“Tentámos a todo o custo até à última hora evitar a criação de eleições antecipadas” mas o PS foi “irredutível”. Foi assim que Luís Montenegro resumiu as cinco horas de debate da moção de confiança ao Governo, que acabou por ser chumbada, sem surpresas, apesar do suspense criado pelo PSD com as sucessivas propostas feitas ao PS. Rejeitada a confiança ao Executivo, o Presidente da República convocou os partidos políticos para reuniões no Palácio de Belém esta quarta-feira, a partir das 11 horas, e o Conselho de Estado para o dia seguinte, quinta-feira. O Governo fica agora em gestão, limitado aos atos estritamente necessários ou inadiáveis à continuação da sua atividade.
Ao longo do intenso e longo debate no Parlamento, o primeiro-ministro foi subindo a ‘parada’ ao admitir, em vários momentos, retirar a moção de confiança, primeiro se Pedro Nuno Santos dissesse que informações queria sobre a empresa Spinumviva, quando e em que prazo. Na resposta, o secretário-geral do PS argumentou que as suas dúvidas já estavam expressas na comissão parlamentar de inquérito (CPI), bem como o seu âmbito e prazo (90 dias), e devolveu o desafio, “Peço, apelo: retire a moção e aceite a CPI.” Uma troca de apelos que seria constante até ao derradeiro desfecho.
O suspense foi crescendo com o PSD a pedir a suspensão dos trabalhos para Luís Montenegro se reunir com Pedro Nuno Santos. Mais uma vez, o PS rejeitou, com o argumento de que o primeiro-ministro queria fugir aos esclarecimentos públicos tentando uma “comissão privada de inquérito”. Do lado do Governo foram surgindo propostas e contra propostas, mantendo em aberto, até ao fim, a retirada da moção de confiança. Houve até uma interrupção de uma hora, pedida pelo CDS.
Os sociais-democratas tentaram reduzir o tempo da comissão parlamentar de inquérito, cujo requerimento deu entrada no Parlamento na segunda-feira, em troca da retirada da moção. Sem sucesso. O PS foi dizendo não aceitar “farsas” e “negociatas”. E tal como já estava pré-anunciado, a moção de confiança foi rejeitada com os votos contra de toda a oposição, exceção feita à bancada dos liberais que, apesar das críticas, deram a mão à Aliança Democrática (PSD/CDS).
À saída do debate, Pedro Nuno Santos lamentou aquilo que aconteceu no Parlamento durante a tarde. “Foi uma vergonha. Foram manobras, foram jogos, foram truques”, considerou o líder socialista, aludindo à negociação que Luís Montenegro quis protagonizar em plena discussão da moção de confiança. “É inaceitável. A verdade não tem tempo”, sustentou Pedro Nuno Santos. “É muito importante que não nos esqueçamos que aquilo que estava em discussão na Assembleia da República era uma moção de confiança, não era uma comissão parlamentar de inquérito”, argumentou.
Montenegro montou um “teatro”
Pedro Nuno Santos arrancou a intervenção no debate da moção de confiança constatando que o primeiro-ministro “está zangado” mas que Luís Montenegro “só se pode queixar de si próprio”. “Esta crise é da exclusiva reponsabilidade do primeiro-ministro”, atirou o líder socialista.
Pedro Nuno Santos assinalou que o PS deu “todas as condições” ao Governo da AD para que pudesse governar, desde o dia 10 de março, dia em que PSD/CDS venceram as eleições legislativas. “Chumbamos a moção de rejeição do seu programa de Governo; viabilizamos a eleição do Presidente da Assembleia da República; viabilizamos um Orçamento do Estado e chumbamos duas moções de censura”, enumerou.
Repetindo o que tem dito diariamente, o secretário-geral do PS lembrou que o PS sempre disse que nunca aceitaria votar favoravelmente uma moção de confiança. “As circunstâncias mudaram”, reconheceu Pedro Nuno, dizendo logo de seguida: “Mudaram para pior”. “Se votávamos contra uma moção de confiança em janeiro, hoje infelizmente temos muito mais razões para a chumbar”.
Pedro Nuno Santos argumentou ainda que, basta ler o texto da moção, ou ouvir a intervenção do primeiro-ministro no debate, para “perceber que não é intenção” de Luís Montenegro ter a viabilização de qualquer partido da Assembleia da República. “O único objetivo é ir para eleições antes de uma comissão parlamentar de inquérito”, acusou, desafiando também o primeiro-ministro: “Se não quer ir a eleições, retire a moção de confiança. Já sabe qual é o âmbito e o objeto daquilo que queremos saber, o requerimento (da CPI) já foi entregue. A solução é retirar a moção de confiança e aceitar a CPI”.
O líder do PS acusou ainda Montenegro de ter “montado um teatro” e de ter “arrastado” todo o seu Governo. “E agora que arrastar o país consigo com esta crise política”.
Pedro Nuno Santos passou depois ao ataque abordando a empresa que motivou a crise política. “Há quem diga que o primeiro-ministro tem direito a ter empresas, o problema é que a empresa do primeiro-ministro não é como a maioria esmagadora das empresas em Portugal”, disse Pedro Nuno, notando que “a vida de um empresário” em Portugal é difícil – “trabalha de sol a sol para conseguir encomendas e clientes que lhes permitam pagar salários, impostos e Segurança Social”.
Já a Spinumviva, empresa que o primeiro-ministro criou dois anos antes de ser eleito presidente do PSD, suscita “dúvidas” sobre como consegue negócios. Um desses negócios, exemplificou Pedro Nuno, aconteceu em 2022, quando a empresa de Luís Montenegro “recebeu de um empresário ligado ao PSD, ou próximo do PSD, 238 mil euros para pagar uma reestruturação. Estamos a falar de uma empresa com margem de lucro reduzida (…) Por esse valor, a empresa podia ter contratado a Deloitte ou outra. Contratou um advogado que não tem nem experiência nem histórico no currículo de reestruturação de empresas ou conhecimento de gasolineiras”. A CPI é, por isso, “fundamental” para “dissipar qualquer dúvida, qualquer suspeita” que recaia sobre o primeiro-ministro.
Estratégia: colar PS à extrema-direita
Antes, já Luís Montenegro tinha carregado na pressão ao PS, colocando os socialistas à extrema-direita. “A votação de hoje [terça-feira] definirá o rumo político do país. A posição do PS é decisiva e definirá se vamos ou não ter eleições. Quando na Alemanha os socialistas aceitam um governo democrático para fazer frente à extrema-direita, veremos se em Portugal os socialistas se coligam com a extrema-direita para derrubar um governo democrático”, disse, assinalando que o seu Governo não pode “prescindir da confiança institucional” e só com a validação da moção de confiança é possível “evitar a degradação política para um patamar indigno”.
Luís Montenegro voltou a garantir também, depois de o ter feito na véspera na entrevista à TVI/CNN, que não praticou “qualquer crime” ou “falha aos deveres de função” de primeiro-ministro, “nem há nas oposições prova de um único caso contrário que ateste o contrário”.
“Estou, como sempre estive, disponível para esclarecimentos adicionais, respondendo a requerimentos adicionais, e à comissão parlamentar de inquérito que este Parlamento vier a constituir. Estarei disponível para responder se for necessário à Procuradoria-Geral da República e à Entidade da Transparência. Não temo o esclarecimento nem o escrutínio. Quem não deve, não teme, e eu tenho a minha consciência absolutamente tranquila”, declarou o chefe do Governo.
Prosseguindo no discurso, e depois de ter elencado os feitos da sua governação, Luís Montenegro frisou que “uma falsidade repetida não se torna numa verdade, mas contamina o ambiente político e cria um clima artificial de desgaste e de suspeição sobre o Governo”, concluindo: “É disto que se alimenta o populismo e é com isto que se degrada a política”.
“Isso não nos surpreende no Chega, que tudo tem feito para desviar as atenções dos seus próprios problemas. Do seu líder conhecemos o estilo, dispara primeiro e pergunta depois, por isso nunca acerta”, apontou o primeiro-ministro, adoptando a estratégia de colar os socialistas à extrema-direita. “Este ano andou de mãos dadas com o PS com o qual votou contra uma maior redução dos impostos para a classe média ou a criação de uma polícia de fronteiras para combater a imigração em Portugal”.
“Hoje”, continuou, o Chega “ficará na história por se unir à esquerda para deitar abaixo um governo de centro-direita”.
Depois de ter colado o PS à extrema-direita, e vice-versa, o primeiro-ministro vincou que da esquerda “mais extremista e radical” não tem “ilusões” devido ao conhecido “preconceito ideológico”. Mas voltaria depois a atacar o principal alvo, o PS: “O que nos choca e lamentamos profundamente é a postura do maior partido da oposição. Não resistiu a fomentar a desconfiança, a insinuação, e até a acusação”. Luís Montenegro sustentou que se os socialistas quisessem mesmo o escrutínio, teriam “apresentado um requerimento com as suas perguntas. Não o fez”.
“Sabem que exerci as funções em exclusividade. E ninguém me pode acusar com fundamento de um único caso de violação de normas de conflitos de interesses, mas o que o PS quer é manter a suspeição em lume brando. O PS não olha a meios para promover um desgaste lento à procura de tirar proveitos políticos para si mais à frente”, disse.
Montenegro lamentou que Pedro Nuno Santos tenha tido o “descaramento” de dizer que tivemos um primeiro-ministro avençado (pelo facto de a empresa Spinumviva recebido uma avença mensal da Solverde). “Isto não é sério, é chicana política, isto é populismo. Isto é a adesão do PS às fakenews“, atirou ainda o primeiro-ministro. “Já sabíamos que o PS votava com o Chega, agora usa também as mesmas táticas políticas”, acusou.
Para Luís Montenegro, “o comportamento do PS não é digno da história do partido, nem é digno de uma relação leal entre os grandes partidos portugueses”.
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