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Draghi e a ‘pomba’: apenas mostrar ou soltar já da gaiola e deixar voar?

A reunião do Conselho de Governadores do BCE esta quinta-feira poderá ter dois resultados: sinais sobre novos estímulos monetários que poderão ser apresentados em setembro ou o anúncio concreto de medidas imediatas para impulsionar a economia e a inflação da zona euro. Os analistas prevêem a primeira opção, mas ninguém descarta a segunda.
  • BCE
24 Julho 2019, 07h47

O presidente do Banco Central Europeu (BCE) parece gostar de usar a vila de Sintra para fazer anúncios que agitam os mercados. Se, em 2017, Mario Draghi usou o Fórum BCE para assustar os investidores com uma referência velada à possibilidade que o banco central estaria prestes a retirar os estímulos monetários, a 18 de junho deste ano aproveitou o mesmo palco para sinalizar o oposto, que poderá lançar novos estímulos se os riscos não atenuarem.

Forçado pelo impacto da guerra comercial, tal como a Reserva Federal (Fed), o BCE primeiro mudou o tom para “paciente” e depois para “dovish“, termo em inglês empregue para ‘pombas’, aqueles que promovem uma política monetária mais acomodatícia através de taxas de juro mais baixas e outros estímulos.

“Os recentes dados macroeconómicos decepcionantes, sinais hesitantes que a resiliência da economia doméstica estará a vacilar, a possibilidade de um corte nas taxas de juro pela Fed e a contínua comunicação dovish dos decisores do BCE desde Sintra tudo empurrou o BCE a ponto de não retorno”, referiu Carsten Brzeski, economista-chefe da ING Germany. “De facto, o BCE e Mario Draghi tiraram o génio da lâmpada e vai ser difícil voltar a colocá-lo lá dentro”.

Segundo os analistas do Danske Bank, é “uma questão de ‘quando’ e de ‘como’ e não de ‘se’ o BCE irá tornar a política monetária mais acomodatícia”.  Por outras palavras, após a reunião do Conselho de Governadores esta quinta-feira, Mario Draghi transmitirá uma de duas opções: sinaliza o que vai fazer em setembro ou antecipa a ação e introduz já os estímulos.

O consenso das previsões dos analistas recai na primeira opção.

“Esperamos que o BCE afine o forward guidance na reunião de julho, preparando o cenário para desvendar um pacote abrangente de medidas em setembro”, afirmaram os analistas do Danske Bank.

Em termos concretos, isso poderá traduzir-se na substituição da frase no comunicado sobre as principais taxas de juro do BCE, de “irão permanecer nos níveis atuais pelo menos até…” para “… permanecer nos níveis atuais ou mais baixos pelo menos até..”.

Apesar do consenso dos analistas em relação a esta ser a possibilidade mais forte, ninguém descarta a outra. “Existe a possibilidade de um corte nas taxas já na reunião desta semana”, referiu Nick Kounis, responsável pelo research de macro e mercados financeiros no banco holandês ABN Amro.

Na perspetiva de Kounis, por um lado, no primeiro grande discurso como economista-chefe do BCE, a 1 de julho, Philip Lane salientou que dado que a inflação está abaixo da meta, o BCE tem de demonstrar o compromisso com a estabilidade de preços com ação mais cedo do que mais tarde e reagir proativamente a choques.

“Por outro lado, o BCE tende a tomar decisões em reuniões nos quais tem atualizações das projeções macroeconómicas e isso só vai acontecer em setembro”, sublinhou o analista do ABN AMRO. “É uma decisão difícil, mas esperamos que o BCE se mantenha firme em julho, e que corte todas as principais taxas de juro em 10 pontos base em setembro”.

Os analistas da Nordea Markets, por sua vez, salientam que um atraso das medidas até setembro não terá a ver com o fim do mandato de Mario Draghi no final de outubro e a sua substituição por Christine Lagarde, pois espera-se que a economista francesa que transita da liderança do Fundo Monetário Internacional continue no caminho das grandes linhas de ação seguidas até agora pelo italiano.

Desenho complexo com tiering e QE

Além do timing, o desenho do ‘pacote’ de medidas também é uma das incógnitas. Em termos dos cortes nas taxas de juro as projeções dos analistas divergem ligeiramente. Conforme referido, o ABN Amro prevê um corte de 10 pontos base em setembro, seguido de outro no primeiro trimestre de 2020, mas o ING e o Danske Bank acreditam que se o BCE ganhar tempo até depois do verão poderá mesmo reduzir as taxas em 20 pontos base.

No final do ano passado, quando o BCE terminou o programa de compra líquida de ativos da zona euro, mantendo apenas os reinvestimentos, poucos poderiam prever que o seu reinício pudesse estar a ser equacionado passados apenas sete meses, mas é precisamente isso que está a acontecer devido à viragem da política monetária.

Por esta altura “a incerteza do desenho [das novas medidas de estímulo] é elevada, mas vemos um reinício de programa de Quantitative Easing como vital… sem isso veríamos o pacote de medidas a fornecer insuficiente conforto e estímulos aos mercados”, disse o Danske Bank.

Em termos de projeções para o reboot do programa, o espectro é largo, tanto em termos de ritmo ou duração. O Goldman Sachs, por exemplo vê um total de até 225 mil milhões de euros de dívida de países da zona euro entre setembro deste ano e julho do próximo ano, enquanto o ABN-Amro disse que até dezembro o BCE deverá anunciar as “modalidades completas do QE” num plano de compra de 630 mil milhões de euros em nove meses.

Desde o discurso de Draghi em Sintra, os analistas têm discutido também uma via alternativa do QE, a compra de ações. Para Nick Kounis, do ABN-Amro, é pouco provável que o BCE enverede por esse caminho nesta fase, primeiro porque ainda tem formas de continuar a comprar as classes de ativos que detém, com algumas alterações como um aumento do limite que pode comprar por emitentes regionais ou municipais ou um maior enfoque na compra de obrigações corporativas. Em segundo lugar, tendo em conta que as famílias europeias alocam um parte pequena da sua riqueza em ações, o efeito em termos de aumento de consumo seria relativamente modesto.

O Danske Bank recordou que na reunião de junho o BCE reafirmou que os benefícios das taxas de juro negativas continuam a superam aspetos negativos, mas deixou a porta aberta a medidas atenuantes. Isso poderia vir, segundo o Danske, via a introdução de sistema de tiering.  Neste cenário, que já fora discutido em abril, uma taxa de depósito ‘escalada’ permitiria a alguns bancos ficarem parcialmente isentos de pagarem ao BCE uma taxa de 0,40% por ano sobre as reservas excessiva, impulsionando os lucros dos bamcos  numa altura de travagem económica inesperada.

Segundo o banco dinamarquês, de forma geral, os mercados de obrigações poderão ficar desiludidos com a escassez de detalhes sobre estímulos na reunião desta quinta-feira, mas qualquer movimento de venda deverá ser de curta duração, pois o foco irá virar para a expetativa sobre medidas a anunciar por Draghi em setembro.

Carsten Brzeski, do ING, salientou que “será muito difícil ao BCE enviar uma mensagem suficientemente dovish sem propriamente entregar decisões na reunião de quinta-feira, que do nosso ponto de vista vai consistir uma discussão excitante e acalorada”.

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