O primeiro-ministro, António Costa, tem insistido que a crise que se avizinha é de “natureza diferente” e que um regresso à austeridade seria “contraproducente”, mas a rejeição de “medidas duras” para dar resposta à crise provocada pela covid-19 levanta dúvidas entre os economistas contactados pelo JE. Os especialistas consideram “irrealista” acreditar que a recuperação económica será feita sem recurso a novas medidas de contenção orçamental, mas dividem-se quando à forma e à possibilidade de um acordo entre o Governo e os ex-parceiros da ‘geringonça’.
O economista e ex-ministro de governos sociais-democratas Luís Mira Amaral considera que esta crise não é comparável com a das dívidas soberanas de 2011 e diz mesmo que pode ser “bastante pior”. Apesar de as atuais medidas adotadas para Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu (BCE) permitirem “manter as taxas de juro a um nível moderado”, o ex-ministro sublinha que a expectiva é que estas venham a aumentar no futuro. Com isso, “o Governo vai ser forçado a adotar medidas que vão conter, chamam-lhe o que quiserem chamar, austeridade”, refere.
Na mesma linha, Ricardo Paes Mamede dá conta de que, por enquanto, “não há pressão por parte das autoridades europeias para a contenção orçamental”, mas alerta que também “não há garantias absolutamente nenhumas”. “A ameaça de que as autoridades europeias voltem a fazer pressão para a contenção orçamental numa altura em que a economia esteja ainda a recuperar da crise leva a uma austeridade disfarçada”, sustenta, chamando a atenção para o facto do Estado estar a gastar “muito menos do que deveria” para combater a pandemia e apoiar as famílias.
Também Mira Amaral considera que o próprio Governo já se apercebeu de que “não estamos em tempo de vacas gordas”, tendo em conta que “as linhas de crédito que anunciou para apoiar a economia correspondem a cerca de 4% do PIB nacional, quando na Alemanha, por exemplo, representam cerca de 20% da riqueza do país”. O mesmo acontece com os apoios a fundo perdido, que o ministro do Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, já veio rejeitar. “O PS tem consciência de que não há grande margem orçamental para avançar com medidas como essas, que implicam mais dívida pública”, sustenta o social-democrata.
Para Luís Mira Amaral, é fundamental “assegurar que as empresas viáveis e competitivas antes da crise se possam manter em funcionamento”, mas alerta que a recuperação económica de Portugal está dependente do que estiver a acontecer em nível internacional. “A nossa retoma económica vai depender muito da recuperação dos nossos principais mercados exportadores, sobretudo no que toca ao turismo. E como a nossa economia está muito dependente das receitas do turismo, a nossa recuperação será bastante lenta”, diz.
Já Ricardo Paes Mamede faz uma distinção entre o que considera que devia ser feito e o que acha que vai ser feito. Segundo ele, a recuperação das economias europeias mais frágeis deveria assentar em três cenários: o financiamento direto pelo banco central (que já foi rejeitado), o BCE conceder financiamentos muito favoráveis ou serem flexibilizadas das regras de redução do peso da dívida pública. Isto para que países como Portugal pudessem adotar políticas de investimento público e ter o Estado como “empregador de último recurso” para “evitar uma queda abrupta dos níveis de desemprego sem que isso constituísse um peso para as contas pública”.
Num cenário mais provável, o professor do ISCTE diz: “Acredito que a UE vai aprovar um programa modesto de apoio ao relançamento económico, o que vai levar a um aumento do desemprego na periferia da UE”.
Difícil acordo à esquerda
Segundo Luís Mira Amaral, embora o Governo conte com a “condescendência do BE e PCP”, “quando chegar a hora da verdade e forem precisas medidas duras” para relançar a economia, os bloquistas e comunistas “já não estarão no mesmo barco” que o Governo. “É irrealista pensar que o BE e o PCP, que se recusaram a falar com a troika em 2011, vão agora apoiar o Governo em tempo de crise a aplicar as medidas necessárias para retomar a economia”, defende.
Ricardo Paes Mamede considera, no entanto, que “há alguma possibilidade de um acordo” desde que as linhas vermelhas dos partidos envolvidos não sejam pisadas. Esse acordo será, no entanto, “difícil” e só será possível em circunstâncias em que “a UE adote medidas de consolidação orçamental quando a economia do país estiver a crescer”, o que, na melhor das hipóteses, acontecerá “só lá para o fim da legislatura”.
Artigo publicado no Jornal Económico de 17-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor
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