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Debate sereno entre António Costa e Jerónimo de Sousa só aqueceu na precariedade laboral

Primeiro-ministro e secretário-geral do PCP lidaram de forma serena com as “diferenças insanáveis”, que se manifestaram sobretudo nos contratos a prazo. António Costa não quis dizer se terá Mário Centeno no próximo Governo e Jerónimo de Sousa explicou aos “apressados” quanto à sua sucessão que deverão ter “mais serenidade”.
2 Setembro 2019, 22h43

O primeiro debate televisivo entre líderes partidários para as legislativas de 6 de outubro só escapou, mas não muito, ao clima de não agressão quando António Costa e Jerónimo de Sousa trocaram argumentos quanto à legislação laboral, nomeadamente as normas que o secretário-geral do PCP considera promoverem a precariedade, chegando a falar nos jovens emigrantes que “gostariam de estar aqui na sua pátria, mas com condições”.

Recordando a primeira Lei dos Contratos a Prazo aprovada na Assembleia da República, “por iniciativa do PS”, em 1976, como “uma fenda na muralha da legislação laboral que permite que existam centenas de milhar de trabalhadores precários”, Jerónimo de Sousa acabou por ser contrariado por António Costa – que a certo momento ensaiou o célebre “olhe que não” dito por Álvaro Cunhal a Mário Soares -, apontando que dos 350 mil postos de trabalho criados ao longo dos quatro anos de legislatura, 92% foram contratos definitivos.

Perante as críticas de Jerónimo de Sousa ao comportamento dos empresários, o líder socialista disse, virando-se para a jornalista que moderou o debate, que “a SIC não investiria na formação da Clara de Sousa se não contasse que ela fosse colaboradora da empresa por mais de seis meses”.

Ameno foi o arranque, desde logo com António Costa a sublinhar que, apesar das “diferenças insanáveis” entre o PS e o PCP, dois dos parceiros da “geringonça” – tentativas de pôr um e outro a falarem de Catarina Martins não surtiram efeito -, os comunistas “podem estar hoje honrados de terem assinado um documento em que tudo foi cumprido e foi possível ir mais além do que o acordado”. Isto apesar de “não querer diminuir a exigência que o PCP sempre pôs nesta relação”.

Sem responder a Clara de Sousa se tem confiança em António Costa, Jerónimo de Sousa recorreu ao conselho materno de que “a melhor prova do pudim é comê-lo”, assumindo a responsabilidade do PCP em “medidas importantíssimas para a vida dos portugueses”, nomeadamente no que toca às reposições nos salários e nas pensões.

Quanto à possibilidade de repetir a solução governativa na próxima legislativa, o primeiro-ministro preferiu dizer que “em função dos resultados eleitorais veremos as soluções que existem”. Mas não deixou de referir que o PS “é o único partido que tem assumido por inteiro a governação”, levando Jerónimo de Sousa a contestar que “valorizamos aquilo que é de valorizar”, e a voltar  a salientar o “papel importantíssimo” do PCP na reposição de direitos “que alguns julgavam perdidos para sempre”.

Confrontado pela moderadora do debate com a perda de dez câmaras municipais nas autárquicas, com o mau resultado nas europeias e com sondagens que dão conta de uma quebra nas legislativas, Jerónimo de Sousa criticou a “alma de cangalheiro” que os comentadores reservam ao seu partido, insistindo que “o reforço do PCP e da CDU é essencial”.

Valorização dos salários

Convergência entre os dois líderes partidários ocorreu quando o primeiro-ministro reconheceu que ainda é preciso valorizar mais os salários dos portugueses, na medida em que o salário médio líquido mensal subiu apenas 9,2% nos últimos quatro anos (enquanto o salário mínimo nacional teve um acréscimo de 20%).

No entanto, quando lhe foi perguntado se o PCP estará disposto a apoiar futuros orçamentos de Estado mais restritivos, num cenário de abrandamento económico, Jerónimo de Sousa foi taxativo: “Se alguém pensa que vamos voltar para trás, com congelamento e desvalorização de salários, isso não vai ser acompanhado pelo PCP.”

O debate terminou com António Costa a recusar dizer se voltará a convidar Mário Centeno para a pasta das Finanças. “Os convites para o Governo farei quando tiver legitimidade para os fazer”, afirmou o líder socialista. No entanto, embora tenha garantido que não fez o convite a Mário Centeno, “nem a Matos Fernandes, nem a Tiago Brandão Rodrigues, nem a Mariana Vieira da Silva, nem a nenhum dos meus colegas de Governo”, António Costa explicou que “quem tem de formar uma equipa não deixa no banco os seus melhores jogadores”.

Por seu lado, Jerónimo de Sousa recusou que esta seja necessariamente a sua última campanha eleitoral, aos 72 anos (dos quais 15 à frente do PCP), prometendo “toda a disponibilidade e força para o grande objetivo do reforço da CDU”. E terá deixado um recado interno, referindo que a escolha de um novo secretário-geral não está a ser posta. “Os apressados que tenham mais serenidade”, comentou.

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