Não existem dúvidas que vivemos momentos únicos e desafiantes, em que a realidade se altera a cada momento, tornando o que é verdade agora em algo pouco rigoroso ou mesmo falso passado uma hora. É assim importante referir que esta análise é realizada a 24 de março de 2020 podendo, por isso, a análise não ser absolutamente rigorosa no momento em que é lida.

Por outro lado, a análise dos efeitos jurídicos das medidas governativas no âmbito do combate à Covid-19 deve também ter em conta que o trabalho de formular medidas, que sejam eficazes, num âmbito de total incerteza quanto à evolução e consequências de uma pandemia, não é isenta de dificuldades e riscos.

Além disso, e também em virtude da instabilidade vivida, cumpre ter em conta que nem sempre os anúncios e afirmações públicas (medidas anunciadas) correspondem às medidas adotadas, existindo por vezes um hiato de tempo entre ambas e, noutros casos (em função da evolução da pandemia), uma diferença substancial entre ambos os momentos.

Feitas estas ressalvas prévias, importa então atentar nos efeitos das medidas governativas anunciadas sobretudo em dois planos: nas medidas de apoio ao emprego e empresas e nas medidas económicas e sociais.

No que diz respeito às primeiras, nas quais se destaca o apoio à manutenção de postos de trabalho (e ao qual tem disso atribuída a designação de “lay-off simplificado”), nota-se a existência de uma preocupação com a manutenção dos postos de trabalho, existindo por isso verdadeiras medidas de apoio ao emprego mas não às empresas.

De facto, os apoios previstos – com âmbitos de aplicação muito limitados (nos quais se incluirão menos empresas do que as que deveriam), insuficientemente regulamentados e com afirmações públicas de que serão objeto de alterações que ainda não se concretizaram –, têm como única preocupação manter os postos de trabalho.

Poder-se-ia sustentar que apoios à manutenção de postos de trabalho são também apoios às empresas. Contudo, os referidos apoios exigem uma disponibilidade financeira imediata das empresas (que terão de adiantar os montantes relativos a dois terços dos vencimentos dos trabalhadores e depois aguardar que a segurança social proceda ao pagamento desses montantes) que poderá colocar em causa a viabilidade económica das mesmas.

Assim, as medidas de apoio ao emprego serão tão eficazes quanto as empresas admitam e consigam suportar o risco da pandemia, ou, dito de outra forma, depende da capacidade das empresas para aguentarem e da esperança de que, daqui a três meses, tudo será diferente.

No que diz respeito às medidas económicas e sociais parece-nos que, paradoxalmente, a mais relevante será a de apoio ao emprego por ser essa que poderá minimizar os impactos da crise resultante desta pandemia nas pessoas. Neste aspeto, parece-nos que as medidas propostas serão eficazes (na medida em que as empresas o possibilitem).

Finalmente, duas medidas – uma sugerida publicamente por diversas vezes e outra apenas parcialmente tratada – poderiam ter um impacto significativo no combate a esta crise e ser particularmente eficazes.

A primeira diz respeito às moratórias que possam vir a ser concedidas pelas instituições de crédito e que poderiam funcionar, efetivamente, como uma medida de apoio às empresas e como medida social (dependendo das condições impostas pelas instituições de crédito). Esta medida permitiria um alívio financeiro tanto das famílias como das empresas, sendo que as condições deveriam salvaguardar a situação financeira das instituições de crédito para que, no momento seguinte, a crise económica e financeira não fosse (ainda) mais grave.

A segunda diz respeito aos arrendamentos em que, tão ou mais importante do que o regime extraordinário de proteção dos arrendatários já estabelecido (suspensão da produção de efeitos das denúncias de contratos de arrendamento e da execução de hipoteca sobre imóvel), seria o estabelecimento de um regime de condicionamento das rendas devidas (quer pela sua redução ou, em determinados casos, suspensão), naturalmente sem colocar em causa de forma desproporcional o direito de propriedade dos proprietários.

São, em ambos os casos, medidas com forte impacto e, por isso, com dificuldades acrescidas de consensualização e implementação, o que evidencia que, se tomadas nesses pressupostos, poderiam ser efetivamente eficazes.