As sucessivas situações de catástrofes a que Portugal tem assistido nos últimos tempos, como incêndios ou cheias, ou a nível internacional com sismos de grandes dimensões levaram a Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE) a reforçar a necessidade para a criação de um fundo de catástrofes.
No entender da associação todas as pessoas deviam ter seguro, mas, por outro lado, existem sempre situações não seguras, algo que com a criação deste fundo poderia dar resposta, por exemplo, a casos extremos ou ocorridos em zonas críticas.
Com estes fenómenos a serem cada vez mais recorrentes fruto das alterações climáticas, nos Estados Unidos já começou o debate sobre o facto de as pessoas deixarem de poder fazer seguros para as suas casas, devido aos eventos climáticos extremos, como os recentes incêndios no estado da Flórida.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), Nuno Catarino, diretor da Associação Nacional de Agentes e Corretores de Seguros (APROSE), defende que Portugal deve avançar para a criação deste tipo de fundo para que possa estar protegido no caso de algum fenómeno catastrófico, algo que iria também impactar gravemente a economia nacional.
Porque deve Portugal criar um fundo contra catástrofes?
É algo que já acontece aqui ao lado. Espanha tem um fundo deste género que se chama Consórcio desde 1962. Ainda no ano passado quando tiveram aqueles danos provocados pelo vulcão nas Ilhas Canárias quem pagou os estragos foi esse fundo. Em Portugal estamos sempre preocupados com a questão dos vulcões nos Açores, mas este fundo pode ser para vários tipos de catástrofe, como por exemplo, aqueles incêndios terríveis em Pedrógão Grande em 2017 ou se houver umas grandes cheias como já tivemos.
Imaginemos que o sismo que aconteceu em Marrocos acontecia em Portugal, e nomeadamente na Grande Lisboa que é uma zona que está muito exposta, há muitas coisas que não estão seguras contra fenómenos sísmicos. A nossa economia seria tão afetada que não havia Estado que pudesse pagar a reconstrução e as pessoas quando não têm seguro a sua primeira ação é irem pedir dinheiro ao Estado e isso preocupa-nos.
Este fundo seria como uma rede de segurança para a economia portuguesa para o caso de ocorrer uma catástrofe. Ter este tipo de fundos hoje em dia já é uma coisa comum, Marrocos já tem, a Turquia também tem alguma coisa, o Japão, o Chile, ou seja, todos os países com problemas catastróficos existenciais têm feito este fundo ao longo dos anos.
É um tema que nos preocupa bastante, porque a economia se for uma catástrofe de grandes dimensões, o Estado não vai ter dinheiro para pagar às pessoas e, portanto, ficamos aqui com um impacto económico enorme. Pegando no exemplo das casas que são o maior bem de qualquer pessoa e se não tiverem seguro ficam um com problema para a vida toda, porque depois quem é que vai reconstruir?
Nos Estados Unidos os seguros pensam não cobrir as casas das pessoas que foram afetadas pelos incêndios. Que impacto teria essa situação em Portugal?
Exato, com as mudanças climáticas, os incêndios são mais frequentes e por exemplo, na Flórida, as companhias estão a pensar deixar de fazer seguros de incêndio porque acontecem com muita frequência.
É por isso que um fundo público faz todo o sentido porque vai acumulando capital. Imagine-se que não acontecia nenhuma catástrofe este ano. Todo o dinheiro que tinha sido pago para esse fundo público que seriam as apólices das pessoas, os impostos, digamos, a começar no seguro seriam introduzidas apólices de multirriscos, inclusive da casa e o seguro das empresas, havia lá uma taxa que seria para esse fundo que ia acumulando para no dia que houver uma catástrofe, responder a isso.
Estamos a arriscar para que um dia aconteça uma situação como Marrocos ou como aconteceu na Turquia o ano passado e não haja dinheiro. Tivemos o terramoto de 1755 e andamos todos a dizer que um dia acontece algo da mesma dimensão e se acontecer, pode ser uma situação muito complicada para a nossa economia.
Como seria definido o valor de reserva para uma catástrofe desta magnitude?
O que foi feito de estudo pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS) apenas para a parte de fenómenos sísmicos, ou seja, se acontecesse um terramoto da mesma dimensão de 1755, o fundo necessitaria de oito mil milhões de euros. Agora, se incluirmos outro tipo de catástrofe, como os incêndios, ou cheias tem que se definir a partir de que valor é que será considerada uma catástrofe.
O que propomos é haver um grupo de trabalho que envolva o regulador dos seguros que fizesse uma proposta de definição de catástrofes e a taxa de catástrofes que estavam cobertas e depois a forma de se financiar. A nossa proposta é de um valor que esteja em todas as apólices de multirriscos e depois é começar a acumular dinheiro para no dia que houver uma situação catastrófica. Mais uma vez, se acontecer uma coisa com muita gravidade, não vai haver Estado nem União Europeia a ajudar-nos nestas situações.
As autoridades políticas estão preocupadas?
Temos falado com os partidos políticos e eles têm levantado essa situação. Recentemente tive uma reunião com o grupo parlamentar do Partido Socialista e os próprios levantaram essa discussão. Vejo que existe alguma preocupação.
Acho que é responsabilidade da sociedade e nomeadamente da classe política, pensar nessas situações e não reagir só depois do ocorrido. Como dizemos em bom português, nas costas dos outros vemos as nossas. Estamos numa fase onde as alterações climáticas acontecem com maior frequência e com maior severidade e por isso é importante pensarmos que se acontecer cá, como é que a nossa economia está protegida.
Têm tido reuniões com as seguradoras? O que pensam elas da criação deste fundo?
Há algo que é muito consensual no sector das seguradoras, ou seja, desde as seguradoras ao regulador. Existe um consenso de que isto já devia ter sido feito há 20 ou 30 anos. Outra das ideias que temos e já falámos, com algumas associações do grupo de profissionais da Ordem dos Engenheiros, é que nós não sabemos qual é a proteção sísmica dos nossos edifícios.
A proposta que temos é muito simples também, que era termos os edifícios com a classificação como têm os electrodomésticos. Ou seja, vou comprar uma casa e sei que está com um nível de proteção A contra sismos e o prédio ao lado só é nível B. Se o valor for o mesmo e a casa igual é claro que vou comprar uma casa no prédio que está melhor protegido.
Acho que a construção em Portugal tinha uma evolução fortíssima, porque tinha um incentivo já que as pessoas todas queriam comprar prédios com proteção sísmica máxima e com melhor qualidade. Lisboa é uma bomba-relógio que temos. Tem que haver essa preocupação em Lisboa e Algarve são as zonas com maior risco sísmico e os Açores.
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