[weglot_switcher]

Direito do Estado entrar no Novo Banco passa de 6,5% para 10,3% em 2018

Esta posição resulta da conversão dos ativos por impostos diferidos, elegíveis para capital, em créditos tributários e vai diluir o Fundo de Resolução que tem 25%.
  • Cristina Bernardo
5 Setembro 2019, 15h46

“Estima-se que os direitos de conversão a serem emitidos e atribuídos ao Estado na sequência dos resultados líquidos negativos dos exercícios compreendidos entre 2015 e 2018 lhe confiram uma participação até cerca de 10,3% do capital social do Novo Banco”, revela o relatório e contas do primeiro semestre de 2019, publicado ontem quarta-feira, 5 de setembro.

A informação do relatório e contas foi detetada pelo Expresso, e na prática traduz que o Estado, através do Tesouro, terá direito a uma participação no capital por conta da conversão de ativos por impostos diferidos elegíveis para capital em créditos tributários, tal como está previsto no regime especial dos ativos por impostos diferidos. Portanto passa de 6,5% em 2017 para 10,3%, com base nos resultados de 2018.

Tal como o Jornal Económico já noticiou, é o Fundo de Resolução que tem a responsabilidade exclusiva de ressarcir o Estado na conversão dos créditos fiscais em ações do Novo Banco, no âmbito do Regime Especial Aplicável aos Ativos por Impostos Diferidos (REAID). Tudo porque o contrato de venda do Novo Banco à Lone Star, assinado em outubro de 2017, prevê expressamente que é o Fundo de Resolução que tem a responsabilidade de lidar com a questão dos ativos por impostos diferidos (DTA – Deferred Tax Asset) que estão protegidos pelo Estado e que lhe dão, em compensação, o direito de entrar no capital dos bancos que tenham tido prejuízos nas contas individuais.

Isto significa que a entrada do Estado no capital do Novo Banco, por força do REAID, só dilui a participação do Fundo de Resolução e não a da Lone Star, que se manterá com 75%, por causa do que está definido no contrato de venda do banco.

“Do ponto de vista dos interesses dos contribuintes a solução é neutra”, disse na altura ao JE uma fonte ligada ao processo. Mas não é neutro para o sistema bancário porque a participação do Fundo de Resolução no Novo Banco fica diminuída.

Segundo os cálculos publicados pelo “Expresso”, no total estima-se que os direitos de conversão a serem emitidos e atribuídos ao Estado na sequência dos resultados líquidos negativos dos exercícios de 2015, 2016 e 2017 lhe confiram uma participação até cerca de 6,5% do capital social do Novo Banco. Posição essa que com os resultados de 2018 passa para 10,3%.

Para acomodar esta conversão dos créditos fiscais em ações, o Fundo de Resolução reduz a atual participação de 25% em favor do Estado. Em alternativa o Fundo poderia comprar os direitos de conversão ao Estado, mas o JE sabe que não o vai fazer. Portanto a alternativa será mesmo reduzir a atual participação na devida proporção em favor do Estado.

Os direitos de conversão são valores mobiliários que conferem ao Estado o direito de exigir ao banco o respetivo aumento de capital social, através da incorporação do montante da reserva especial e da consequente emissão e entrega gratuita de ações ordinárias. Sendo que a reserva especial deve ser constituída no mesmo montante do crédito tributário apurado, majorado em 10%, destinando-se a ser incorporada no capital social do banco.

Todos os bancos que em 2014 aderiram ao regime especial dos ativos por impostos diferidos, que criou uma categoria especial de DTA não dependentes de rendibilidade futura e elegíveis para efeitos de fundos próprios de nível 1, estão sujeitos à conversão obrigatória em créditos fiscais, o que implica que os bancos que recebam esses créditos tenham de criar depósitos a favor do Estado junto do IGCP, no montante do crédito tributário acrescido de 10%. Ora, o Novo Banco não constituiu essa reserva, confirmou o JE, porque o contrato de venda aos norte-americanos da Lone Star estipula que essa obrigação fica confinada ao Fundo de Resolução. O Novo Banco enviou mesmo para as Finanças a justificação formal da não constituição de um depósito a favor do Estado no valor de 110% do crédito tributário gerado. A instituição financeira juntou na documentação pareceres jurídicos que sustentam que o banco liderado por António Ramalho não está abrangido por aquela obrigação legal. A argumentação apresentada está em análise pela Direção Geral do Tesouro.

Até ao momento, dos quatro bancos – CGD, Novo Banco, Haitong e Efisa, que, tendo aderido ao regime especial dos ativos por impostos diferidos em 2014, já pediram créditos fiscais ao Estado, só um deles constituiu o depósito a favor do Estado no IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.

Nova lei acelera os direitos de conversão do Estado

Se antes a lei previa que o Estado, a favor do qual foram constituídos os direitos de conversão da reserva especial em capital daqueles bancos, podia exercer efetivamente esses direitos potestativos de aquisições de ações [emitidas no âmbito de um aumento de capital por incorporação das reservas criadas especialmente para os DTA] a um ritmo mínimo de 20% do valor total concedido por ano, num limite de 10 anos. Com a nova lei, esse prazo passa para três anos. Logo o limite é agora 2021, dependendo do momento em que é feito o pedido ao Estado e em que é dada a aprovação pela Autoridade Tributária (AT). Isto porque a AT tem de reconhecer os créditos fiscais através de inspeção, que por lei deve ser feita três meses após a entrega periódica de rendimentos.

A conversão ocorre três anos após a confirmação final dos créditos por parte da Autoridade Tributária. Segundo o calendário definido devido a uma alteração legislativa ao regime especial, a entrada tem de ocorrer em três anos – e não em dez, como estava definido inicialmente. Ou seja, o tema terá lugar em 2021 e refere-se apenas à posição atribuível ao Estado no Novo Banco por conta do exercício de 2015 e que é de 3,2%. Uma vez que a confirmação do Fisco em relação àquele exercício de 2015 foi em 2018.

A alteração do regime especial dos DTA, que está para publicação, antecipa assim a conversão dos créditos fiscais em ações dos bancos.

A conversão dos DTA em crédito tributário é acionada em caso de resultado líquido negativo (nas contas individuais) ou dissolução da instituição. Ora, o Novo Banco teve prejuízos individuais todos os anos desde 2015 e é por isso um dos bancos que cabe na situação de conversão obrigatória dos DTA em créditos fiscais. O resultado líquido negativo individual apurado no exercício de 2015 (-1,1 mil milhões de euros) implicou já em 2016 a conversão dos DTA elegíveis em créditos tributários e a obrigação da constituição simultânea de uma reserva especial e de direitos de conversão em ações representativas do capital atribuíveis ao Estado, segundo o relatório e contas do banco. No exercício de 2016 o banco teve prejuízos individuais de 744,7 milhões (950,7 milhões antes de impostos). Ainda de acordo com as demonstrações financeiras em base individual, o Novo Banco apresentou, em 2017, resultados líquidos negativos no valor de 2,16 mil milhões (antes de impostos, registou prejuízos de 1,72 mil milhões). Em 2018 o banco registou resultados líquidos negativos no valor de 1,4 mil milhões (antes de impostos registou prejuízos de 772 milhões).

Em 2018 o Estado pagou ao Novo Banco 154 milhões por DTA e, segundo o Tribunal de Contas, havia mais pedidos de seis bancos no valor de 632 milhões de euros. Até ao fim do primeiro trimestre deste ano o Estado tinha devolvido 260 milhões a dois bancos: 220 milhões ao Novo Banco e 38,8 milhões ao Haitong Bank. A conversão dos ativos por impostos diferidos elegíveis em créditos tributários é em função da proporção do resultado líquido anual dos capitais próprios a nível individual.

Os ativos por impostos diferidos resultam das diferenças temporárias entre os resultados contabilísticos e os resultados fiscalmente aceites para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRC). São diferenças temporárias resultantes da não dedução de perdas em imparidades no crédito e de benefícios pós-emprego ou a longo prazo de empregados. Trata-se apenas de um desfasamento temporário na cobrança da receita fiscal. Os ativos por impostos diferidos são reconhecidos quando é provável a existência de lucros tributáveis futuros que absorvam as diferenças temporárias dedutíveis para efeitos fiscais (incluindo prejuízos fiscais reportáveis). Ora, os DTA elegíveis não dependem da existência de lucros tributáveis futuros e nunca passam a prejuízo fiscal reportável porque não há limite temporal para absorver esses impostos diferidos. São dedutíveis fiscalmente até ao limite que torna nulo o lucro fiscal, com a garantia de que o remanescente permanece no balanço os anos suficientes até ser deduzido integralmente em períodos futuros.

O que torna os DTA elegíveis para capital dos bancos é o facto de serem independentes da rendibilidade futura da instituição. Este regime especial foi criado com o objetivo extrafiscal de reduzir as necessidades de capitalização dos bancos em face das regras de apuramento dos rácios “core Tier 1” previstas no acordo de capital Basileia III, que entraram em vigor a 1 de janeiro de 2014 – as quais obrigavam os bancos a deduzir aos seus fundos próprios os créditos fiscais que dependessem da existência de lucros futuros. Os DTA elegíveis referem-se ao stock de imparidades até ao final do ano de 2015, tendo este regime sido encerrado no final deste ano.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.