O Governo entregou na semana passada aos parceiros sociais o anteprojeto para a reforma da legislação laboral que mexe com mais de cem artigos do Código do Trabalho, entre os quais quatro referentes ao regime da parentalidade. Medidas que afetam os direitos das famílias e que “criaram muito ansiedade”, começa por apontar Marta Esteves, advogada e consultora de direitos parentais.
A eliminação das faltas por luto gestacional é uma das medidas inscritas no anteprojeto que está a gerar mais críticas, com a oposição a lamentar o “ataque às famílias” e o “retrocesso”. O atual regime foi introduzido em 2023 e permite que, nos casos em que não há lugar à licença por interrupção da gravidez, a trabalhadora falte ao trabalho até três dias e sem qualquer perda de remuneração, explica Marta Esteves. Essas faltas abrangem também o pai, a quem foi reconhecido pela primeira vez o direito ao luto gestacional.
Ao eliminarem-se estas faltas, como pretende o Governo, “retira-se o direito à mulher a faltar ao trabalho por perda gestacional, nos casos em que não há acesso a licença, porque para haver acesso a essa licença é necessário um atestado médico – o que nem sempre acontece, principalmente quando as perdas ocorrem numa fase muito inicial da gravidez, o que não invalida o luto da mãe – assim como se retira o direito ao luto do pai por perda gestacional”, conclui a advogada e consultora.
Face à chuva de críticas que a medida gerou, o executivo veio defender ser falso querer “acabar com o direito das mulheres a faltar ao trabalho em caso de luto gestacional”, pelo contrário, “todas as gestantes conservam e até aumentam os seus direitos”. O argumento é que quer a mãe, que poderá gozar a licença por interrupção da gravidez, quer o pai, por assistência à família, podem faltar mais do que os três dias que o luto gestacional prevê.
Acontece que, esclarece Marta Esteves, no caso do pai, “esses 15 dias já estão previstos atualmente na lei para assistência a membro do agregado familiar, sendo os 15 dias o limite máximo anual para qualquer situação de assistência ao agregado familiar e sem qualquer remuneração”, ao contrário dos três dias por luto gestacional, que correspondem a faltas remuneradas. Além disso, “a possibilidade de o pai faltar ao trabalho, fica diretamente ligada com a necessidade de a mulher precisar de assistência – caso contrário, o pai não terá direito a faltas”.
Quanto à amamentação, atualmente há direito à dispensa diária para efeitos de amamentação, durante todo o tempo que durar a amamentação. Com a reforma laboral proposta, o Governo quer limitar a sua duração aos dois anos do bebé. Isto é, clarifica a consultora, mesmo que o bebé seja amamentado para lá dessa idade, no dia em que completa os dois anos, a mãe deixa de ter direito à dispensa diária para efeitos de amamentação. Outra das alterações que o executivo quer levar a cabo prende-se com a exigência de um atestado médico a comprovar a amamentação desde o início, ao contrário do atualmente em vigor, que é apenas a partir do primeiro ano do bebé, renovado a cada seis meses.
O Governo pretende, também, limitar o direito ao horário flexível. No anteprojeto apresentado aos parceiros sociais na concertação social, explica a advogada, “passa a estar previsto que o horário solicitado pelo trabalhador é uma proposta e o horário será efetivamente elaborado pela entidade empregadora e, ainda, passa a estar previsto na Lei que essa proposta do trabalhador deverá ter em conta a organização dos horários existentes e horário de funcionamento da empresa, especialmente no que toca a trabalho prestado em horário noturno e aos fins de semana, o que se vai traduzir numa limitação aos pedidos de horário flexível para fixação dos turnos e/ou das folgas”.
O Governo quer também mexer no regime da licença parental inicial, mas para a advogada Marta Esteves, a forma como o executivo o quer fazer ainda não é clara. “A redação da proposta nesta parte está bastante confusa e até contraditória, por isso, para alguns pontos, o melhor é mesmo aguardar pela versão final e por esclarecimentos, para clarificar se a nova licença de 6 meses, paga a 100%, proposta pelo Governo obriga a que haja uma partilha do período facultativo de acréscimo de 60 dias (30 dias para a mãe e outros 30 para o pai) ou se, para que haja acesso esta licença, terá de ser uma partilha efetiva de toda a licença e, portanto, 90 dias para a mãe e outros 90 dias para o pai, perfazendo assim os 180 dias de licença”,
A consultora de direitos parentais enfatiza que as notícias sobre estas medidas “criaram muita ansiedade nas famílias, principalmente as que estão em processo de ativar estes direitos”. Marta Esteves lembra, contudo, que para serem aprovadas, estas propostas ainda têm de percorrer um caminho legislativo. Só depois de aprovado em concertação social é que o anteprojeto avança para a Assembleia da República, onde o PSD/CDS, sem maioria, precisará do apoio do Chega ou do PS para a aprovação. Tanto um como outro já manifestaram não acompanhar algumas das intenções do executivo na reforma laboral. Mesmo havendo uma aprovação das alterações propostas, é ainda preciso que o diploma seja promulgado pelo Presidente da República, para posterior publicação em Diário da República. Até lá, “permanece o regime da parentalidade tal e qual como o conhecemos e que se encontra atualmente em vigor”, tranquiliza a advogada as famílias.
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