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Credores do BPP ameaçam meta do défice para 2017

Em declarações ao Jornal Económico, Jaime Antunes admite já estar a estudar a aplicação de uma providência cautelar para impedir o acesso do Estado à massa falida do banco.
17 Outubro 2016, 05h41

Pode o Governo aumentar pensões, devolver salários, eliminar a sobretaxa de IRS, reduzir o IVA da restauração e, mesmo assim, conseguir reduzir o défice em mais de 1.500 milhões de euros? Pode, mas com muita criatividade à mistura e não menos riscos. A consolidação orçamental que as Finanças propõem fazer no próximo ano assenta praticamente toda no contributo da economia, em dividendos do Banco de Portugal e na recuperação de garantias estatais dadas ao BPP. E aqui, reside desde logo a primeira ameaça às contas do Governo.

Em 2008, ainda antes da falência do BPP, seis bancos portugueses – CGD, BCP, BES, Totta, BPI e Caixa Agrícola – executaram garantias estatais ao banco no valor total de 450 milhões de euros. Agora, oito anos depois, e apoiado numa decisão judicial favorável – que considerou a garantia do Estado como crédito privilegiado da massa insolvente -, o Governo conta recuperar esse dinheiro, o que, a concretizar-se, resolve um quarto da redução do défice.

O problema é que há quem continue a contestar o estatuto de credor privilegiado do Estado português neste processo, desde logo porque a própria Comissão Europeia – que começou por autorizar a garantia – veio pronunciá-la ilegal dois anos mais tarde, ordenando a sua recuperação. Há cerca de duas semanas, o Tribunal do Comércio confirmou o Estado português como credor “garantido e privilegiado”, mas existem ainda processos ainda a decorrer no Tribunal Cível, desde logo as colocadas pelos veículos do universo BPP, como a Liminorke, Privado Financeiras ou a associação Privado Clientes.

Em declarações ao Jornal Económico, Jaime Antunes, administrador destas sociedades, admite estar a estudar a colocação de uma providência cautelar, precisamente para impedir o Estado de ir buscar os 450 milhões de euros das garantias executadas antes da conclusão de todos os processos em curso. “O que posso dizer neste momento é que estamos a estudar, juntamente com os nossos advogados, a possibilidade de colocar uma providência cautelar para impedir o Estado de ir buscar esses 450 milhões antes de serem conhecidas as decisões em todas as ações judiciais em curso.” Por isso mesmo o administrador classifica de “arriscado e imprudente” a inscrição desta receita no orçamento de 2017.

Um orçamento com vários riscos
De acordo com a estimativa do Governo, o défice em 2016 vai ficar em 4.538 milhões de euros – o equivalente a 2,4% do PIB. Para 2017, projecta-se uma redução até aos 3.015 milhões – 1,6% do PIB. Ou seja, uma consolidação orçamental de 1.524 milhões, num ano em que as medidas do lado da receita somam 140 milhões e as medidas do lado da despesa até agravam o défice em 331 milhões – o que implica que o esforço orçamental sobe para 1.850 milhões.

Como se faz? Pedinchando ao Banco de Portugal, acreditando na “celeridade” da justiça e tendo fé na economia.
No caso da actividade económica, a fé não é nova, mas está reforçada. O relatório do OE prevê que o efeito do PIB e da inflação vai ajudar o défice em 903 milhões de euros. Só aqui já está explicada metade da consolidação.

Além da contribuição das garantias do BPP, há ainda mais umas centenas de milhões de euros de receita adicional que vão entrar nas contas. A maior prende-se com dividendos do Banco de Portugal que, segundo o OE/17, vão dar uma ajuda de 303 milhões de euros para reduzir o défice. A confirmar-se este será o terceiro maior montante pago pelo Banco de Portugal nos últimos 13 anos em dividendos, o que ilustra bem o optimismo do executivo. Só em 2012 e 2008 (o histórico disponível recua até 2003) o Banco de Portugal pagou dividendos acima de 300 milhões de euros.

Contribuições mais modestas vão ser dadas pelas poupanças com juros e parcerias público-privadas: 12 e 47 milhões, respectivamente.
É um exercício com vários riscos, que começam desde logo no enorme contributo da economia. O OE está apoiado numa previsão de crescimento de 1,5% e qualquer décima a menos fará diferença. Para este ano, por exemplo, a previsão era de 1,8%, mas afinal não deverá passar de 1,2% e a redução do défice só será possível graças a um corte brutal no investimento, uma vez que houve desvios consideráveis na despesa e receita.

E há sempre que ter em conta o valor de medidas não especificadas: só entre o exercício de revisão da despesa e o exercício de revisão da receita, o Governo conta poupar 150 milhões, sem que essas poupanças estejam devidamente especificadas.

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