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Crise da moeda venezuelana afeta comunidade imigrante portuguesa

Na segunda-feira, os venezuelanos precisavam de 535.719 bolívares (bs) e hoje precisam de 646.00 bs, num país que vive numa situação de hiperinflação desde 2018. Os preços são afixados em dólares norte-americanos e pagam-se à taxa de câmbio do momento da compra.
15 Novembro 2020, 10h07

A moeda venezuelana, o bolívar, perdeu na última semana 20,24% do seu valor perante o dólar norte-americano, fazendo disparar o preço dos produtos e reavivando as preocupações de comerciantes e clientes, em particular os portugueses e lusodescendentes.

Na segunda-feira, os venezuelanos precisavam de 535.719 bolívares (bs) e hoje precisam de 646.00 bs, num país que vive numa situação de hiperinflação desde 2018. Os preços são afixados em dólares norte-americanos e pagam-se à taxa de câmbio do momento da compra.

“Estamos muito preocupados, tudo está ‘dolarizado’ [afixado em dólares] e os preços em bolívares sobem diariamente, nalguns casos até em dólares. Quem mais vende é quem mais perde, porque quando vai repor o ‘stock’ de produtos, o que cobrou já não dá para encomendar o mesmo e perde dinheiro ou tem que pedir menos quantidade”, explicou um comerciante luso-venezuelano à Agência Lusa.

Arturo Agrela é um dos proprietários de uma pequena pastelaria em instalações alugadas, cujo valor varia diariamente devido às oscilações locais da cotação da moeda.

“Com o aumento desta semana significa que vou pagar mais de 20% mais de aluguer [em bolívares] e assim acontece com tudo, inclusivamente com os serviços básicos, que perderam qualidade, nem sempre funcionam, mas sobem de preço”, frisou.

Por outro lado, Alejandro Martins, para poder sobreviver à crise no país, “que se agravou com o coronavírus”, mudou o registo do seu pequeno café, para poder também vender legumes e verduras, queijos, açúcar e inclusivé alguns detergentes.

“É o que as pessoas estão a comprar. As pessoas não têm dinheiro e tentam conservar o que têm em moeda estrangeira. Com o dinheiro limitado, a compra de alimentos é a prioridade e quem todos os dias vinha para tomar café, agora chega a passar mais de uma semana sem que venham, e quando pedem verduras querem que se entregue no domicílio”, explicou.

“Não sabemos durante quando tempo poderemos aguentar isto”, desabafou, explicando ainda que “as pessoas estão a comprar menos comida” para casa.

Alejandro Martins acrescentou: “Neste país todos os dias há um problema para resolver, se não é a luz (eletricidade) que foi embora, é um aparelho que avariou pelas oscilações de energia, a água, a falta de gasolina”.

“Também a insegurança, porque durante as noites roubam os estabelecimentos à procura de comida e coisas para vender”, disse.

Por outro lado, a doméstica Maria Correia, 72 anos, está também preocupada com a situação e também desabafa em castelhano: “Isto está cada vez mais ‘cuesta arriba’ [ladeira acima ou difícil de suportar]”.

“Estamos em hiperinflação e agora são dólares para tudo, mas mesmo em dólares as coisas sobem de preço. Além disso, para quem conseguiu guardar alguns euros tê-los em notas não compensa, porque os comerciantes trocam 1 por 1 [um euro por um dólar], não lhes importa que um euro tenha 17% mais de valor que o dólar”, explicou.

Segundo esta portuguesa, com as pensões locais apenas pode “comprar um pão, um quilograma de açúcar e talvez mais uma coisa, porque até mesmo algumas verduras custam mais por quilograma que uma pensão”.

“Tenho um filho que me ajuda, mas o dinheiro que tinha guardado [em euros] cada vez é menos. É triste trabalhar uma vida inteira e ver com as coisas se degradaram. Nós, os avózinhos, só compramos o que precisamos, mas no supermercado temos que ver os preços antes de comprar para decidir se trazer ou não”, disse.

Alguns portugueses afirmam que só não deixam a Venezuela por terem casa e propriedades no país. Ainda assim, queixaram-se que os aeroportos estão encerrados, que os preços das viagens são muito altos.

Como não têm dinheiro para “recomeçar” em Portugal mesmo se conseguirem vender algumas coisas, teriam que ter ajuda de familiares, o que, dizem “não é fácil”.

Segundo economistas locais, a Venezuela está em hiperinflação desde 2018.

Segundo o Observatório Venezuelano de Finanças, o país acumulou 1.798% de inflação entre janeiro e outubro de este ano.

Em janeiro de 2020 um dólar norte-americano custava 75.000 bolívares.

Muitos estabelecimentos locais fixam a cotação do dólar segundo o mercado negro, que este sábado era de 690.000 Bs, quase 7% mais alto que o valor oficial.

Por outro lado, perante a falta local de notas de pequena denominação, de 1 e 5 dólares, os clientes veem-se obrigados a comprar mais produtos até completar para 20, 50 ou 100 dólares.

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