O PCP vai votar contra a legalização da eutanásia. O partido deverá fundamentar a oposição à lei com o facto de não se tratar de uma prioridade para a sociedade portuguesa. E, segundo foi noticiado, há no PCP quem  receie uma “deriva economicista” que faça com que, num dia mais ou menos longínquo, os doentes (sobretudo os mais pobres) sejam socialmente pressionados no sentido de optarem pela eutanásia, de modo a não se tornarem um fardo financeiro para as suas famílias e para o Estado.

Esta posição do PCP é a prova de que a discussão em torno da eutanásia não é, como muitos acreditam, um debate entre conservadores e progressistas, crentes e ateus, esquerda e direita. O tema é muito mais complicado do que isso. Não por acaso, a despenalização não avançou em países como o Reino Unido ou a Finlândia, que não são propriamente bastiões do obscurantismo. E em França optou-se por legalizar a  sedação profunda dos doentes teminais, em vez da eutanásia.

Em Portugal, o debate tem sido dominado pelos proponentes da despenalização, que defendem pelo menos uma de duas teses principais: a morte assistida como solução legítima para situações de grande sofrimento físico e psicológico; e o reconhecimento do direito a decidir quando e como queremos morrer, com base numa noção de dignidade que está muito ligada à ideia de autonomia individual e de não-dependência de terceiros.

Não tenho a pretensão de ter as respostas sobre este tema tão complexo, que mexe com os nossos receios mais profundos.  Mas parece-me que corremos o risco de aprovar a legalização da eutanásia sem discutir várias questões relevantes. As quais, num assunto que é literalmente de vida ou de morte, não devem deixar de ser tidas em conta e devidamente ponderadas, no âmbito de um verdadeiro debate público.

Comecemos pelo valor que, enquanto sociedade, atribuímos à vida humana. Todas as vidas são sagradas e têm idêntico valor ou este deve passar a ser relativo, sendo maior ou menor consoante a nossa vontade de viver e a “qualidade” da nossa existência? O problema do relativismo é que nunca se sabe onde nos pode levar. Quem está habilitado para definir o que é uma vida com “qualidade”? Não se estará a dar demasiado poder aos médicos e a outros profissionais, sem que se possa garantir, a 100%, que não há risco de erros ou de decisões contrárias ao interesse do doente?

Se admitirmos a eutanásia como um direito em situações de sofrimento extremo, o que impedirá, com o passar do tempo, a sua aplicação noutros casos? Deve ser permitida em casos de doença mental ou de quem, simplesmente, sofre por estar cansado de viver? E o que fazer quando estão em causa crianças? Não estou a especular, pois isto já acontece na Bélgica e na Suíça.

Por fim, não corremos o risco de criar um sistema onde quem não tem recursos acaba por ser “empurrado” para a solução mais fácil e barata? Como pode um doente optar de forma livre e consciente entre a eutanásia e os cuidados paliativos, se em Portugal estes são um luxo a que a maioria dos cidadãos não tem acesso? Que liberdade de escolha terá um idoso que recebe uma pensão miserável e foi abandonado pela família, como tantos milhares no nosso país?

Há quem considere que levantar estas questões é demagogia. Mas se vamos discutir a eutanásia, que o façamos tendo em conta todas as suas potenciais implicações. De boas intenções está o inferno cheio.

 

Nota: Como sempre, a posição expressa nesta coluna vincula apenas o seu autor e não o JE.