O relatório preliminar da CPI à TAP, redigido pela deputada socialista Ana Paula Bernardo, passa a maior parte das responsabilidades para a ex-CEO e para os advogados. Pedro Nuno Santos escapa quase incólume, bem como Fernando Medina, com a versão preliminar a concluir que as demissões da CEO e do chairman da TAP foram feitas de acordo com as regras. João Galamba não é beliscado, uma vez que o caso Frederico Pinheiro ficou de fora.
A versão preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP atribui praticamente toda a responsabilidade pela saída de Alexandra Reis da companhia ao arrepio do Estatuto do Gestor Público à então CEO, a gestora francesa Christine Ourmières-Widener. O ministro Pedro Nuno Santos e o secretário de Estado Hugo Mendes foram “poupados” à maior parte das responsabilidades, com a versão preliminar do documento a frisar que ambos pagaram o preço político da rescisão irregular de Alexandra Reis – com uma indemnização de meio milhão de euros – ao demitirem-se na sequência do escândalo.
De resto, o documento deixa de parte o caso de Frederico Pinheiro, que colocou o ministro João Galamba a um passo da demissão. Deixa também incólume Fernando Medina, ao referir que as demissões de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja foram feitas de acordo com as regras, apesar de ter sido anunciada em direto na televisão antes mesmo de os visados se poderem pronunciar.
Já os advogados externos da TAP (da sociedade SRS) são responsabilizados, ficando com o ónus de terem negociado um acordo que viola o Estatuto do Gestor Público e elaborado um comunicado que foi enviado à CMVM com informação que não estaria 100 por cento de acordo com a verdade, sobre a demissão de Alexandra Reis.
De referir ainda o facto de o documento justificar a intervenção do Estado na TAP, primeiro em 2016, com o reforço accionista, e depois com o resgate da companhia, durante a pandemia de Covid-19, com o argumento de que o Governo viu um interesse estratégico na empresa e que, existindo cartas de conforto assinadas pelo Estado durante a privatização (no Governo de Passos Coelho), as consequências poderiam ser piores para o erário público.
Os outros partidos com assento na CPI terão até ao dia 10 para se pronunciarem sobre o documento, com a versão final a ser votada a 13 de julho.
Principais conclusões referidas na versão preliminar do relatório da CPI:
- Falta de contratos de gestão é da responsabilidade da administração: a TAP não tem contratos de gestão aprovados, ao arrepio do que a lei exige, impedindo a fixação de objetivos e o pagamento de prémios. A CPI conclui que competia à administração da companhia submeterem a proposta de contrato de gestão às tutelas. Porém, também refere que “não encontrou quaisquer evidências de iniciativas por parte das tutelas, e mais concretamente da UTAM, no sentido de sinalizar ao Conselho de Administração (da TAP) a necessidade de cumprimento dos prazos”.
- Saída de Alexandra Reis deveu-se exclusivamente à vontade da CEO: a versão preliminar do relatório da CPI conclui que o processo de cessação de funções de Alexandra Reis partiu “da exclusiva vontade de Christine Ourmières-Widener, foi por ela integralmente gerido e, só num momento final e depois de concluído o processo negocial, foi dado a conhecer a todos os membros do conselho de administração”. A CPI nota ainda que não foi possível apurar com exatidão as razões e os motivos que estiveram na base da saída de Alexandra Reis, nem a sua pressa em conclui-lo de forma célere, e salienta que o processo não respeitou o disposto no Estatuto do Gestor Público (EGP).
- Indemnização paga a Alexandra Reis não foi definida pelo Governo: a a versão preliminar refere que não foi definida pelo Governo e que todo o processo foi conduzido pela então CEO.
- Comunicado à CMVM é da responsabilidade dos advogados: a versão preliminar refere que a CPI conclui que o comunicado enviado à CMVM a dar conta da saída de Alexandra Reis foi redigido pelo advogado que negociou a saída da gestora da TAP, tendo pedido que fosse enviado ao supervisor do mercado de capitais. Desta forma, a responsabilidade pela prestação de informação que não corresponderia à verdade é atribuída aos advogados da empresa, embora o documento tenha sido assinado pelo CFO da TAP, Gonçalo Pires.
- Departamento jurídico da TAP não esteve envolvido mas também não alertou: A comissão considera que não existem evidências que o departamento jurídico da TAP tenha estado envolvido nas negociações para a saída de Alexandra Reis. No entanto, frisa que este departamento teve conhecimento do acordo e que não alertou a gestão da companhia para o facto de o EGP não ser respeitado.
- Ministério das Finanças não teve qualqier papel na saída de Alexandra Reis: A CPI considera, na versão preliminar, que não existem evidências de que o Ministério das Finanças tenha sido informado pela TAP, por Alexandra Reis ou pelo Ministério das Infraestruturas.
- Ministério das Infraestruturas deu ‘OK’ mas desconhecia termos do acordo de rescisão: a CPI conclui, na versão preliminar, que o ministério então liderado por Pedro Nuno Santos foi informado no início e no fim do processo, dando ‘OK’ ao valor da indemnização, mas que desconhecia os termos. “Todavia, nem Pedro Nuno Santos, nem Hugo Mendes conheciam o clausulado do acordo”, refere.
- Demissão da CEO e do Chairman da TAP foi feita de acordo com as regras: a versão preliminar refere que a CPI considera que o processo decorreu “de acordo com os normativos existentes” e que os visados tiveram direito ao contraditório, apesar de o anúncio público da demissão ter sido feito dias antes de o Ministério das Finanças pedir apoio à JurisApp para redigir a declaração que afastou os dois responsáveis.
- Devolução da indemnização de Alexandra Reis ainda não teve lugar? Até ao momento, a CPI não recebeu indicação formal de que a indemnização tenha sido devolvida, apesar das notícias a respeito desse facto.
- Nomeação de Alexandra Reis para a NAV não está relacionada com saída da TAP: A versão preliminar do relatório sustenta que a nomeação foi feita de forma correta e que não está relacionada com o seu processo de saída da TAP.
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Comissão de vencimentos já não faz falta? A versão preliminar do relatório da CPI conclui que não se justifica a manutenção desta comissão, no quadro de uma TAP 100% pública. Recorde-se que o presidente da comissão demitiu-se recentemente.
- Comunicações por WhatsApp existem mas também há canais formais: A versão preliminar refere que embora o uso desta aplicação de mensagens na condução dos destinos da TAP se tenha confirmado, não se pode com isso concluir que o Ministério de Pedro Nuno Santos não utilizasse mecanismos formais de comunicação.
- Interferência política na gestão da empresa? Não há indícios. A CPI considera que não existem indícios disso, mesmo no caso do pedido para mudar um voo do Presidente da República, por parte do então secretário de Estado Hugo Costa, ou no episódio em que este responsável participou numa reunião de preparação da resposta da TAP ao despacho conjunto das tutelas sobre a saída de Alexandra Reis. “Em ambos os casos, parece não haver evidências de condicionamento nas decisões finais da TAP”, refere o documento.
- Fundos Airbus: a versão preliminar do documento refere que o Governo de Pedro Passos Coelho teve conhecimento do esquema de capitalização da empresa com recurso aos chamados “fundos Airbus” e que a Parpública deu o seu OK a essa operação. A comissão refere ainda que na passagem de testemunho para o Governo de António Costa apenas foi dado “conhecimento documental” sobre o tema, que está a ser investigado pelo Ministério Público.
- Cartas de conforto: a existência destas cartas de conforto por parte do Estado foram essenciais para que a privativação pudesse ter tido lugar, durante o Governo de Passos Coelho. E, na prática, transformavam o Estado em accionista único da companhia, se esta tivesse problemas financeiros. Desta forma, a versão preliminar do relatório conclui que o reforço da participação do Estado em 2016, para passar a ter a maioria do capital, visou dar-lhe o poder acionista correspondente às obrigações que assumiu nas cartas de conforto. E conclui que o Estado teria forçosamente de salvar a TAP, durante a pandemia de Covid-19, para evitar custos ainda maiores. Esta tem sido a versão do Governo.
- 55 milhões pagos a David Neeleman: o valor pago ao acionista privado para que este saísse da TAP foi resultado de uma negociação entre as partes, diz a versão preliminar da CPI, sem explicar de que forma foi esse valor calculado.