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Economia da Argentina vacila entre a doença e os efeitos secundários da cura

Javier Milei está a conseguir domar a inflação e a diminuir os gastos do sector público. Resta saber se a população sobreviverá aos remédios para uma economia doente há demasiado tempo.
Argentina
Juan Ignacio Roncoroni/EPA
17 Junho 2024, 11h20

A receita é simples e tem provas dadas. O problema é que também tem provas no capítulo dos efeitos secundários: Javier Milei, o extremista presidente da Argentina, aposta tudo no controlo da inflação como forma não só de resolver aquele que é o maior problema imediato da economia, mas também um outro problema que lhe está associado: a desconfiança dos investidores e das instituições internacionais face ao andamento da economia do país.

Um extenso artigo de análise do jornal espanhol “El Economista” traça esse caminho: cortar gastos públicos e colocar o balanço do Banco Central da Argentina em ordem – para acabar com um círculo vicioso da emissão de moeda para financiar o défice público e pagar os juros da dívida pública. O risco é o de degradar os serviços do Estado até ao ponto de eles deixarem de funcionar – criando ou aumentando ainda mais as bolsas de pobreza – e o de lançar o país numa profunda recessão económica.

Equilibrar as contas públicas e recuperar a confiança dos mercados é essencial para alcançar um crescimento saudável e sustentável a médio prazo, mesmo que a queda imediata da economia seja brutal. Economistas que estudam o caso referem, citados pelo jornal, que Javier Milei está a tentar resolver os desequilíbrios financeiros crónicos por meio de medidas de austeridade e esforços para reforçar a posição externa do país – que incluem a redução dos subsídios ao sector público, o que trará a redução do emprego público e do investimento e a implementação de reformas fiscais (redução do imposto sobre rendimentos e do IVA). As medidas já averbaram uma primeira e esperada vitória: o FMI elogiou as “ações iniciais ousadas” do governo, onde encontrou uma boa base para o regresso do debate em torno da dívida.

O país começou o ano com vários superávits mensais consecutivos. O problema é que foram conseguidos à custa da redução dos pagamentos das reformas e dos salários públicos – o que induz um cenário de estagflação e a alta taxa de pobreza. Vem nos livros. Aliás, no limite do absurdo, se os pagamentos do Estados forem reduzidos a zero, o país deixa de ter um problema – talvez comece a haver um problema geral de desnutrição, mas o défice fica resolvido!

O “El Economista” chama a atenção para o facto de a economia argentina já estar submersa numa profunda recessão económica que, por enquanto, agrava os problemas que os argentinos vêm sofrendo: risco de pobreza, queda nos salários reais, menos recursos públicos. No entanto, também é verdade que os resultados estão, talvez, a aparecer mais cedo que o esperado, refere a publicação: a inflação está a moderar-se – tendo passado dos 25% em dezembro de 2023 para 4,2% em maio, o nível mais baixo em mais de dois anos.

O equilíbrio financeiro tem um impacto benéfico na visão dos mercados sobre a dívida do país (o que ajuda a reduzir os juros pagos pela Argentina face à dívida) e costuma ser positivo para a moeda. Um orçamento equilibrado tende a ser positivo para ajudar a reduzir a inflação, tanto pela estabilidade da moeda como pela melhoria da expectativa dos investidores em relação à economia. Por outro lado, um superávit nas contas públicas permite que o Estado arrecade mais dinheiro dos impostos – que em situação normal regressará à economia por via dos salários públicos, subsídios e pensões, precisamente as áreas que agora estão sob pressão. Mas, a acreditar nas palavras do próprio Milei, há fortes dúvidas de que esse seja o caminho que o presidente quer retomar a prazo.

O défice global, que inclui os juros pagos sobre os passivos remunerados do Banco Central da República Argentina (BCRA), e que havia fechado 2023 em 13% do PIB, foi reduzido em um terço no primeiro trimestre de 2024, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Ao mesmo tempo, o governo de Milei está a tentar com relativo sucesso reordenar os passivos do banco central através de emissões de dívida de prazos mais alargados e com taxas mais baixas – na tentativa de ‘secar’ o excesso de pesos (o dinheiro argentino) em circulação.

Se Milei conseguir fazer o mercado acreditar no projeto (como parece já ter convencido o FMI, e os juros que a Argentina paga sobre os seus títulos forem reduzidos, será cada vez mais fácil manter a estabilidade orçamental, continuar drenando pesos e reduzir o fardo financeiro do sector público argentino. O que, a prazo, permitiria uma estabilização do peso que terá efeitos positivos significativos na economia e na própria inflação. Tudo isso em teoria. E em teoria, estas medidas de forte impacto deixam sempre alguém pelo caminho. A questão que se coloca é, portanto, se Milei está preparado para ter sobre os ombros as consequências dos ajustes brutos que está a fazer. Aparentemente, e mais uma vez a acreditar nele próprio, esse é o lado para que o presidente argentino dorme melhor.

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