Faltam mulheres na elite económica. Há 12 homens por cada mulher no universo constituído pela chefia das grandes empresas privadas e públicas em Portugal, pelas fortunas nacionais e pelos cargos de regulação económica e política no país – governantes e líderes de entidades reguladoras. As poucas mulheres detentoras de empresas herdaram algo. São filhas “de” ou mulheres “de”. Na generalidade das grandes empresas prevalece uma estrutura patriarcal.
Esta é só uma parte do retrato da elite económica portuguesa traçado por uma equipa de investigadores do ISCTE liderados por Maria do Carmo Botelho e Nuno Nunes. O estudo, cujas conclusões o Jornal Económico revela, está inserido num outro de maior dimensão envolvendo 16 países: “Varieties of Economic Elites? Preliminary Results from de World Elite Database”, publicado no British Journal of Sociology.
Para Nuno Palma, professor na Universidade de Manchester, autor do livro fundamental “As Causas do Atraso Português”, que passou mais de metade da vida a estudar as elites portuguesas, não há grandes surpresas. “As grandes empresas familiares protegem-se muito bem. Em Portugal, o peso dos nomes de família é muito forte. Há redes muito fechadas que se infiltram, inclusive na Comunicação Social, porque é uma forma de o poder económico influenciar e até controlar o poder político, o que acontece frequentemente”.
A elite económica portuguesa foi recolhida em 2020 e é constituída por 74 indivíduos. No capítulo das fortunas e da liderança de empresas, as três mulheres que o compõem – Fernanda Amorim, Paula Amorim e Cláudia Azevedo – representam 5,5% deste grupo. Com poder de regulação, as quatro mulheres presentes – Gabriela Figueiredo Dias, Helena Alves Borges, Margarida Matos Rosa e Margarida Corrêa de Aguiar – pesam 27%. Nos cargos políticos, em quatro ministérios de âmbito económico – Finanças, Economia, Infraestruturas e Habitação e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – na época (tal como no presente) apenas uma mulher tinha o cargo de ministra: Ana Mendes Godinho (substituída por Maria do Rosário Palma Ramalho).
Continuando a olhar para o retrato. A cidade esmaga o campo, a capital domina, os subúrbios não têm expressão e os nascidos lá fora são muito poucos. De acordo com os dados, 70% das elites económicas provém dos maiores centros urbanos do país, com domínio de Lisboa, onde nasceu quase metade (44%). Nuno Palma arrisca uma explicação: “Essa concentração em Lisboa pode parecer surpreendente, especialmente dado que muito do tecido empresarial está no Norte de Portugal, mas sugere, mais uma vez, a importância dada à proximidade ao poder político. Precisam de conseguir influenciar o poder político para manter rendas”.
Mais de 52% da elite portuguesa é formada em Gestão, 27% em engenharias variadas, 16% em Direito e 15% em Economia. Portugal, tal como a Argentina, é um dos dois países que não apresenta licenciados na área de Humanidades (excluindo o Direito) na sua elite económica, o que no Reino Unido chega aos 13%. Cá só 6% tem formação inferior à licenciatura. O número contrasta com os 13% de França, os 14% da Suíça e os 15% da Dinamarca. Portugal fica a meio da tabela dos países no que respeita aos doutoramentos, com 9% dos membros da sua elite com este grau académico. Na Alemanha a percentagem é de 36%, na China e na Polónia de 27% e 21% nos Estados Unidos.
Ao contrário dos EUA, onde a gestão profissional é predominante, na Europa e, em particular, em Portugal, a gestão familiar tem muita força. “Há empresas onde quem manda já não é o fundador, são os filhos ou os netos. A sucessão dinástica prepara-se”, salienta Nuno Palma ao JE. À luz dessa antecipação, o investigador vê como natural o estudo de Gestão e o acumular de cursos de formação executiva e de programas internacionais, como MBA. “À partida, podemos pensar que pessoas melhor formadas tomariam melhores decisões, mas não é isso. O que está em causa são famílias a prepararem a sua sucessão de forma a continuarem a beneficiar das rendas”.
Alerta, no entanto, para uma questão crucial:uma coisa são as elites económicas, outra as pequenas e médias empresas (PME), que compõem a esmagadora maioria do tecido empresarial português. Destaca o facto de os donos da maior parte das PME terem níveis de capital humano relativamente baixos face aos congéneres europeus.
A elite económica portuguesa representa, segundo a equipa liderada por Maria do Carmo Botelho e Nuno Nunes, uma pequena proporção de grandes fortunas à escala mundial, “configurando uma estrutura de poder económico mais dependente do contexto institucional nacional do que de dinâmicas globais de capital”. O professor da Universidade de Manchester concorda, mas faz uma adenda: “As elites não só dependem do contexto, como elas próprias fazem grandes esforços para influenciar esse contexto e manter o statu quo. É muito frequente em Portugal, as elites económicas não quererem que o contexto económico mude, como acontece agora. É altamente ineficaz, mas fazem tudo para o manter, porque beneficiam dele”.
O nível de concorrência da economia portuguesa é muito baixo, refere, o que quer dizer que “as elites nacionais conseguem manter a economia com níveis de concorrência bastante baixos para manterem lucros altos para si próprios sem enfrentar concorrência”. Como exemplo, aponta a distribuição.
A grande angular com que Nuno Palma olha para Portugal mostra “uma elite fechada à volta de si própria, que defende a sua posição privilegiada no mercado através da proximidade ao poder político”. Com frequência, adianta, a geração seguinte é mais incompetente do que está na origem da empresa, o que faz com que necessite de uma ligação maior ao poder político para manter as suas rendas económicas. Rendas são, por definição, uma posição privilegiada no mercado através da proximidade ao poder político.
Portugal acaba, assim, por estar preso num círculo vicioso que o impede de abrir e evoluir, criar mais riqueza, desenvolver-se. “Os reguladores não são verdadeiramente independentes, sendo privados de meios ou estando capturados pelo poder político, que, por sua vez, está capturado pelo poder económico. Essa captura impede o Estado de regular a concorrência de forma eficaz, mantendo o statu quo que beneficia e perpetua a elite económica”, explica.
Autoridade da Concorrência e Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, são, em particular, exemplos de mau funcionamento, considera. “É do interesse das grandes empresas não serem reguladas de forma eficaz”, salienta o autor de “As Causas do Atraso Português”.
Não será fácil substituir este retrato. Os níveis de literacia económica são baixos e os fundos europeus, são, nas palavras de Nuno Palma, uma aspirina constante à economia portuguesa. “A população parece estar relativamente satisfeita com a situação atual a não ser os jovens que estão muito revoltados e com razão. Numa democracia, se a população não quer mudar, os políticos são escravos da opinião pública, portanto, também não têm pressa de mudar”.
Daqui a duas semanas abre-se a possibilidade de mudança com a ida às urnas, mas Nuno Palma acredita que vai ficar tudo mais ou menos igual. Até um dia.
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