As ameaças tarifárias do presidente Donald Trump sobre as exportações brasileiras, anunciadas recentemente para serem aplicadas a partir de 1º de agosto, representam um cenário preocupante para a economia brasileira. As tarifas de 50% sobre praticamente todos os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos, além da abertura de uma investigação da Seção 301 contra práticas comerciais supostamente desleais do Brasil, colocam em risco setores-chave da indústria nacional e desafiam cadeias produtivas altamente integradas.
O anúncio não chega a ser surpreendente. Desde o início do seu segundo mandato, Trump tem recorrido frequentemente à aplicação de tarifas elevadas e medidas comerciais imprevisíveis. Ameaças anunciadas foram posteriormente revogadas. Até aliados tradicionais, como Canadá, México e Japão, sofreram medidas semelhantes e ameaças ainda maiores. Apesar da menor dependência do mercado norte-americano, para o Brasil o impacto económico ainda pode ser grave devido à diversidade de suas exportações.
Cerca de 11% das exportações brasileiras são destinadas aos Estados Unidos. Entre os setores diretamente ameaçados estão aço, alumínio, metais em geral, autopeças, máquinas agrícolas, produtos químicos, porcelanato e produtos agroindustriais como café, tabaco e sumo de laranja. Alguns destes setores têm o mercado dos EUA como principal comprador internacional. Embora muitas commodities minerais e produtos petroquímicos estejam atualmente excluídos das tarifas trumpistas, setores industriais com cadeias produtivas integradas serão severamente afetados. É o caso das autopeças: componentes específicos certificados para fabricantes norte-americanos dificilmente encontram substituição imediata noutros mercados internacionais.
Se de facto ocorrerem, a imposição dessas tarifas gerará uma série de consequências económicas negativas para o Brasil. No curto prazo, haveria um aumento significativo no custo das exportações brasileiras para o mercado norte-americano, levando à perda imediata de competitividade. Muitas empresas nacionais, altamente dependentes deste mercado, enfrentariam desafios financeiros e operacionais importantes. No médio prazo, as empresas brasileiras terão que buscar alternativas de mercado, com consequências inevitáveis sobre receitas e investimentos já planeados. Algumas poderão transferir parte das suas operações para terceiros países, utilizando-os como plataformas intermediárias para alcançar o mercado americano, mas isso implica tempo e custos adicionais consideráveis. Outra possibilidade seria utilizar zonas especiais de importação (FTZs) nos próprios Estados Unidos, ou agregação local de valor, mecanismos que também requerem ajustes e investimentos adicionais das empresas brasileiras.
Análises recentes indicam que países submetidos a tarifas semelhantes por Trump podem sofrer queda no PIB entre 0,4% e 1% no período subsequente à aplicação das medidas. No caso brasileiro, embora menos dependente do mercado americano do que México ou Canadá, os danos podem alcançar até meio ponto percentual do PIB, dependendo da extensão das medidas e das alternativas de exportação disponíveis. Há ainda um impacto indireto significativo sobre o ambiente de negócios: os Estados Unidos são o maior investidor estrangeiro direto no Brasil, e empresas norte-americanas aqui instaladas podem suspender expansões ou novos investimentos diante da incerteza de acesso ao mercado dos EUA. Essa incerteza econômica prejudica não só o fluxo de investimentos futuros como também a confiança geral na estabilidade econômica brasileira. Seguramente, mercados alternativos serão buscados pelos exportadores, mas seus efeitos positivos surgirão apenas no médio e longo prazo.
Nos Estados Unidos, paradoxalmente, essas tarifas também prejudicam consumidores e empresas locais, particularmente as indústrias que dependem de peças e componentes brasileiros altamente especializados ou insumos industriais. Para certos produtos (como folhas metálicas), não há fornecedores alternativos suficientes, resultando em elevação de preços internos e pressão inflacionária sobre a economia norte-americana.
Os efeitos econômicos negativos, para as duas economias, ainda podem ser majorados por eventual retaliação. Aplicar a Lei de Reciprocidade contra serviços e propriedade intelectual dos EUA, embora única saída de impacto para o Brasil, pode prejudicar investimentos futuros e ainda provocar disputas judiciais intermináveis. A retaliação cruzada é uma ameaça considerável, mas é uma bomba atômica do comércio internacional, mais importante como ameaça do que em sua aplicação efetiva.
Em suma, caso as tarifas se confirmem, o Brasil enfrentará impactos económicos relevantes, aumento na incerteza sobre investimentos estrangeiros e dificuldades operacionais significativas em cadeias industriais complexas e integradas. Cabe ao governo brasileiro agir de maneira firme e pragmática para mitigar essas consequências e preservar os interesses econômicos e políticos nacionais. Ao mesmo tempo, é crucial que se reconheça a urgência de uma estratégia clara de diversificação comercial e de políticas industriais capazes de reduzir, no futuro, a vulnerabilidade do país a decisões externas abruptas e unilaterais como essas, protagonizadas reiteradamente pelo governo Trump.
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