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Marcelo não precisou de sair de casa para dominar o debate presidencial

Atual chefe de Estado participou por videoconferência no debate com Ana Gomes, André Ventura, João Ferreira, Marisa Matias, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva. “Uns e outros queriam um Presidente mais alinhado à direita ou à esquerda”, defendeu, face às críticas ao seu mandato, realçando que as crises dos últimos anos aconselhavam “um Presidente que não fosse de facção”.
  • Marcelo Rebelo de Sousa em videoconferência no debate presidencial
12 Janeiro 2021, 23h36

Criticado à esquerda e à direita pelos outros seis candidatos presidenciais que enfrentou no debate televisivo transmitido pela RTP1 na noite desta terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa dominou a troca de argumentos mesmo sem poder sair de casa, recorrendo à videoconferência por não ter recebido das autoridades de saúde confirmação de que poderia participar presencialmente mesmo após dois testes não terem confirmado o resultado positivo de infeção com o coronavírus SARS-CoV-2 que tinha recebido na véspera. “Uns e outros queriam um Presidente mais alinhado à direita ou à esquerda”, contrapôs o atual chefe de Estado, fazendo a defesa de um mandato “que criou condições às instituições para funcionarem” e sublinhando que a sucessão de crises que Portugal enfrentou ao longo do seu mandato “aconselhava um Presidente que não fosse de facção, que criasse convergência e que aproximasse”.

Num debate muito mais sereno do que todos os frente-a-frente realizados na semana anterior, o candidato confinado na sua residência, em Cascais, assumiu o papel de garantia de equilíbrio no sistema político português e apontou prioridades para os próximos cinco anos, que vão “corresponder ao mandato do próximo Presidente”. “É preciso recriar o país em termos estruturais”, defendeu Marcelo, apontando como próximos marcos que vão dominar a vida dos portugueses a ultrapassagem da pandemia, “acelerando a vacinação e criando condições sanitárias e apoios económicos e sociais para que a atividade económica não morra e para as desigualdades não se tornarem ainda mais insuportáveis”, e a necessidade de Portugal não acreditar numa “bazuca milagrosa” e lutar por um financiamento europeu que “venha mais cedo do que mais tarde e não às pinguinhas”.

Entre os restantes candidatos houve sobretudo consenso nas críticas ao Presidente da República em exercício, com o eurodeputado comunista João Ferreira a dizer que os afetos de Marcelo Rebelo de Sousa estão “tão mal distribuídos quanto a riqueza do país”, enquanto o líder e deputado do Chega André Ventura descreveu o chefe de Estado como “uma desilusão” e o candidato apoiado pelo primeiro-ministro. “Entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não se sabe onde acaba um e começa o outro”, acrescentou Tiago Mayan Gonçalves, apoiado pela Iniciativa Liberal, após Vitorino Silva, presidente do partido RIR e conhecido pela alcunha “Tino de Rans”, ter falado numa “parceria entre os dois”.

Para a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, “o Presidente da República deve ser o garante da estabilidade, mas não a estabilidade do bloco central dos interesses que tem sido tão nefasto para o país há décadas”, apontando-lhe ainda o dedo por “normalizar a extrema-direita”, numa referência à aceitação da solução de governo de uma aliança de centro-direita nos Açores que conta com apoio parlamentar do Chega, e a intenção de “trazer de volta ao poder a direita” se for eleito para um segundo mandato. Por seu lado, a eurodeputada bloquista Marisa Matias considerou a “parceria” entre Presidente da República e primeiro-ministro “correta” e “em nome da estabilidade política”, mas acrescentou que terá gerado “bloqueios na resolução de problemas estruturais”.

O papel dos privados na saúde e o possível adiamento das eleições presidenciais marcadas para 24 de janeiro devido à terceira vaga da pandemia de Covid-19 marcara a primeira parte do debate televisivo, tendo Marcelo Rebelo de Sousa começado por garantir que nenhum dos partidos com representação parlamentar avançou com a possibilidade de avançar com uma revisão constitucional, o que seria necessário para fazer a votação em melhores condições de saúde pública, para depois defender a conciliação entre os sectores público, social e privado da saúde.

Como seria de esperar, a saúde foi um factor de divisão entre os candidatos, com Ana Gomes a reiterar a necessidade de uma requisição civil para fazer face à pandemia e dar como exemplo os 9% do PIB que a Alemanha gasta nesse sector, garantindo que “muita capacidade subcontratada pelo Estado a privados pode ser feita pelas instituições públicas”. No mesmo sentido, Marisa Matias defendeu que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) sofreu um forte desinvestimento e foi “particularmente maltratado” pelo Executivo de Pedro Passos Coelho, enquanto o comunista João Ferreira apelou a que o Estado “deve regular a atividade privada” no sector.

Por seu lado, Vitorino Silva defendeu que mais importante do que a diferença entre sector público e privado é salvar doentes, André Ventura apelou ao “equilíbrio entre público e privado”, apontando o “preconceito ideológico” do Governo. Mais incisivo, Tiago Mayan Gonçalves falou em “desprezo pelo sector social e privado da saúde”, referindo  “total incongruência entre quem há meses dizia que o sector social e privado não era necessário e agora reclama por ele”.

Quanto à possibilidade de adiar a eleição do Presidente da República, André Ventura admitiu que para a maioria dos constitucionalistas esse cenário encontra-se quase complemente inviabilizado na prática, reconhecendo que se está a viver o “pior contexto para haver eleições”. Menos aberto ao adiamento, João Ferreira defendeu a adoção de medidas “para as pessoas se sentirem seguras para ir votar” e disse que na ‘reunião do Infarmed’ nenhum especialista advogou o adiamento, enquanto Tiago Mayan Gonçalves disse que deveriam ter sido ponderadas alterações constitucionais para “escalonar os dias de voto ou o voto por correspondência”, responsabilizando o Governo por ter conduzido os portugueses “a um ponto de não-retorno” sobre o assunto.

Por seu lado, Ana Gomes defendeu que o adiamento deveria ser ponderado, dizendo que “quando há vontade política há sempre soluções”, enquanto Marisa Matias reconheceu que “não sabemos ainda tudo sobre a pandemia”, realçando que “a vida continua com muitas limitações e a democracia também continua”. E Vitorino Silva afirmou que preferiria chegar ao debate “e não ter razão”, alegando que advertiu há vários meses que Portugal chegaria às vésperas da eleição com dez mil casos diários de infecção por Covid-19.

Marcelo “irritado” com as autoridades de saúde

O único debate televisivo com a participação dos sete candidatos à Presidência da República decorreu sem a presença física de Marcelo Rebelo de Sousa, que criticou as “indicações contraditórias” das autoridades de saúde que o deverão forçar a participar por videoconferência.

Em declarações à RTP, Marcelo Rebelo de Sousa disse, à chegada a sua casa, em Cascais, que se sentia “muito irritado” por as autoridades de saúde pública não tomarem uma posição clara sobre a possibilidade de ir ao debate, recebendo indicações contraditórias. “O mínimo era ter uma resposta por escrito”, disse, explicando que se deslocou do Palácio de Belém para a sua residência por ir debater na condição de candidato e não de Presidente da República. “Quando chegar a resposta, como é natural, já não vou a tempo de ir ao debate”, sentenciou.

Presentes no debate moderado pelo jornalista Carlos Daniel estiveram os restantes candidatos presidenciais: Ana Gomes, André Ventura, João Ferreira, Marisa Matias, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva. Todos deverão reencontrar-se na segunda-feira seguinte para um debate radiofónico organizado e transmitido pela RDP, Rádio Renascença e TSF.

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