O pecado capital do investimento público em Portugal é a decisão avulsa, não enquadrada num plano geral de investimentos, ordenados pela sua prioridade. Há certamente muitas áreas a necessitar de investimento, mas há algumas mais importantes do que outras, há sectores com carências mais nítidas do que outros. Há, sobretudo, a necessidade de interiorizar que mil milhões aplicados a mais numa determinada obra estão a impedir, por exemplo, a construção de 12 mil habitações sociais.

As projecções de tráfego têm sido uma das falhas mais recorrentes no planeamento de investimentos públicos, inflacionadas para justificar demasiadas vezes o injustificável. Aliás, aquelas projecções têm sido tão estapafúrdias, que legitimam a suspeita de serem encomendadas para que se possam fazer obras absurdas, mas que permitem “comissões” muito interessantes a quem decide. Infelizmente, tudo indica que no caso do novo aeroporto se repetiu este erro e se caminhe para um sobredimensionamento indesculpável.

Em relação ao TGV, começamos por constatar que não existe carência de soluções. Existe hoje uma ligação ferroviária em duas versões: o Intercidades e o Alfa Pendular. É evidente que ir no Alfa é uma opção um pouco luxuosa, ainda que perfeitamente legítima.

O que tem que se sublinhar é que o TGV seria uma opção mais luxuosa do que o Alfa, necessariamente mais cara (com bilhetes talvez acima dos 40€). Poderia haver algum desvio de tráfego de avião para o TGV, mas o número de passageiros seria muito provavelmente insuficiente para amortizar o investimento, que seria deficitário.

Parece haver uma grande preocupação em conseguir fundos europeus para o TGV, “para não se perderem”, esquecendo que este dinheiro nos está a empurrar para um enorme erro e apenas servirá para cobrir alguns poucos anos do défice de exploração futuro. Ou seja, tudo indica que o TGV é uma solução caríssima para um problema que não existe, e que nos custará rios de dinheiro todos os anos, sem fim à vista.

Em contrapartida, imaginemos que estávamos a discutir o problema do investimento nos transportes, em que o TGV era comparado com as graves deficiências nos transportes públicos sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, em que milhões de pessoas perdem diariamente horas em deslocações ineficientes. Faria algum sentido optar por beneficiar a utilização esporádica de viajantes de luxo em detrimento do uso diário de milhões com menos posses?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.