações Caravela’.

Em 2000, a CGD estava com perdas significativas na carteira de dívida pública e para as camuflar  na conta de resultados, fizeram uma operação com o Crédit Suisse, que é descrita no mesmo livro.

O Crédit Suisse criou um veículo que absorveu essa dívida pública e emitiu títulos conhecidos como ‘Boats Caravela’. Mas, esses títulos também desvalorizaram, gerando ainda mais perdas. “A Caixa não se conseguia livrar deles e foi registando disfarçadamente as perdas no balanço até se resolver completamente o problema”, escreve Helena Garrido. A questão da responsabilidade de Vieira Monteiro nesta operação terá de ser apurada, uma vez que há fontes que dizem que não teve implicação direta na operação do Crédit Suisse.

 

Caixa vendeu as obrigações em 2006 por 84 milhões de euros

Segundo o relatório e contas de 2006, já no mandato de Carlos Santos Ferreira, “as obrigações ‘Boats Caravela’ foram alienadas em março de 2006, por 102 milhões de dólares (84,4 milhões de euros, ao câmbio em vigor à data da venda)”, estancando perdas que, segundo as nossas fontes, acumularam ao longo dos anos um montante que ronda os 1,5 mil milhões de euros.

Outra fonte explicou que foi uma operação de venda de um conjunto bastante diverso de títulos com o objetivo de gerar resultados para o banco.

A EY avaliou mais de 180 operações de crédito entre 2000 e 2015 e, dessas, terá feito uma análise detalhada das 50 operações: as mais relevantes do ponto de vista financeiro, as que foram feitas sem a aprovação formal do departamento de risco e as que resultaram em perdas e em crédito malparado para o banco público. A auditoria  da EY  debruçou-se sobre três áreas principais de análise: concessão de créditos, aquisição e alienação de activos e decisões estratégicas de negócio.

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