[weglot_switcher]

Criação de fundo para catástrofes: “Portugal tem andado a dormir à sombra da sorte”, dizem seguradoras

Presidente da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE) revela, ao JE, que o Governo já deu instruções ao regulador para planear um fundo para o pagamento de catástrofes e acredita que até ao fim do ano haverá novidades. “Pode ser que este sismo tenha vindo novamente abanar as consciências”, afirma David Pereira.
sismo fundo
27 Agosto 2024, 07h30

É mais um alerta derivado do sismo de 5,2 na escala aberta de Richter que foi sentido na madrugada de segunda-feira em Portugal e que teve três réplicas. A Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE) pede que seja criado com “urgência” um fundo para o pagamento de catástrofes. “Os primeiros passos estão dados. O Governo já deu instruções à Autoridade de Supervisão, que trata de toda a atividade seguradora. O regulador tem instruções para planear este fundo, mas até este momento ainda não temos conhecimento de que algum plano tenha visto a luz, mas é necessário e urgente”, refere em declarações ao JE, David Pereira, presidente da APROSE.

O responsável salienta que todos os países ocidentais já têm este tipo de mecanismos financeiros, mas Portugal que “é um país sísmico tem andado adormecido”, sublinhando que já vários governos tentaram colocar um plano em prática, mas que tem ficado tudo pela boa vontade e nada acontece. “Acho que este evento veio abanar as consciências de que é necessário fazer este fundo, mas às vezes caem na apatia do esquecimento e não fazem nada. Talvez agora os responsáveis comecem a pensar duas vezes”, afirma.

Em setembro de 2023, Nuno Catarino, diretor da APROSE deu conta, em entrevista ao JE, de que a criação deste fundo para fenómenos sísmicos iria necessitar de oito mil milhões de euros. Contudo, para David Pereira isto é apenas uma estimativa, dado que o valor exato não é possível calcular.

“O que sabemos é que algo vai acontecer, porque há estudos nesse sentido. Ciclicamente Portugal é abanado por esta cordilheira atlântica que entra em erupção e atravessa a África do Sul até ao Alasca e Portugal está numa zona muito nevrálgica. Portugal tem andado a dormir à sombra da sorte, mas pode ser que este sismo tenha vindo novamente abanar as consciências e relembrar que Portugal e principalmente Lisboa está num sítio muito nevrálgico por causa do Vale do Tejo”, refere David Pereira.

Desta forma e face aos acontecimentos da madrugada de segunda-feira, o presidente da APROSE mostra-se confiante de que o processo para a criação deste fundo irá avançar com uma maior celeridade. “Acredito que até ao fim do ano vamos saber alguma coisa sobre este fundo sísmico ou de algum fundo catastrófico”, salienta.

Apenas 19% das habitações em Portugal têm cobertura de risco sísmico

Quem também espera que seja criado um sistema de proteção para o risco catastrófico que proteja as pessoas e as suas casas é a Associação Portuguesa de Seguradores (APS), alertando que apenas 19% das habitações em Portugal têm seguros com cobertura de risco sísmico.

“Não estamos perante uma mera incerteza, mas sim perante um verdadeiro risco, de ocorrência certa, em momento incerto”, refere a APS, frisando que, em Portugal, “47% das habitações não tem qualquer seguro, 34% têm seguro de incêndio ou multirriscos, mas sem cobertura de risco sísmico e apenas 19% têm seguro com cobertura de risco sísmico”, indica em comunicado a associação liderada por José Galamba de Oliveira.

A APS espera que este sismo “seja determinante para acelerar a decisão de criação de um mecanismo que ajude os cidadãos a enfrentar e mitigar as perdas que um sismo de grande intensidade pode causar no nosso país, contribuindo, dessa forma, para o restabelecimento da normalidade possível da vida das pessoas após a ocorrência deste tipo de acontecimentos”.

“Não podemos criar demasiado alarmismo, mas não há toques de magia”, avisa Ordem dos Arquitetos

Numa perspetiva mais técnica do fenómeno sísmico e questionada sobre se as casas portuguesas estão preparadas para lidar com estes eventos, a Ordem dos Arquitetos (OdA) sublinha que há uma série de ações de legislação e sempre que os edifícios estão construídos com qualidade e no respeito pela legislação recente, estão preparados para mitigar os problemas que podem surgir a um evento sísmico.

“Em primeiro lugar não podemos criar demasiado alarmismo. No entanto, como somos um país histórico, com muitas cidades, com um grande aproveitamento de edifícios anteriores às características que respeitam a legislação de proteção sísmica, também temos muitos problemas”, afirma ao JE, Avelino Oliveira, presidente da OdA.

O responsável destaca que existe um conjunto muito elevado, nomeadamente nas principais cidades históricas de Portugal, onde os edifícios mais antigos têm muito mais fragilidades. “Isto significa que uma pessoa que tenha um edifício recente e que tenha a consciência de que ele foi construído tecnicamente com construtores muito ponderados pode estar mais salvaguardada. Quando está a habitar ou utilizar edifícios mais antigos do histórico tem que ter precauções acrescidas”, refere.

Avelino Oliveira relembra que a partir da década de 80 o país começou a ter uma legislação mais elaborada e muito mais preparada e que melhorou no século XXI, realçando que houve um período em que foi colocado um regime excecional na reabilitação urbana, em que vulnerabilizaram a reabilitação de alguns dos edifícios históricos.

“De 2014 a 2019 houve um diploma legal que realmente fragilizou essa reabilitação. Esse é um problema que algumas pessoas têm assinalado, mas no restante da década de 90 para cá, os edifícios, em termos da sua estrutura, respondem aos critérios básicos de uma certa proteção sísmica”, sublinha.

No entanto, o presidente da Ordem dos Arquitetos avisa que a proteção sísmica é uma área de engenharia muito específica, difícil e complexa. “Não há toques de magia. Mesmo um engenheiro capaz que tenha desenhado tudo dentro das regras, dependendo dos sistemas construtivos ou sistemas estruturais, pode ter desenhado ou preconizado um edifício que seja mais resistente ou um edifício que tenha menos resistência. Tudo o que está para trás da década de 80, aí temos mais vulnerabilidades. Na década de 50 houve uma primeira legislação ainda básica e tudo o que está para trás de 1950 ainda estará mais vulnerável”, explica.

Questionado sobre o que pode ser feito para proteger de forma legislativa esses edifícios Avelino Oliveira destaca desde logo a necessidade de uma consciência social. “As pessoas, os promotores, os proprietários, os inquilinos, quando estão a habitar ou quando estão em edifícios onde claramente detetem que possam existir vulnerabilidades, têm que chamar técnicos especificamente engenheiros para verem quais é que são os elementos mais resistentes, as zonas mais preocupantes e aquelas em que são mais sólidas”, refere, assumindo que por mais medidas que possam ser implementadas nunca se está suficientemente preparado para este tipo de fenómenos naturais.

“Tivemos um sismo em Marrocos há um ano, bem perto de nós e esse sismo teve consequências em vidas humanas. Todo o património construído de Marrocos não estava tão bem preparado como o português. No Haiti também assim aconteceu. No Japão, onde têm também uma elevada vulnerabilidade [destes fenómenos] estão muito bem preparados, mas isso não impede que o Japão também tenha problemas, mesmo numa cidade muito evoluída e bem preparada. É impossível pensarmos que estamos perfeitamente preparados e que podemos dormir completamente descansados”, afirma Avelino Oliveira.

No caso de Portugal o responsável considera que esta é uma matéria complexa e que se deve sempre tentar fazer o melhor, porque sabemos que o país está numa zona perigosa, nomeadamente em duas regiões: Lisboa e Algarve. Como tal, o presidente da OdA acredita que o mais recente sismo pode servir de alerta para as autoridades governativas.

“A comunidade científica junta arquitetos e engenheiros, mas com ênfase até na engenharia, tem vindo a alertar há vários anos sobre um conjunto de situações que devíamos ter maior atenção. Isto pode servir para que os avisos dessa comunidade científica sejam tomados em linha de conta para aplicar políticas mais operacionais. Este evento foi um aviso sem consequências demasiado gravosas, mas foi um aviso para ouvirmos a comunidade científica. Sem alarmismos, mas temos que olhar para o assunto com todas as cautelas”, refere Avelino Oliveira.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.