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Desencontros e desmentidos. As crises internas com que Mário Centeno teve de lidar no Governo

Ao longo dos 1.664 dias que passou com a pasta das Finanças, Mário Centeno esteve por duas vezes à beira de deixar o cargo devido a desencontros com o primeiro-ministro, António Costa. Foi sobrevivendo à crise interna, mas não escapou aos raspanetes do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
© Jornal Económico/ Fotografia: Cristina Bernardo
9 Junho 2020, 17h54

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou esta terça-feira que aceitou o pedido de demissão de Mário Centeno do cargo do ministro das Finanças. Na hora da despedida, Mário Centeno referiu que é “o fim de um ciclo longo para a história portuguesa”. “São 1.664 dias como ministro das Finanças, aos quais acrescem mais 900 dias em acumulação de cargo com a presidência do Eurogrupo”, disse.

No entanto, aquele que foi o coordenador do programa macroeconómico do Partido Socialista (PS) antes das eleições legislativas de 2015 não foi imune a polémicas. Ao longo dos 1.664 que passou com a pasta das Finanças, por duas vezes esteve à beira de deixar o cargo devido a desencontros com o primeiro-ministro, António Costa. Foi sobrevivendo às crises internas, mas não escapou aos raspanetes de Marcelo Rebelo de Sousa.

 

A “carta secreta” que comprometeu Centeno com a CGD

A polémica troca de correspondência entre Mário Centeno e o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), António Domingues, esteve na origem de uma das piores polémicas em que o ex-ministro das Finanças se viu envolvido durante os cinco anos em que esteve no Governo. O caso obrigou o Presidente da República a intervir em nome do “estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.

Em causa esteve um compromisso assumido por António Domingues com o então ministro das Finanças para não entregar a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, conforme obrigava a alteração ao Estatuto do Gestor Público. “Foi uma das condições acordadas para [António Domingues] aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais”, lia-se na carta enviada por António Domingues a Mário Centeno e tornada pública pelo jornal ‘Eco’.

Questionado sobre a polémica, Mário Centeno foi evasivo. “O único compromisso que existe é o de que se manterá um banco público, capitalizado de maneira a poder desempenhar o papel que tem de desempenhar no sistema financeiro e na economia portuguesa e um banco que seja competitivo. Esse o único compromisso que temos neste momento assumido em relação à Caixa Geral de Depósitos”, referiu Mário Centeno.

António Domingues disse inicialmente, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, que não entregaria a correspondência trocada com o Ministério das Finanças, mas dada a possibilidade de incorrer no crime de desobediência, acabou por ceder e enviar um extenso dossier ao Parlamento.

Entre a documentação enviada, confirmou-se que Mário Centeno tinha mentido na Assembleia da República ao garantir que não houve qualquer compromisso com António Domingues sobre declarações de rendimentos e que “inexistem” emails enviados pelo Ministério das Finanças com as condições dadas a António Domingues para que ele aceitasse ser presidente do banco público. O Governo garantiu, no entanto, que não houve qualquer resposta aos emails revelados por António Domingues.

Mário Centeno tremeu mas o primeiro-ministro, António Costa, manteve a confiança no seu ministro.

 

Os 850 milhões para o Novo Banco de que Costa não teve conhecimento 

Mais recentemente, Mário Centeno viu-se envolvido numa nova polémica devido a um desencontro com António Costa a propósito da transferência dos 850 milhões de euros para o Novo Banco. Isto porque, uma semana depois de o líder do Executivo ter garantido que não haveria transferências para a recapitalização do Novo Banco, Mário Centeno veio dizer que a nova tranche para o Novo Banco não foi feita à revelia do primeiro-ministro.

Tudo começou, no debate quinzenal de 7 de maio, quando António Costa garantiu, em resposta ao Bloco de Esquerda, que não haveria mais ajudas ao Novo Banco até que os resultados da auditoria fossem conhecidos. No mesmo dia, o jornal ‘Expresso, noticiava que o Ministério das Finanças tinha dado ‘luz verde’ à transferência de 850 milhões de euros para o Fundo de Resolução destinado à recapitalização do Novo Banco.

No dia seguinte, o primeiro-ministro explicou que não foi informado pelo Ministério das Finanças do pagamento de 850 milhões de euros e pediu desculpa ao Bloco de Esquerda pela informação transmitida. Mais tarde, Mário Centeno, em entrevista à rádio TSF, admitiu uma falha de comunicação entre o seu gabinete e o do primeiro-ministro quanto à injeção de capital no Novo Banco.

Em audição regimental da comissão de Orçamento e Finanças do Parlamento, Mário Centeno foi mais longe e disse: “Não, não foi à revelia, não há nenhuma decisão do Governo que não passe por uma decisão conjunta do Conselho de Ministros”. A afirmação colocou o primeiro-ministro em xeque e levou o presidente do Partido Social Democrata (PSD), Rui Rio, a dizer que Mário Centeno não tinha “condições para continuar”.

A situação motivou também um raspanete do Presidente da República, que ligou a Mário Centeno para esclarecer o alegado “equívoco” nas declarações que fez.

António Costa quis ouvir com urgência o ministro. No final da reunião, o primeiro-ministro garantiu que a polémica foi esclarecida. “Ficaram esclarecidas as questões relativas à falha de informação atempada ao primeiro-ministro sobre a concretização do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, que já estava previsto no Orçamento de Estado para 2020, que o Governo propôs e a Assembleia da República aprovou”, referia em comunicado.

E uma vez mais Mário Centeno sobreviveu à crise interna.

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