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Eça de Queiroz: “O Egipto e Outros Textos sobre o Médio Oriente”

Em outubro de 1869, Eça de Queiroz, acompanhado do seu amigo, o conde Luís de Resende, partiu rumo ao Cairo, cidade que considerava ser ideal para a imaginação do europeu. As suas descrições são disso prova.
Marta Teives
8 Fevereiro 2020, 11h04

 

“Hoje pela manhã fomos tomar um banho turco (…).

Então, recomeçou a operação de massagem. O núbio estende-me sobre um divã de pedra, coloca-me na posição precisa, e espalmando as mãos, carrega fortemente sobre as clavículas; depois, com gestos lentos, prudentes, monótonos, comprime o tórax, aperta docemente os braços, enerva os rins, distende o pescoço, amassa, abate, mói… As vértebras estalam, os ossos rangem, a musculatura afrouxa-se; vem-me um grande cansaço, uma prostração; sinto uma infelicidade voluptuosa – e entretanto a sua mão aberta corre-me pela pele com uma pressão magnética e cativante (…).

Fica-se aniquilado, inútil; está-se saturado de frouxidão, feliz de fadiga, cansado de estar mole!”

A 23 de outubro de 1869, Eça de Queiroz, acompanhado do seu amigo, o conde Luís de Resende, partiu rumo ao Cairo, cidade que considerava ser ideal para a imaginação do europeu (“Constantinopla é quase europeia e imita Viena de Áustria. Damasco é exclusivamente síria. Alepo lembra a Suíça. O Cairo, esse, é original, é sarraceno.”). Depois de dois dias em Alexandria, chegaram ao Cairo, onde o marcaria particularmente a diversidade étnica – árabes, turcos, núbios, persas, albaneses, búlgaros, judeus, abissínios e arménios –, a ele que se considerava um cosmopolita, apesar de esta ser a sua primeira viagem fora de Portugal.

Cruza-se com Théophile Gautier no hotel, experimenta o forte café turco, maravilha-se com o espetáculo do sol a nascer e com as mesquitas cairotas, com a multidão ruidosa, as babuchas de pau no banho turco, o narguilé persa, o deserto ou o harém.

A 17 de Novembro estão no Suez, para a inauguração do Canal. O imperador da Áustria a passear de dromedário, fogos de artifício, tiros de canhão e hurras dos inúmeros marinheiros das esquadras francesa, italiana, holandesa, sueca, alemã ou russa, da frota do paxá ou das fragatas espanholas. Durante uns dias, são várias as festas a assinalar a então extraordinária obra de engenharia que, como se virá a verificar nas décadas seguintes, assumirá enorme importância geoestratégica. Uma semana depois, partem para Beirute. A viagem incluiu ainda a Palestina: Jafa, Jerusalém, Belém, o Mar Morto e Jericó, entre outros.

No regresso a Lisboa, no início de janeiro de 1870, Eça visita os amigos; entre eles, Antero de Quental. Nos bolsos da sobrecasaca, algo que hoje deixaria os agentes do SEF em estado de alerta máximo e o seu portador em muito maus lençóis: haxixe, em quantidade suficiente para que todos pudessem experimentar.

Alguns dos textos de “O Egipto e Outros Textos sobre o Médio Oriente” – que faz parte da coleção de viagens da editora Relógio d’Água – saíram no “Diário de Notícias”, logo em janeiro de 1870, e outros na “Gazeta de Notícias”, do Rio de Janeiro, em 1882. Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.

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