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“Estamos a fabricar crianças e a desperdiçar talentos“

Preocupado com o estado atual da educação e a acreditar que estamos próximos de momentos de mudança estrutural da escola Portuguesa, considero que quem discorda com o estado da educação a não ser através do negrito ou das letras maiúsculas, dificilmente é ouvido por quem toma decisões de políticas educativas.
18 Março 2019, 07h15

A escola felizmente tem tomado um papel importante na nossa sociedade e tem provocado muita discussão o que comprova que se começa a acreditar que a educação é o motor do desenvolvimento de um país. Muitas vozes se levantam a concordar que a escola do século XXI ainda não chegou a Portugal e que existe muito trabalho a desenvolver para que a escola esteja sintonizada com as necessidades evolutivas deste século. Preocupado com o estado atual da educação e a acreditar que estamos próximos de momentos de mudança estrutural da escola Portuguesa, considero que quem discorda com o estado da educação a não ser através do negrito ou das letras maiúsculas, dificilmente é ouvido por quem toma decisões de políticas educativas. Fui procurar o que os estudantes pensam, porque são eles os atores principais da educação e não os professores, os currículos e a avaliação, e tentar perceber, porque existe tanta desmotivação, sedentarismo e afastamento, para sustentar a minha visão estrutural.(Estudo a realizar na Região Autónoma da Madeira “Escola do futuro para um futuro melhor”, amostra de 200 alunos de ambos os sexos, dos 1,2,3 ciclos do ensino básico).

Numa simbiose de vários relatos considero nove pontos fundamentais para repensar:

A Escola: Não foi concebida para atender a diferença dos alunos e tem uma estrutura rígida e seletiva no que diz respeito à aceitação e à permanência de alunos que não preenchem as expectativas académicas clássicas, centradas na instrução e na reprodução de conteúdos curriculares. Fechadas ás novas tendências sociais bem como a novas metodologias e movimentos de ensino, a recetividade tem ficado aquém das reais necessidades.

Porque não uma escola inclusiva de ensino com escolas orientadas, adaptadas e estruturadas numa sintonia com o meio físico, social, cultural e estruturada mediante currículos extremamente flexíveis, inclusivos em sincronia com as necessidades de formação e desenvolvimento local.

Trabalhos de casa para que servem: Muitos pais ficam descansados quando os filhos levam muitos trabalhos de casa, pensando que é sinónimo de aprendizagem.  Não é o que defendo, porque depois de um dia repleto de aulas eles têm de ser crianças e brincar, para terem um desenvolvimento equilibrado, motivação e descanso para enfrentarem mais um dia de trabalho árduo.

Queremos compreender a fazer: “no estudo do meio quando aprendemos, as plantas, os seres vivos, a água, a natureza, aprendemos a contar na matemática e a história de Portugal e muitos outros exemplos de matérias curriculares, porque não vamos para a rua explorar o meio e aprendermos a fazer”.

Tudo está no livro, o que não está no livro não existe. O livro devia ser um recurso a mais na educação e não o recurso.

Está comprovado que o que escutamos retemos 5%, o que lemos 10% e o que experimentamos 75%.

Existem variadíssimas formas de aprender, porque é que continuamos a insistir no ensino expositivo e no livro.

Não somos crianças: Os adultos obcecados com os modelos racionais da educação estão a formatar Homens e Mulheres em ponto pequeno. A educação tem de ser planificada desde o espaço infantil e não desde a organização dos adultos que tem objetivos interesses nada condizentes com as expectativas das crianças. Esta “doença” pelo planificar, formalizar, uniformizar e avaliar, gera fábricas de crianças com um modelo único, quando nascem todas diferentes.

Onde estão os valores? – Uma das áreas mais importantes a desenvolver nas escolas, devendo ser matéria obrigatória, é a compreensão dos valores sociais, familiares e o saber refletir sobre a sua compreensão e aplicação. As crianças com valores são o verdadeiro “Valor” da sociedade plural e moderna. Desenvolver atividades e jogos onde exploramos a cooperação, altruísmo, solidariedade e muitos outros valores, são um pilar de extrema importância que garante uma sociedade e um País de futuro.

Testes para que servem: A avaliação através dos testes é um recurso medieval caduco e ultrapassado que não avalia a aprendizagem do aluno, mas sim um saber momentâneo. É um absurdo termos o foco na avaliação e não na aprendizagem. A grande preocupação dos pais e professores é a nota e não a aprendizagem, isto é um reflexo de um sistema de avaliação e rendimento que se esqueceu da viagem da aprendizagem, da maravilha que é o conhecimento e se tornou numa obsessão de números que provocam disfunções nas crianças que acabam por aprender a sobreviver adaptando-se ao sistema.

Quantas horas por dia: As crianças por dia superam o horário laboral de um adulto. Considero que devemos repensar a sociedade em que vivemos e não permitir que a educação ande a reboque do horário laboral. A sociedade tem de se adaptar às crianças, diminuir a jornada laboral e criar jornadas contínuas.

A importância do brincar: As crianças devem ter maiores períodos para brincar ao longo do dia, porque o que se assiste na escola são intervalos muito reduzidos e o brincar visto com algo que não faz sentido. A criança a brincar está a desenvolver capacidades altamente estruturantes, desenvolvendo a sua criatividade, espontaneidade, plano sensorial, preceptivo, social, as relações emocionais e o relaxamento cognitivo.

As emoções: Continuamos esquecidos das emoções, o que custa a aceitar em pleno século XXI, o trabalho das emoções nas escolas devia ocupar uma boa parte do dia das crianças, algo que pode ser construído e desenvolvido com estratégias lúdicas e experienciais, onde as crianças se começam a conhecer, a melhorar e potenciar a suas competências intra e interpessoais, onde com maturidade e equilíbrio pessoal se aprende a compreender tudo muito mais rápido.

Não falamos só de crianças, mas sim na generalidade da educação, porque se trata de uma situação transversal no ensino que atinge todas as idades, por isso temos de alterar o paradigma instalado à décadas e onde são necessários atores capazes de crescer e transformar-se com a educação, não meramente instrumentos passivos da educação. Os professores, os pais, e outros agentes principais são claros facilitadores do processo e devem assumir o seu trabalho em sinergia para obter o melhor dos nossos jovens. Com a educação não se deve brincar porque é ela que pauta o crescimento de uma sociedade, assim é necessário alterar o conceito de aprendizagem e gestão de conhecimento, e para isso necessitamos mais do que nunca, compreender que tudo não é só uma questão de estrutura, mas de mentalidade e paradigma socioeducativo.

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