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Do futebol (e de Braga) para a Fórmula Um. Fundo soberano do Qatar já gere mais de 486 mil milhões

O fundo soberano do Qatar detém uma participação de quase 30% na SAD do SC Braga e controla o PSG. Está presente noutros desportos e nos mais variados setores da sociedade, o que o coloca entre os oito fundos soberanos com maior volume financeiro de ativos sob gestão.
Mohammed Al Sowaidi
3 Dezembro 2024, 07h00

O Médio Oriente continua a expandir a influência que tem um pouco por todo o mundo e, na última semana, chegou à Fórmula Um. O investimento naquele desporto motorizado junta-se a outros alocados em desportos como o futebol, basquetebol e padel.

O fundo soberano do Qatar, detido pelo Estado daquele país, anunciou na sexta-feira a compra de uma participação minoritária “significativa”, que deverá rondar os 30%, na Sauber Holding AG, que compete em Fórmula 1. A partir de 2026, a mesma vai representar a insígnia da Audi.

O negócio permite-lhe atingir uma avaliação de mercado na ordem dos 510 mil milhões de dólares (486 mil milhões de euros, à taxa de câmbio atual). As contas são da Global SWF, que se especializa em analisar centenas de fundos soberanos por todo o mundo (a par de outras instituições, como bancos centrais). Aquela entidade coloca o QIA na 8ª posição do ranking de fundos soberanos.

Em comunicado, a mesma entidade esclareceu que na Fórmula 1 vê “expansão global contínua, maior envolvimento dos fãs e oportunidades de comercialização significativas”, ao mesmo tempo que mantém o foco em “investimentos com potencial de crescimento a longo prazo”, pode ler-se. Na mesma perspetiva, tem posições em vários outros desportos.

No caso do futebol, tem o controlo total do PSG desde 2011, com o objetivo de fazer do clube francês o mais bem-sucedido do futebol europeu. Mais tarde, o grupo entrou no futebol português. Em simultâneo, o grupo aproveita a marca daquele clube em academias de futebol e andebol por todo o território do Qatar, assim como vendas a retalho, através das redes sociais.

A 10 de outubro de 2022, a Qatar Investment Authority, através do Qatar Sports Investments (QSI), adquiriu 21,67% do capital social da Sporting Clube de Braga SAD. Um ano mais tarde, o grupo viria mesmo a expandir a sua participação para 29,6%. Na altura, o grupo sublinhou que a entrada na sociedade vai além da vertente financeira, com impacto no marketing e no scouting de atletas.

Em julho do ano passado, a QIA adquiriu uma participação de 5% na Monumental Sports, que detém as equipas profissionais de basquetebol e hóquei no gelo dos Washington Wizards. O investimento rondará os 200 milhões de dólares, de acordo com fontes que, à data, falaram ao Financial Times.

Em simultâneo, o QSI tem um papel fundamental num desporto que está a emergir de forma expressiva, um pouco por todo o mundo: o padel. O Premier Padel é o único circuito global da modalidade e foi lançado pela Federação Internacional de Padel juntamente com o QSI em 2022. No ano seguinte, o QSI comprou o World Padel Tour, circuito profissional internacional estreado em 2011.

Os investimentos, mesmo nos casos em que se destinam a participações minoritárias, representam fortes injeções de capital nas organizações, que permitem que estas cresçam no mercado. Este é, logicamente, um dos propósitos do grupo.

A visão estabelecida passa por aumentar o turismo no Qatar, assim como beneficiar de aumentos nas receitas da indústria desportiva, nomeadamente em reflexo de os direitos de transmissão ficarem cada vez mais caros. Numa altura em que são cada vez mais as plataformas digitais interessadas em apostar neste capítulo, a competição aumenta e os valores pagos seguem pelo mesmo caminho, um pouco por todo o mundo. De resto, no seu site, o fundo apresenta-se como um investidor “a longo prazo”.

A cereja no topo do bolo de todo o investimento teve lugar em 2022, no próprio Qatar, com a realização do Campeonato do Mundo de seleções. Em causa está uma das competições com maior visibilidade à escala global, mas não a única que teve lugar no Qatar nos últimos anos. Também a AFC Asian Cup foi realizada no Qatar, entre janeiro e fevereiro de 2024, a dar força à aposta não apenas no desporto externo, como no desporto interno.

Portfólio que abrange empresas dos mais variados países e setores

Um terço do portfólio da QIA corresponde a investimentos internos. Destacam-se o Qatar National Bank (maior volume de ativos na banca do Médio Oriente e África), assim como a empresa de telecomunicações Ooredoo. Ambas estão sediadas em Doha, capital e centro comercial do Qatar.

Fora dali, tem participações minoritárias em empresas e grupos dos mais diversos setores, um pouco por todo o mundo. É o caso de nomes como Enel, Iberdrola e Adani Green Energy (energia), Rolls-Royce SMR e grupo Volkswagen (automóvel), Credit Suisse (banca) e Canary Wharf Group (imobiliário).

Detém ainda participações noutros ativos, como é o caso do Aeroporto de Heathrow, nada mais nada menos do que o que regista maior movimento no continente europeu (4 milhões de passageiros em 2023). Soma-se a QuantumScape, que fabrica baterias para veículos elétricos, e a Ascend Elements, que fabrica materiais para aquelas baterias.

Está também presente na área dos pagamentos, com um investimento na britânica Checkout.com, que figura entre as fintechs líderes no continente europeu, além de ter liderado uma ronda de financiamento de 250 milhões de euros lançada pela Innovafeed, empresa especializada na produção de proteína à base de insetos, destinada a animais e plantas.

Em Portugal, os investimentos mais importantes do Qatar são participações na EDP e na Vinci Energies Portugal (via fundo soberano) e a estância “W Algarve”.

Líder visionário e inovador

Mohammed Al Sowaidi gere um dos maiores fundos soberanos do planeta, cuja principal missão é aumentar ainda mais o poder financeiro do fundo soberano do Qatar.

O Qatar é um país pequenino (oito vezes menor que Portugal) e pode ter tantos habitantes como a área metropolitana de Lisboa, pouco mais de dois milhões, mas o seu fundo soberano é um dos mais ricos do planeta, com uma carteira de investimentos ao redor do mundo. À frente do Qatar Investment Authority (QIA) está Mohammed Al Sowaidi, que substituiu no mês passado Mansour Ibrahim al-Mahmoud, que será o próximo ministro da Saúde deste Estado independente apenas desde 1971. Al Sowaidi tem a responsabilidade de supervisionar os investimentos do fundo soberano e definir a estratégia para garantir um crescimento a longo prazo. Sob sua liderança, o QIA realiza investimentos estratégicos em setores-chave como energias renováveis, imóveis, tecnologia, desporto, banca e imobiliário, além de procurar retornos financeiros estáveis e sustentáveis.

No Fórum Económico do Qatar, realizado em maio deste ano, o CEO sublinhou as prioridades do fundo soberano para os próximos anos. “Investimentos que são, na sua maioria, de longo prazo, e que podem valorizar-se com o tempo, sobretudo em áreas em que acreditamos: digitalização, descarbonização, sustentabilidade, inclusão e crescimento”. Al Sowaidi acrescentou ainda que, investindo como minoritário na maioria das vezes, “ter acionistas e partes interessadas com uma visão semelhante é muito importante”.

Al Sowaidi entrou no fundo soberano em 2010, sendo responsável pelas áreas tecnológica, media, telecomunicações, indústria e private equity. Antes de ser nomeado Chief Investment Officer (CIO), trabalhou como diretor de banca corporativa no Masraf Al-Rayan, onde se especializou nos setores governamentais e imobiliário. E foi ainda analista financeiro no ExxonMobil Treasury, que desenvolve e implementa políticas financeiras para as operações globais da gigante do petróleo.

Para o CEO, a atual globalização dos investimentos é um grande risco, mas também apresenta muitas oportunidades. “O importante é que todas as partes interessadas, incluindo a QIA, os decisores políticos e outros, estejam prontos para investir em inteligência artificial”, disse. Bastante discreto, pouco se sabe sobre a sua vida pessoal. A resiliência, a liderança e a visão estratégica e inovadora para os negócios são características amplamente reconhecidas. Possui um Global Executive MBA no Reino Unido e uma especialização em Estatística e Finanças pela Universidade do Missouri, nos Estados Unidos.

Sobre Elon Musk, ainda não se pronunciou – em 2022, o fundo financiou a compra do Twitter em 375 milhões de dólares (358 milhões de euros) – mas é reconhecida a proximidade de Al Sowaidi com o mundo corporativo norte-americano, fruto dos anos que trabalhou em Nova Iorque. Tal como o anterior CEO, Mansour Ibrahim al-Mahmoud, deverá continuar a elogiar as capacidades de liderança de Musk e nem lhe pedirá para escrever menos mensagens na rede social X.

A rivalidade com o Fundo Árabe

O Fundo Público de Investimento (PIF) da Arábia Saudita é um dos quatro maiores do mundo – tem ativos sob gestão no valor de 925 milhões de dólares (881 mil milhões de euros), investe de forma consecutiva no desporto desde 2021, ano em que comprou 80% do clube inglês Newcastle. Hoje em dia, é proprietário de quatro clubes sauditas: Al Nassr, Al Ittihad, Al Hilal e Al Ahli. O país organiza o grande prémio de Fórmula 1 em Jeddah e estabeleceram uma parceria com a Associação de Tenistas Profissionais (ATP). Além disso, o golfista espanhol Jon Rahm juntou-se à LIV Golf, a superliga saudita da modalidade, num contrato que terá rondado os 600 milhões de euros por quatro anos.

Também recentemente, o tenista Jannik Sinner venceu o espanhol Carlos Alcaraz e conquistou o “Six Kings Slam”, torneio de exibição na Arábia Saudita, levando para casa seis milhões de euros, o maior prémio na história do ténis. A entrada do PIF em várias modalidades desportivas pretende ser uma montra para um objetivo mais ambicioso – a organização do Mundial de 2034. Recentemente, a FIFA considerou que a candidatura da Arábia Saudita cumpre os requisitos necessários para receber a competição. “Tendo em conta os resultados da avaliação técnica, a candidatura da Arábia Saudita recebeu uma pontuação média de 4,2 em cinco”, pode ler-se no relatório. Com cinco cidades anfitriãs propostas, incluindo 15 estádios, o jogo de abertura e a final serão no futuro Estádio Internacional Rei Salman, a ser construído em Riade.

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