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CPI à Caixa vai enviar para a justiça mais de um milhão de documentos

Parlamento vai enviar esta semana ao Ministério Público toda a informação recolhida na comissão de inquérito à gestão da Caixa: relatório final, transcrições e todo o acervo documental que chegou à CPI, incluindo documentos confidenciais, como atas de conselhos de administração. Vai seguir para a Justiça mais de um milhão de documentos.
22 Julho 2019, 07h49

O Ministério Público (MP) pediu toda a informação recolhida pela II comissão parlamentar de inquérito (CPI) à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e atos de gestão no banco público. Presidente da CPI revelou ao Jornal Económico que toda a documentação vai ser enviada esta semana para Justiça, incluindo o relatório final e todas as transcrições das audições realizadas ao longo dos últimos cinco meses. Luís Leite Martins estima que serão enviados para o MP mais de um milhão de documentos.

“Temos tido um diálogo permanente com o Ministério Público, no sentido de enviar todas as transcrições das audições, um conjunto de matérias apuradas, próprio relatório final, e toda a documentação que chegou à comissão que estimo em mais de um milhão de documentos”, revelou ao Jornal Económico o presidente da CPI à Caixa, dando conta que toda a informação requerida pela Justiça será enviada nesta semana.

A informação proveniente do Banco de Portugal, que chegou à nova CPI à Caixa , em março, faz parte dos documentos a enviar ao MP, juntando-se assim às “centenas de milhar de páginas” em análise por parte da comissão, sobretudo provenientes da CGD, na grande maioria documentação considerada confidencial.

Só o banco público enviou mais de 20 pastas com toda a documentação pedida e que inclui os dossiês dos 25 maiores créditos problemáticos sinalizados na auditoria da EY como tendo resultado em perdas de 1.263 milhões.

Além dessa documentação, a CPI pediu  à CGD e ao BdP, as atas de reuniões do conselho de crédito e de administração da Caixa e do supervisor, bem como atas de reuniões do departamento do risco ou do próprio conselho de administração do banco. Ao Parlamento chegou também informação sobre os devedores com  excepção  dos dados pedidos à Associação Coleção Berardo que, não foram entregues, tendo sido feita uma queixa por crime de desobediência.

O volume de documentos recebidos acabou por ditar o adiamento do começo das audições que arrancaram a 26 de março.

Justiça já tem transcrição de audição de Berardo

Segundo Luís Leite Ramos algumas transcrições já seguiram como é caso da referente a José Berardo que foi pedida pelo MP, após a audição polémica do empresário, a 10 de maio, que provocou um coro de críticas, desde logo pela forma como se dirigiu aos deputados.

Perante os parlamentares, o empresário madeirense declarou que é “claro” que não tem dívidas, uma vez que as dívidas aos bancos (incluindo ao banco público CGD) não são dívidas pessoais, mas de entidades ligadas a si.

Berardo afirmou ainda que tentou “ajudar os bancos” com a prestação de garantias e que foram estes que sugeriram o investimento em ações do BCP.

Deu ainda a entender que os títulos de participação da Associação Coleção Berardo (a dona das obras de arte) que entregou aos bancos para reforçar as garantias dos empréstimos perderam valor com um aumento de capital em que as entidades financeiras não participaram, aparentemente porque não souberam que existiu.

Indícios criminais remetidos para a PGR

A audição a Berardo está entre as 36 audições a diversos responsáveis do banco, entre gestores, supervisores e governantes que foram realizadas pela CPI à CGD nos últimos cinco meses, cujos trabalhos chegaram agora ao fim com a aprovação por unanimidade do relatório final na quarta-feira passada 16 de julho,  que concluiu que “Caixa não foi gerida de forma sã nem prudente”, lançando também duras críticas à supervisão e aos sucessivos governos.

Os trabalhos da Comissão permitiram o aprofundamento de diversas matérias que poderão ter relevância criminal, pelo que será enviado à Procuradoria-Geral da República, ficando à disposição todo o espólio da Comissão que possa ser útil à investigação criminal.

A este respeito, o presidente da CPI à CGD, destacou que a comissão “fez um trabalho sério e competente que permite prosseguir na Justiça e no próprio banco a exigência de responsabilidades“, realçando que “o MP mostrou muito interesse no trabalho da CPI e na informação recolhida, não só as audições, e relatório final, mas toda a documentação que chegou a esta comissão, que certamente vai passar a pente fino”.

Segundo o deputado social democrata, o relatório final, que já foi tornado público vai também ser enviado formalmente ao Banco de Portugal e à administração da CGD, realçando que “em alguns casos há uma visão mais aprofundada do que se passou o que poderá ajudar a Caixa no apuramento de responsabilidades”.

As suspeitas do MP

O envio de toda a documentação que chegou à comissão parlamentar de inquérito surge numa altura em que prossegue na Justiça uma investigação à gestão danosa da Caixa que ainda não tem arguidos, mas, segundo a Procuradoria Geral da República, estão “em curso diligências abrangidas por segredo de justiça”. A investigação dirigida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal  (DCIAP) incide sobre os empréstimos concedidos desde 2000 que estão a ser passados a pente fino pela Justiça que tem como um dos principais focos os créditos de 350 milhões de euros que o empresário Joe Berardo obteve junto da CGD para comprar acções do BCP e que acabaram por se revelar ruinosos para o banco público. Na mira dos investigadores estão suspeitas destes créditos, com imparidades já assumidas de 152 milhões de euros, terem sido concedidos de forma irregular e sem respeitar pareceres internos e em operações de risco.

Na base da investigação delegada pelo Ministério Público (MP) à Polícia Judiciária (PJ), estão suspeitas de gestão danosa , corrupção (ativa e passiva), participação económica em negócio e peculato.

Os créditos ruinosos que estão na mira da PJ, segundo a justiça, são “no mínimo reveladores de uma deficiente análise de risco por parte da instituição e de negligência na observância dos níveis prudenciais adequados”. Uma avaliação que consta já de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que dá conta que aqueles negócios da Caixa podem indiciar “uma intencional prática de favorecimento de determinados agentes económicos em detrimento de outros, face a condições de acesso ao mercado de crédito”.

O DCIAP  considera que uma parte substancial dos créditos que resultaram das imparidades foi concedida a partir de 2007, com sucessivas alterações das condições dos contratos, nomeadamente no que se refere às garantias. Nessa altura, a CGD era liderada por Carlos Santos Ferreira, sucedendo-se Fernando Faria de Oliveira, de 2008 a 2010, cargo posteriormente assumido por José de Matos, até agosto de 2016.

Já entre 2000 a 2004, o banco foi liderado por António de Sousa e teve como vice-presidente Mira Amaral, seguindo-se as administrações de Vitor Martins (2004-2005) e de Santos Ferreira (2005-2008) que integrou como vogais Carlos Costa, actual governador do Banco de Portugal, que tinha a área internacional, bem como Armando Vara.

Num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, publicado no verão de 2017, é dado a conhecer que no entender do Ministério Público, os negócios de concessões de crédito são reveladores de uma “deficiente” análise de risco e de “negligência”, podendo haver “intencional prática” de favorecimento de determinados agentes económicos.

O acórdão que obrigou Banco de Portugal a entregar a lista de maiores créditos da Caixa sinaliza ainda “uma ação deliberada no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco” através da omissão de alguns registos de incumprimento. E realça que as suspeitas além de passíveis de constituir crime de gestão danosa, são possíveis de configurar “eventuais crimes cometidos no exercício de funções públicas que possam vir a apurar” e de “eventuais outros crimes de natureza patrimonial”.

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