[weglot_switcher]

“Em nenhuma circunstância os chineses vão controlar o que a EDP tem nos Estados Unidos”

Diplomata enviado por Trump a Lisboa diz que por motivos de segurança nacional os EUA_“opõem-se absolutamente” à tentativa da China Three Gorges de comprar os ativos norte-americanos da EDP.
31 Março 2019, 11h00

Não mais de 15 minutos: foi o tempo que o Embaixador dos Estados Unidos em Portugal, George Glass, admitiu conceder para uma entrevista exclusiva, mas chegou para abordar vários todos os temas que estão no topo da agenda internacional – quase todos eles tendo a ver com a forma como a administração Trump encara as questões de segurança. Nesse quadro, destacou a eventual importância do Porto de Sines – que pode ser o ponto de entrada do gás natural norte-americano na Europa, passo para combater interesses semelhantes da Rússia por via dos contactos privilegiados com o governo alemão.

Dando a entender que os EUA_estão abertos à cooperação económica com empresas portuguesas – foi esse o motivo da viagem ao Porto – Glass falou sobre o Brexit e sobre populismo. Enalteceu a posição da UE e de Portugal face à Venezuela e não escamoteou que o posicionamento comum face ao Irão continua a ser um problema.

Que tipo de empresas e de setores nacionais estão na sua opinião preparados para viajarem para os Estados Unidos?

Tudo, desde a agricultura até à tecnologia. Cada estado norte-americano tem as suas necessidades, mas tudo tem o seu lugar, desde a tecnologia até aos produtos da agricultura – é virtualmente ilimitado.

Considera que este é o tempo certo para investir nos Estados Unidos, numa altura em que alguns consideram que estamos a passar por um período de protecionismo?

É uma leitura mais política que real. As trocas comercias continuam a acumular milhares de milhões de dólares e portanto esse não é o caso. Estamos mesmo convencidos de que só teremos sucesso se os nossos parceiros tiverem sucesso.

Só teremos uma relação económica boa com a União se esta for forte e bem-sucedida, num quadro económico em desenvolvimento. Tudo o que estamos a fazer é no sentido de facilitar esse envolvimento. Especialmente no que diz respeito a Portugal, o número de altos responsáveis de empresas norte-americanas que visitam o vosso país é extraordinário.

Considera a União Europeia como um bom parceiro dos Estados Unidos? Mesmo em termos políticos?

No que diz respeito aos negócios, acho que sim. Quando vemos o que foi o acordo NAFTA, entre os Estados Unidos, o México e o Canadá, acho que temos aí a resposta do que pode vir a ser o entendimento de negócios, que virá mais depressa que aquilo que esperamos. Falamos todos de barreiras aduaneiras – mas essa matéria foi aquilo que permitiu que todas as partes se sentassem à mesa. Um dos problemas é que a União está muito confortável com o comércio que mantém com os Estados Unidos, mas a administração norte-americana não está.

Por isso, é fácil à União dizer que não quer negociações, mas têm que querer – têm de se sentar à mesa e confrontar-se com as diferenças de pontos de vista.

Em vista está sempre a questão com a China. Como explica esse lado do problema?

A questão que se levantava é se nós nos opomos aos negócios de Portugal com a China. Há dois tópicos completamente diferentes. Por um lado, acho que Portugal deve, em absoluto, ter relações comerciais com a China. Os Estados Unidos têm centenas de milhar de milhões de dólares de comércio com a China. Todos estes entendimentos devem ser mantidos numa dimensão planetária – tendo em vista o sucesso económico.

O outro lado é quando as coisas tocam a segurança nacional – as infraestruturas críticas. Consideramos que a violação da segurança nacional nos Estados Unidos, em Portugal, nos países nossos aliados, nos membros da NATO, não pode acontecer.

É uma questão de segurança nacional que leva os Estados Unidos a olharem para as negociações [entre a China Three Gorges e] a EDP?

Sim. A EDP controla 80% da energia elétrica em Portugal. Do ponto de vista dos Estados Unidos, do ponto de vista de negócios, como do meu ponto de vista pessoal, não deve haver uma entidade estrangeira a deter a vossa energia elétrica. Deve ser controlada pela Nação ou pelos privados sob regulação nacional. Não é o caso do que está a ocorrer com a EDP.

Por isso, opomo-nos absolutamente a esse negócio. Ora, a EDP está localizada nos Estados Unidos. Em nenhuma circunstância os chineses vão controlar o que a EDP tem nos Estados Unidos, o terceiro maior produtor de energia renovável.

Vão envolver-se nas negociações?

Temos que ver como correm as negociações. Não me parece que estejam a ir muito longe – estamos curiosos para ver o que vai acontecer. De qualquer modo é o Departamento do Tesouro que vai decidir o que fazer. O que posso dizer é que quando situações idênticas ocorreram no passado, a essas entidades não lhes foi permitido concluir o negócio.

Os Estados Unidos podem exigir que a EDP, para continuar o negócio, venda os seus interesses nos Estados Unidos?

Sim. Se a China Three Gorges insistir em continuar, o CFIUS [Committee on Foreign Investments in United States] tem o poder para impor essa venda.

Como observa os governos populistas que estão a dirigir vários países europeus, como a Itália, a Polónia ou a Hungria?

É uma pergunta muito complicada. Parece que tudo agora precisa de um rótulo: populismo, multilateralismo, nacionalismo, isto e aquilo. Nos Estados Unidos não vemos as coisas assim: as pessoas procuram um líder forte que as ajude do ponto de vista económico – e aí o presidente Donald Trump tem demostrado resultados: temos o desemprego mais baixo.

Se a sua liderança cria populismo, mau nacionalismo, isso depende da forma como o olhamos. Não sou muito bom quando a coisa se fixa nos rótulos – uma vez que sei que todas as políticas e todos os políticos, seja na Europa ou nos Estados Unidos, querem um rótulo.

O que pode dizer-nos quanto ao Brexit?

Nada (risos). O Reino Unido tem os seus pés nos dois lados: um na União Europeia, outro nos Estados Unidos. É um sítio maravilhoso para se estar, mas não pode continuar. E isso é um problema. Vai causar problemas no Reino Unido, na União Europeia, nos Estados Unidos – veremos até que ponto quando finalmente acontecer, se acontecer.

Que lhe parece o Porto de Sines como porta de entrada do desenvolvimento das relações comerciais entre Portugal e os Estados Unidos?

Estive lá há três semanas. O porto guarda tremendas oportunidades. Desde logo na área do gás natural – os Estados Unidos passaram de maior importador a maior exportador de gás natural de uma forma muitíssimo rápida e eficiente. É portanto uma grande oportunidade – se conseguirmos trabalhar com a França e a Espanha na interconexão a partir dos Pirenéus a caminho do centro da Europa. Estamos a falar de segurança energética – que é uma das prioridades da administração norte-americana no que tem a ver com a Europa. Portugal tem a possibilidade de se tornar a Singapura da Europa no que tem a ver com o gás natural. Temos é de ter a certeza que estamos todos com o mesmo foco, com a mesma direção, para termos a certeza de que isso possa acontecer.

Pode ser que venha a ser difícil, dadas as prioridades da Alemanha nessa matéria – a conexão com a Rússia…

É problemático. Se o gasoduto North Stream 2 avançar, [a posição de Portugal] será ainda mais importante. Do meu ponto de vista, é talvez a maior oportunidade entre os nossos dois países. É uma tremenda oportunidade para Portugal – e trabalharemos arduamente para ter a certeza que acontecerá.

Está confortável com as posições da União Europeia sobre a Venezuela? Com certeza que sim….

Digo-lhe isto: comentei com o ministro da Defesa Santos Silva que foi um enorme apoio ao povo da Venezuela – e Portugal estar muito preocupado com os milhares de portugueses e venezuelanos descendentes de portugueses que vivem na Venezuela – principalmente no que tem a ver com a sua segurança. Trabalhamos no problema da Venezuela aqui em Portugal, diretamente com o Governo português.

Do outro lado está a posição da União Europeia sobre o Irão. Que pode dizer-nos sobre a questão, ou sobre o problema?

Bom, é um problema. Nós queremos que o Irão regresse à mesa das negociações. A forma como o Irão atua em todo o lado e também na Europa não pode ser tolerada. Alguma coisa tem de ser feita. O regime fez agora 40 anos e não me parece que os cidadãos iranianos estejam melhor agora que antes. Em termos económicos, o Irão não está a ir bem. É altura de eles se sentarem à mesa das negociações.

Gostava de ver a Turquia na União Europeia?

Deixo esse assunto à União Europeia.

Artigo publicado na edição nº 1980 do Jornal Económico

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.