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CTO da Fujitsu: “Os bancos estão a tornar-se empresas tecnológicas”

Pascal Huijbers, Chief Technology Officer for Financial Services EMEIA da Fujitsu, explicou em entrevista ao Jornal Económico a importância da cooperação da banca tradicional com as fintech, bem como das criptomoedas e da blockchain.
18 Outubro 2018, 18h20

A banca está a atravessar tempos de transformação, em que está a tentar definir o modelo de negócio à luz da inovação tecnológica. Pascal Huijbers, Chief Technology Officer (CTO) for Financial Services EMEIA da empresa japonesa Fujitsu, explicou em entrevista ao Jornal Económico que o futuro ainda é incerto, mas que o caminho é a digitalização.

Em Portugal para participar a 46ª Conferência da European Financial Management Association (EFMA), que se realiza esta quinta e sexta-feira com o tema transformação digital na banca, Huijbers aponta para o papel fundamental da cooperação da banca tradicional com as fintech. A longo prazo, vê as criptomoedas e a tecnologia blockchain a ganharem importância no sistema financeiro global.

Está em Portugal para a conferência da EFMA, que este ano é sobre transformação bancária. Quais são as suas expetativas?

A minha expectativa para a conferência é que os bancos estejam realmente a abrir-se a novas tecnologias. Estão a tornar-se em empresas tecnológicas e a implementar um processo de transformação digital. Há muitas oportunidades novas e pode ser um novo modelador de mercado e a próxima grande novidade. Por isso, a minha esperança é que os bancos realmente se abram a isso e tentem encontrar uma forma de lidar para melhorar os seus negócios no futuro.

Como é que a transformação digital afeta os setores bancário e financeiro?

Se falarmos de transformação digital, não é uma questão da transformação em si. É mais sobre como mudar a forma como as empresas fazem negócio e também como interagem com os clientes. Penso que a digitalização está a mudar os modelos de negócios e como interagimos com os clientes.

A segunda pergunta é como realmente se transforma numa nova empresa, que é a digitalização da execução, mas também o apoio a um envolvimento mais íntimo com os clientes. O que vemos é que a interação com os bancos e as seguradoras no futuro passará principalmente por meio de canais de digitais e vemos que os clientes têm grandes expetativas quanto ao tipo de serviços que passarão por esses canais.

É muito difícil para os bancos diferenciarem-se e permanecerem realmente importantes e relevantes para os clientes. Essa também é a razão pela qual têm de desenvolver novos serviços e optimizar a experiência do cliente, e têm isso por meio da abordagem digital.

O setor está aberto a essa transformação?

Os bancos são os estrangeiros em transformação digital. É um ambiente muito tradicional em termos de forma de trabalhar. Estão a tornar-se cada vez mais capazes de aceitar a transformação digital e de se inserirem na cultura digital ou em novas maneiras de interagir com os clientes. Mas, por outro lado, não sabem para onde ir. Ainda não há respostas sobre o que vai acontecer, o que significa que não estão prestes a mudar, mas sim a tornar-se mais ágeis e transformadores para acompanharem as mudanças no mercado. Penso que é importante que se concentrem nisso.

Quais são os principais desafios para a banca?

Existem dois lados. Um prende-se com a posição no mercado futuro e que tipos de serviços serão colocados no mercado: como vão envolver-se com os clientes e permanecer relevantes. Para se tornarem novas empresas, que ofereçam novos produtos de forma rentável, também têm de mudar os sistemas internos. Têm de mudar isso, enquanto descobrem o novo posicionamento. Esse é o verdadeiro desafio. Porque também têm que manter os níveis de custo e encontrar o nível certo de competências.

É realmente uma escolha? Os bancos podem sobreviver se não implementarem esse tipo de transformação?

Essa é uma pergunta boa, mas difícil. Tenho visto muitas estratégias desses bancos e também as estratégias digitais, e penso que muitos bancos estão a copiar-se uns aos outros em termos de abordagem. Penso que é muito difícil ter diferentes formas de estratégias digitais. Às vezes pode ser bom combiná-lo com uma presença local. Por outro lado, penso que é necessária essa transformação digital para permanecer relevante e optimizar os níveis de custo. Como disse sobre os desafios, é algo que terão que fazer de qualquer forma.

Quais são as principais diferenças entre a Europa, a Ásia e a América?

No geral, são mercados diferentes. Se olharmos para os dez maiores bancos do mundo, a maioria deles são empresas chinesas, que estão realmente a crescer. Nos EUA, também há players realmente grandes, mas não têm o problema de linguagem ou cobertura, apesar de terem regulamentação diferente. Se olharmos para a Europa, existem uma série de países mais pequenos menores com diferentes idiomas e players. Nos mercados mais pequenos, há recursos menores, não apenas em relação ao dinheiro para investir, mas também em termos de número de clientes. No geral, essa é a diferença entre essas regiões.

Está familiarizado com o mercado português? Como se encaixa nesse cenário?

Estou familiarizado com o mercado português no sentido em que sei que pertence ao sul da Europa. Conheço as formas da região e são diferentes entre a Europa. Existem algumas diferenças na forma como cada um dos países lida com o dinheiro em numerário, por exemplo. Há muito maior circulação de dinheiro em alguns países do que outros. Além disso, os pagamentos digitais e as ATM têm opções diferentes.

Quais são as oportunidades que vê para um mercado como o português?

Penso que o não está ainda claramente definido. O que quero dizer é que podemos discutir oportunidades para os países nórdicos, onde tudo é muito digital e quase não há dinheiro. Mas, por exemplo, em Portugal, existe um papel mais explícito das caixas ATM. Existem diferentes oportunidades, para usá-las para interação, como usá-las como ponto de partida para cada banco na região e, em seguida, usar para interação entre o cliente e a máquina. Usando a mão, por exemplo: alguém coloca a mão na máquina, que identifica quem é a pessoa e o seu banco. Penso que é diferente da parte norte para a parte sul da Europa. Mas isso também significa que se podem usar esses pontos para adicionar mais serviços. Por exemplo, para seguros ou pagamentos.

Considera que as sociedades globais se vão tornar cashless?

A minha opinião  geral é que chegaremos a isso. Depende um pouco do que vemos como dinheiro porque tendemos a ver dinheiro como moedas e notas. Criptomoedas também podem ser uma forma disso. Ainda haverá um papel para as moedas locais e para as criptomoedas. O que eu vejo é uma combinação de pagamentos digitais através de uma plataforma online, que pode ser chamada de banco, mas também ainda vejo um lugar para pagamentos diretos, que podem ser em dinheiro, mas também em outras formas.

Quando?

Se olharmos para alguns países, já existem mais de 90% dos pagamentos digitais. Penso que para países como Holanda, Finlândia, Suécia, é apenas uma questão de alguns anos. Cinco anos talvez.. Se olharmos para o sul da Europa, talvez seja mais difícil estabelecer uma data, mas acho que estão a caminhar na mesma direção. Em 10 anos ou mais.

Como é que as criptomoedas se encaixam nesse cenário?

Penso que as criptomoedas são um tópico novo e importante. A razão para isso é porque existem dois lados dessa discussão. Por um lado, há uma discussão sobre criptomoedas em si, incluindo bitcoins ou ripple, que penso que têm um enorme potencial no mercado. Não porque tenham valor, mas porque podem substituir os modelos tradicionais. Isso faz com que seja realmente interessante fazer pagamentos. Por exemplo, pode-se fazer um pagamento direto apenas com o telemóvel. Não há nenhum banco envolvido. Apenas se transfere valor de um lado para o outro. Acredito que as criptomoedas podem fazer a diferença na maneira como se transfere dinheiro de um lado para o outro.

O outro lado da discussão sobre criptomoedas é a tecnologia por trás, a blockchain. A blockchain pode realmente fazer a diferença na forma como as pessoas fazem transações, porque a forma antiga precisava de um intermediário, mas, no futuro, vai-se poder simplesmente usar a tecnologia. É uma questão da confiança na sociedade para o construir.

Espera que o setor bancário tradicional comece a usar blockchain?

Sim. Penso que a situação ideal seria uma combinação, porque continuará a ser necessária uma empresa de confiança. Por isso, uma boa forma de começar seria algo é o que está a ser feito com o ripple, que agora suporta transações entre bancos para acelerar a quantidade de dinheiro que se pode transferir de uma conta para outra. Penso que o setor bancário ainda tem que descobrir o que fazer com a blockchain e provavelmente levará alguns anos antes que entendam como integrá-la. Para algumas partes, pode ser uma integração do que já possuem.

E as tecnológicas que estão a entrar no negócio financeiro? São uma ameaça para os bancos?

Se olharmos para as novas empresas de tecnologia, temos que diferenciar entre fintechs e bigtechs. Os primeiros são mais pequenos com novos conceitos, enquanto os segundos são empresas maiores que entram nesse setor. A minha visão é que as fintechs são realmente importantes em termos de inovação para os bancos, especialmente as que chamamos de grownups e scaleups, que são fintechs mais maduras que estão a assumir parte do negócio de financiamento mais lucrativo. Penso que estão realmente a mudar o mercado neste momento.

Muitos bancos começam a oferecer serviços nessas plataformas. Penso que as fintechs terão um papel nos novos domínios, especialmente aqueles em que esperamos que os bancos estejam, como os pagamentos digitais, plataformas de seguro, empréstimos diretos, etc. Ajudarão a reformular a interação com os clientes porque são mais próximas e focadas no envolvimento. Os bancos terão de descobrir como cooperar com as fintechs.

Como espera que a transformação bancária se desenvolva a médio e longo prazo?

Os bancos vão reinventar-se nos próximos anos: o que estão a tentar fazer atualmente é obter novas formas de inovação e novos serviços… Ainda não sabem para onde estão a ir, mas estão a reinventar-se. O sucesso irá depender principalmente da execução, pois não é importante apenas ter uma estratégia, mas também executá-la: como podem mudar a relação com os clientes e os modelos de negócio. Acho que existem oportunidades na inovação. Haverá uma forma de mercado diferente no futuro.

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