Como surgiu a ideia da Animais de Rua? Qual a motivação para a criação desta associação?
A Animais de Rua foi fundada em 2008, na cidade do Porto, por um grupo de amigos que queria ajudar um problema que parecia ser de ninguém: os animais de rua, mais particularmente, animais assilvestrados que não podem ser adotados, mas que contribuem para o problema da sobrepopulação de animais.
Assim, a Animais de Rua surge com uma visão um pouco diferente da maior parte das associações até então: a esterilização destes animais através da implementação e gestão de um programa CED (Capturar-Esterilizar-Devolver, um método humano e eficaz de controlo de colónias de gatos e de redução das populações felinas silvestres e errantes. O processo envolve a captura dos gatos de uma colónia, a sua esterilização e pequeno corte na orelha esquerda para fins de identificação e, por fim, a devolução dos animais ao seu território de origem, onde são alimentados e protegidos por um cuidador. Aqui falamos sobretudo de animais silvestres, portanto, não são gatos dóceis e não se adaptariam a um ambiente doméstico. No entanto, contribuem em grande escala para o problema de superpopulação animal nas ruas e o método CED é o que demonstra ter mais sucesso a longo prazo.
Que transformação é que a associação já conseguiu gerar desde a sua fundação?
Desde a sua fundação, a Animais de Rua conseguiu a sua expansão para várias regiões do país, de norte a sul, incluindo os Açores, com núcleos no Porto, Maia, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Gondomar, Vila do Conde, Esposende, Lisboa, Amadora, Cascais, Sintra e São Miguel, graças também aos protocolos firmados entre juntas de freguesia e municípios do país. Ao longo dos 16 anos de existência foram ajudados mais de 57 mil animais através da sua esterilização, alimentação, adoção e apoio médico-veterinário. Durante este percurso, a Animais de Rua recebeu o estatuto de utilidade pública, tornou-se uma entidade formadora certificada pela DGERT em matéria de bem-estar animal, assumiu o seu papel numa vertente internacional, sendo membro do Eurogroup for Animals e da EU Dog and Cat Alliance (tendo recebido o Prémio de Mérito 2022 desta última) e criou o Projeto Educativo ‘Da Rua para a Escola’ onde partilha informação com crianças e jovens de todo o país.
A Animais de Rua funciona à base de voluntários ou tem uma equipa fixa?
Temos uma pequena (muito pequena) equipa fixa, mas é, sobretudo, graças aos cerca de 160 voluntários que a Animais de Rua consegue operar nas diferentes localidades e nas mais diversas funções. Somos tão gratos pelos nossos voluntários que a nossa agenda solidária para 2025, já à venda, é uma edição muito especial dedicada a eles.
Que tipo de parcerias a associação possui para garantir cuidados médicos, alimentação e outros recursos para os animais resgatados?
Mantemos parcerias e estreitas ligações com clínicas veterinárias em todos os núcleos em que atuamos, não seria possível de outra maneira. Também trabalhamos no sentido de obtenção de verba sem ser através de parcerias, todo o trabalho desenvolvido com a nossa loja online e o Cartão Amigo, e os muitos eventos solidários que cada núcleo, de norte a sul do país, desenvolve. A título de exemplo, o ano passado tivemos uma tarde de Techno Solidário no Plano B, no Porto, onde a entrada revertia para a associação. O trabalho desenvolvido como entidade formadora em matéria de bem-estar animal. O Leilão Literário, evento que conta já com 7 edições, onde são leiloados livros assinados pelos seus autores, revertendo a verba para a Animais de Rua.
Quantos animais, em média, a Animais de Rua resgata e reabilita por ano?
São esterilizados cerca de 4.360 animais por ano e encaminhados para adoção 200 animais por ano, cálculo feito pela média dos últimos quatro anos. A AdR ao longo dos seus 16 anos de existência já ajudou mais de 57 mil animais, esterilizou 49.406 e encaminhou 1.085 animais para adoção.
Quais os principais desafios que uma associação como a Animais de Rua enfrenta?
O financiamento é o principal desafio. Trabalhar com uma equipa de voluntários, com tempo e disponibilidade limitada também implica alguns desafios, embora tenhamos a sorte de ter pessoas incríveis connosco. Dependemos de apoios financeiros para continuarmos o nosso trabalho em todo o país, mas sem voluntários não conseguimos chegar a todos os pedidos de ajuda. Muitas associações só sobrevivem com ajuda da sociedade, das pessoas. Todos podemos ajudar a causa animal, de variadas formas, como, por exemplo algumas das que temos na Animais de Rua – voluntariado no terreno, em ajuda nas capturas e devoluções, pós-operatórios, sendo família de acolhimento temporário; donativos em verba ou em género (ração, areia para gato, transportadoras, mantas, desparasitantes, etc.; ligando pata as linhas solidárias de apoio ou aquisição de produtos nas associações, por exemplo.
As associações e o PAN reclamam que o OE2025 deixa de fora verbas e medidas concretas para o bem-estar animal. Qual a visão da Animais de Rua sobre este tema?
A mudança de competências em matérias de bem-estar animal compromete apoios governamentais, que eram essenciais à continuidade não só do trabalho da Animais de Rua, como o de outras centenas de associações por todo o país. Parece-nos totalmente inaceitável que tal aconteça em 2025, quando a sociedade caminha cada vez mais para uma maior exigência nestes temas, melhores condições para todos os animais e maior envolvimento político e governamental. Se se verificar a eliminação dos apoios ao bem-estar animal, estamos perante um retrocesso inaceitável. No sentido de dar continuidade aos trabalhos já começados pelo antigo executivo, a FEDRA (Federação de Defesa e Resgate Animal), da qual a Animais de Rua faz parte, tem reunido com os grupos parlamentares no intuito de se mostrar disponível para trabalhar em conjunto com os mesmos nas propostas de alteração ao OE2025 de forma que o mesmo possa contemplar verbas essenciais à continuidade dos trabalhos das organizações zoófilas em Portugal.
Na opinião da associação, o que é que o Governo deveria incluir na proposta do OE sobre este tema?
A continuidade dos apoios financeiros anteriormente sob a alçada do ICNF, MAAC. Defendemos inclusive que esses apoios deveriam ser aumentados, em vez de eliminados, pois têm vindo, ano após ano, a demonstrar-se insuficientes para satisfazer os pedidos de ajuda e despesas com que as associações se confrontam. Somos também da opinião de que deveria ser feita maior pressão sobre os municípios, de forma a cumprir-se a legislação relativa ao programa CED, o que não tem acontecido. Acreditamos que só controlando a reprodução dos animais nas ruas é que conseguiremos melhores condições nos CROS, menos animais à espera de adoção e melhores condições de vida para os animais errantes.
É essencial incluir verbas no OE para a investigação em matérias de bem-estar animal. Não podemos definir estratégias ou implementar medidas sem dados concretos sobre a dimensão da problemática que queremos resolver. O Governo tem de trabalhar em conjunto com as ONG, que estão diariamente no terreno e têm uma visão muito concreta dos problemas atuais. Só com um grupo de trabalho multidisciplinar e concertado, conseguiremos trabalhar num futuro onde o BEA será uma prioridade em Portugal.
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