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“É imperdoável” que Gaza tenha estado ausente da campanha, acusa Moreira da Silva

O subsecretário-geral da ONU e diretor executivo da UNOPS confessa-se horrorizado com mortandade em Gaza e lamenta que os partidos ignorem o tema.
16 Maio 2025, 07h11

Aquilo que começou por ser uma resposta a uma violenta agressão do Hamas tornou-se um genocídio, eu chamar-lhe-ia terrorismo de Estado. O que lhe parece?
Nós estamos perante uma destruição massiva, uma enorme crueldade, uma verdadeira atrocidade. Estou nesta função há dois anos, tenho visitado vários contextos de conflitos, vim do Sudão há duas semanas, mas já estive em Gaza duas vezes. O que eu vi em Gaza em fevereiro foi uma destruição sem precedentes: está tudo no chão. Temos 70% das infraestruturas destruídas, 50% dos hospitais, 95% das escolas e uma pressão sobre a população que atinge níveis sem precedentes. Não só bombardeamentos indiscriminados, mas também civis que são mortos, infraestruturas civis destruídas, a que se junta a restrição na ajuda [humantitária] no terreno.

Israel impôs um bloqueio praticamente total. Não entram comida nem medicamentos. É um garrote absoluto. Um saco de farinha custa 300 euros…
Quando houve o cessar-fogo de 42 dias, as Nações Unidas conseguiram fazer chegar à população toda a ajuda que era necessária, ao mesmo tempo que os reféns foram sendo libertados. Portanto, o cessar-fogo estava a gerar resultados, seja na libertação de reféns, seja na chegada da ajuda às pessoas. Aquilo que mais me impressionou foi o impacto que esta guerra está a ter nas crianças. Temos 20 mil crianças órfãs e pelo menos 15 mil crianças que já perderam a vida, uma destruição sem precedentes. No fundo, estamos perante uma crise de falta de humanidade e um dia será demasiado tarde.

Qual lhe parece ser a intenção do Governo de Israel; será a reocupação permanente de Gaza?
Israel ocupou o território, mas a questão é saber em que medida quer assegurar que as condições de paz são criadas. Israel tem direito à sua segurança, mas a Palestina tem direito a ser um Estado. Palestina e Israel estão condenados a ser vizinhas e a forma como este conflito está a ser resolvido terá de criar as condições para uma solução de dois Estados e de paz na região. Neste momento, com este nível de destruição, crueldade e atrocidade, obviamente mais do que criar condições para um diálogo torna esse diálogo mais difícil, senão mesmo impossível.

O que significa que o Tribunal Internacional de Justiça irá intervir e julgar os autores destes crimes de guerra que estão a ser cometidos e bem documentados…
O Tribunal de Justiça Internacional vai determinar um dia sobre a eventualidade de ter ocorrido um genocídio. O mesmo aconteceu quando determinações destas foram feitas relativamente ao Ruanda ou a Srebrenica. O ponto não é saber se o Tribunal vai decretar um dia se houve genocídio ou não. O ponto é saber o que, neste momento, para os dois milhões de pessoas que estão em Gaza o que é que nós estamos a fazer para prevenir um genocídio. A a prevenção do genocídio passa por concretizar as medidas preventivas que o Tribunal Internacional de Justiça decretou e que não estão a ser cumpridas: os civis não podem ser bombardeados, as infraestruturas civis não podem ser bombardeadas e toda a ajuda humanitária tem de chegar às pessoas. Neste momento nenhuma das condições está a ser verificada.

Estamos em campanha eleitoral, mas o assunto, do ponto de vista da agenda dos partidos, não existe?
Não quero interferir na campanha eleitoral, mas noto um grande alheamento em relação à situação em Gaza e isso parece-me imperdoável.

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