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Diferendo de 166 milhões entre Novo Banco e Fundo de Resolução acabará no Tribunal Arbitral (com áudio)

O conflito entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco é um conflito entre as regras prudenciais e as regras contabilísticas. O resultado será: o Fundo injeta para já apenas 432,2 milhões; o Novo Banco tem os seus lucros este ano e o impacto dos 166 milhões de euros fica adiado para depois da decisão do Tribunal Arbitral.
6 Abril 2021, 07h45

A concretização da venda do Novo Banco Espanha ao Abanca ajuda à capitalização do banco liderado por António Ramalho. Porquê? Porque saindo o ativo do balanço baixam os ativos ponderados pelo risco (RWA). Razão pela qual, no comunicado de venda da operação em Espanha, o Novo Banco diz que haverá um incremento da posição de capital em cerca de 55 pontos base no Common Equity Tier 1 ratio (esperado).

No entanto esta venda não resolve o diferendo entre o Novo Banco e o Fundo de Resolução provocado pelas perdas de 166 milhões de euros com a subsidiária em Espanha e registadas nas contas de 2020 que provocaram uma chamada de capital de 598,3 milhões de euros.

Este diferendo, segundo várias fontes, irá mesmo ser dirimido em Tribunal Arbitral. Se o Novo Banco ganhar, o Fundo de Resolução terá, nessa altura de injetar os 166 milhões de euros. Se o banco perder esse valor terá de ser assumido pela instituição financeira como uma perda. Mas só depois da decisão do tribunal.

O que é certo é que o Novo Banco não vai pôr nas contas de 2021 estas perdas que foi obrigado a registar com o Novo Banco Espanha.

António Ramalho passou a Páscoa a fechar a venda da subsidiária em Espanha ao Abanca e esta operação alivia os rácios de capital em 2021, por causa da redução dos activos ponderados pelo risco. Mas não alivia a perda registada em Balanço nas contas de 2020.

Isto é, o impacto positivo esperado no rácio de capital CET1 anunciado pelo banco (+55 pontos base) não quer dizer que a venda do Novo Banco Espanha tenha sido feita com lucro para o banco. Na verdade, há mesmo a possibilidade de as perdas serem acima dos 166 milhões de euros já registados em 2020, dependendo do tempo que demorar a ser feito o closing da venda.

O Jornal Económico apurou que no contrato de venda há uma margem reduzida de variação do preço em função da rapidez do fecho da operação. Se for rápido até pode ter um impacto marginalmente positivo, se demorar muito pode ter um impacto marginal negativo.  Isto explica que no comunicado o Novo Banco tenha dito apenas que a venda terá “um impacto marginal no resultado líquido de 2021”, sem adiantar se é um impacto negativo ou positivo.

Porque é que há uma perda de 166 milhões e porque é que o Fundo de Resolução não gosta desta operação de venda de um dos ativos que não está coberto pelo Mecanismo de Capitalização Contingente, mas que afetou a última chamada de capital?

O que se passa é que o Novo Banco vendeu a globalidade do ex-BES Espanha por um valor (não anunciado) mas que rondará os 166 milhões de euros. Esta era a melhor proposta e foi esta que serviu de referência, para, nas contas de 2020, o Novo Banco registar perdas que o Fundo de Resolução contesta.

As regras do IFRS 5 estipulam que, numa operação em descontinuação, o valor das propostas de compra (mesmo antes da venda) devem imediatamente ser refletidas no valor do ativo. Logo, assim que o processo de venda, desencadeado em maio, se traduziu em propostas, a contabilidade obrigou a refletir o valor das ofertas no valor do ativo. Resultado: uma perda a registar de 166 milhões de euros.

O Novo Banco já tinha feito uma avaliação da operação em Espanha quando passou a subsidiária para “operação em descontinuação”, que é uma forma de contabilizar subsidiárias que são para saírem do Balanço. Mas essa reavaliação teve de ser ajustada ao valor das propostas.

O diferendo entre o Novo Banco e o Fundo de Resolução resume-se a um conflito entre uma regra contabilística e as regras prudenciais. Portanto o Tribunal Arbitral será chamado a decidir.

Segundo o Novo Banco a venda é consistente com o plano estratégico executado de forma a cumprir com os compromissos definidos para 2021, assumidos pelo Estado Português perante a Comissão Europeia em 2017 no contexto da venda de 75% do capital social do banco à Lone Star. A transação irá melhorar o rácio de eficiência (Cost-to-Income) e a rentabilidade dos capitais próprios, diz o banco.

O banco diz ainda que esta venda terá um incremento da posição de capital em cerca de 55 bps no Common Equity Tier 1 ratio (esperado) e um impacto positivo nos rácios de liquidez (LCR e NSFR).

Mas esta melhoria só se refletirá em 2021, ao passo que as perdas foram essencialmente registadas em 2020. É que aqui que reside o desagrado do Fundo de Resolução e do Ministro das Finanças João Leão.

O problema é que o impacto negativo nas contas e consequentemente nos rácios de capital se faz em 2020, quando o Fundo de Resolução é chamado a responder pelos gaps de capital face ao mínimo estipulado no Acordo de Capitalização Contingente.

Mas o impacto positivo no rácio de capital só se faz em 2021, com a venda. Pois, apesar de ter sido registado em “operação em descontinuação”, enquanto o ativo continuar no balanço este pesa no capital, pelo que a venda baixa os ativos ponderados pelo risco (RWA) e por isso é uma boa notícia para os rácios prudenciais do banco.

O Jornal de Negócios, referia na sua edição de segunda-feira, que o Fundo de Resolução defende que o facto de o Novo Banco levar as perdas às contas de 2020, antes de a venda do Novo Banco Espanha estar concluída, criou “uma chamada de capital desnecessária”. Pois, as menos-valias que estão a ser imputadas ao CCA (mecanismo de capitalização contingente) têm por base as propostas de compra que o banco recebeu pela sucursal espanhola, face ao valor pelo qual o ativo estava registado no balanço.

Ora, defende o Fundo de Resolução, segundo o Negócios, que se o banco tivesse iniciado e concluído a venda da sucursal em Espanha no mesmo exercício, as perdas seriam menores, porque a saída do ativo do balanço do Novo Banco libertaria, por si só, capital (o que aliás foi admitido no comunicado de venda). Assim se as perdas e a venda fossem feita no mesmo exercício (o que não aconteceu) o impacto das menos-valias seria quase nulo, não onerando o mecanismo de capital contingente. Sendo o registo de perdas em 2020 e a venda só efetuada em 2021 a operação é vista pela tutela e pelo Fundo de Resolução, segundo o Negócios, como tendo como efeito maximizar a chamada de capital público.

Para o Fundo de Resolução, ainda segundo o Negócios, há também dúvidas sobre se o processo de alienação de um ativo que estava fora das lista de vendas obrigatórias imposta por Bruxelas numa altura de pandemia era o mais aconselhável.

A retirada do balanço da sucursal em 2021 tem um efeito positivo, já que existe libertação de capital, o que ajudará a administração no resultado de 2021 que António Ramalho já admitiu que será de lucros desde o primeiro trimestre.

Obviamente que as contas de 2020 estão fechadas, auditadas, e re-auditadas, pelo que as contas são aquelas que foram anunciadas e não vão mudar.

Tal como explicou o CEO do Novo Banco na conferência de imprensa dos resultados anuais, a contabilização das imparidades para a subsidiária em Espanha foi feita “de acordo com as regras do IFRS 5”, as quais determinam que os valores das ofertas se refletem diretamente nas contas numa operação classificada como em descontinuação e que está em processo de venda. “Portanto, feita uma análise às várias propostas existentes em relação à possibilidade de venda, total e parcial, da operação em Espanha, o melhor dos valores foi 166 milhões e foi esse valor que registámos”, disse António Ramalho.

A EY certificou as contas, mas para um conjunto de importantes processos (mais concretamente 18) o Novo Banco teve a auditora PwC a fazer o quality assurance, isto é, o controle dos processos de avaliação ou determinação da imparidade.

“O valor solicitado ao Fundo de Resolução são 598 milhões de euros, que foram determinados pela diferença entre o capital existente e o rácio de capital previsto no contrato”, que é um rácio de CET1 de 12%, disse na conferência de imprensa dos resultados anuais, o CEO do Novo Banco.

A chamada de capital é uma questão de rácios prudenciais.

Na conferência de imprensa onde o Novo Banco reportou prejuízos de 1.329,3 milhões de euros, António Ramalho explicou que “havendo ainda dúvidas sobre a elegibilidade do montante de 166 milhões de euros. O Novo Banco, por “prudência”, decidiu não reconhecer o impacto destes 166 milhões nos seus rácios de capital. Portanto, com a sua inclusão, o rácio fica nos 12%. Mas sem este montante, o principal rácio de capital CET1 fecha 2020 nos 11,3%.

Questionado sobre se pode operar com rácio de CET1 abaixo dos 12%, o CEO lembrou que o banco beneficia da flexibilização temporária dos requisitos de capital concedida pelo BCE.

Portanto o Fundo de Resolução vai concluir que só vai transferir este ano, por conta das contas de 2020, os 432,3 milhões de euros (sem contar com as imparidades para a subsidiária espanhola), e o Novo Banco vai levar o assunto ao Tribunal Arbitral, que quando decidir pode obrigar o Fundo de Resolução a pagar esses 166 milhões, ou não.

Para já o Novo Banco vai operar com um rácio de capita CET1 de 11,3% até à decisão do tribunal.

Mas uma coisa é certa, as perdas de Espanha não vão afectar o objectivo do Novo Banco de registar lucro em 2021, e que foi assumido pelo CEO do banco.

Venda de Espanha é a derradeira operação que marca a viragem para o foco em Portugal

Com a venda da sucursal em Espanha a reestruturação do Novo Banco finda e passa a estar desenhado o modelo de crescimento e de rentabilidade apenas assente na atividade doméstica.

Tal como é referido no comunicado desta segunda-feira, “esta transação representa mais um marco relevante no processo de desinvestimento de ativos e operações não-core, nomeadamente contribuindo para uma redução da complexidade da estrutura e dos custos e permitindo ao Novo Banco prosseguir a sua estratégia de reafectação de recursos à atividade bancária em Portugal”.

“De facto, a venda da operação em Espanha procura centrar o Novo Banco no crescimento e no suporte à economia na recuperação pós crise. Mais que abandonar Espanha este movimento é uma aposta muito séria em Portugal”, assume o banco.

O Novo Banco lembra que se trata da venda de uma operação que nos últimos 10 anos teve nove anos de contínuo prejuízo.

O prejuízo acumulado até 2020 durante estes anos foi superior a 65 milhões de euros por ano. Pelo que a sua venda permitirá ao Novo Banco melhorar definitivamente os seus resultados em Portugal e reduzir os custos operacionais sem afetar a sua capacidade (e quadro de pessoal) em Portugal.

A decisão de sair de Espanha é uma decisão estratégica do Novo Banco mas que permitirá ajudar ao cumprimento do compromisso de viabilidade previsto no acordo com a Comissão Europeia.

A venda do Novo Banco Espanha foi iniciada em maio de 2020 e concretizada este ano tendo como referência base o balanço de setembro ajustado ao fim do ano e não terá efeitos relevantes em 2021 na conta de exploração do banco liderado por António Ramalho.

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