Num contexto em que a China ‘tomou conta’ de uma parte importante do que era a indústria tradicional germânica – nomeadamente no que tem a ver com o setor automóvel – a Alemanha está a rodar as suas prioridades para a área ‘do momento’: a indústria de defesa. Transformar parte da infraestrutura da produção de automóveis (e de outras indústrias em declínio) numa máquina militar de última geração. De acordo com um relatório publicado pelo Deutsche Bank, a Alemanha enfrenta “uma indústria de defesa muito pequena e um excesso de fábricas de automóveis vazias”. A ideia é encontrar uma solução que permita resolver os dois problemas de uma só vez.
Um relatório da Capital Economics já com alguns meses defende que a produção total de veículos da Alemanha diminuirá 20% na próxima década – depois de os líderes do setor se terem ‘distraído’ momentaneamente, esquecendo de apontar a investigação e desenvolvimento alemães para as novas tecnologias (a mobilidade elétrica em vez dos motores de explosão interna). A feroz concorrência chinesa, a menor procura no gigante asiático e o aumento dos custos laborais em solo nacional na Alemanha – a que se juntam agora as novas tarifas avançadas por Donald Trump – conduziram a uma ‘tempestade perfeita’.
Em 2023, as vendas das grandes empresas alemãs de defesa representaram apenas 0,2% do PIB. Em contrapartida, a indústria automóvel representava 5% e empregava dez vezes mais pessoas. No entanto, a produção de automóveis caiu 31% desde o seu pico em 2011, deixando as fábricas a operar a 25% da capacidade, com 100 mil empregos em risco e uma conta de reestruturação de até 10 mil milhões de euros, reporta o jornal ‘El Economista’.
O Deutsche Bank estima que a conversão de parte dessa capacidade para o setor de defesa poderia reduzir significativamente os custos desse ajuste, ao mesmo tempo em que responde a uma necessidade urgente: rearmar a Alemanha e fortalecer a sua autonomia estratégica. “A procura parece destinada a crescer”, apontam os analistas citados pelo jornal.
A mudança constitucional aprovada nas últimas semanas, que permite empréstimos ilimitados para gastos com defesa além de 1% do PIB, foi uma mudança com os gastos a poderem chegar aos 3,5% do PIB até 2028, significa mais de 170 mil milhões de euros adicionais em apenas três anos. Um novo governo de coligação entre conservadores e social-democratas com o compromisso de fazer “o que for preciso” para proteger a paz lançou as bases para essa transformação.
Os resultados não tardaram a surgir. A gigante da defesa Rheinmetall (uma das maiores empresas europeias do setor) planeja quintuplicar a faturação para 50 mil milhões de euros em cinco anos e contratar mais oito mil pessoas – entre elas 900 trabalhadores de uma fábrica de autopeças da Continental, que está a fechar. A própria Continental planeia converter as suas fábricas em Berlim e Neuss, onde fabricava peças para empresas automobilísticas e de energia, em fábricas de armas e munições.
Uma fábrica da Alstom na Saxónia, que anteriormente fabricava comboios, foi adquirida pela fabricante franco-alemã de tanques KNDS e começará a produzir tanques ainda este ano, concluindo a conversão total da fábrica em 2027. A KNDS quer manter cerca de metade dos 700 funcionários da Alstom, que ali passarão a produzir componentes e módulos para os seus tanques Leopard 2 e os veículos blindados Puma e Boxer.
A Hensoldt, fabricante estatal de sensores e radares, está em negociações para contratar equipas de engenheiros de software da Continental e da Bosch: com os radares de alto desempenho da Hensoldt, usados na defesa aérea da Ucrânia, na linha da frente, não se avizinham dias difíceis para a empresa.
A fornecedora de automóveis ZF Friedrichshafen, que está no meio de um processo de reestruturação que pode levar ao fecho de fábricas na Alemanha, está em contato com empresas de defesa para transferir trabalhadores.
A reconversão, no entanto, não será fácil. “Transformar uma fábrica de automóveis numa fábrica de blindados leva de dois a três anos”, afirma o relatório do banco. Para superar esses obstáculos, o Deutsche Bank recomenda reformas estruturais, como uma maior flexibilidade do trabalho, incentivos para empresas de transferência de pessoal e verificações de segurança simplificadas. Mas, difícil ou não, o movimento já começou.
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