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EUA e Israel boicotam cimeira mundial pró-Palestina, que dizem ser “um circo”

O encontro mundial que servirá para aumentar o apoio global à Palestina não teve a presença dos Estados Unidos nem de Israel. O Estado hebraico chamou a cimeira de “circo”. ‘Vingança’ de Telavive pode passar pela anexação da Cisjordânia – e nem o Egito parece estar seguro.
António Guterres
23 Setembro 2025, 07h00

Israel e os Estados Unidos boicotaram a cimeira mundial convocada pela França e pela Arábia Saudita para esta segunda-feira e em que vários líderes mundiais reconheceram formalmente o Estado palestiniano. A decisão da organização da cimeira mereceu desde a primeira hora o repúdio de Israel, que diz que prejudicará as perspetivas (que ninguém consegue identificar) de um fim pacífico para a guerra em Gaza. Citado pela imprensa norte-americana, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, descreveu o encontro como “um circo”.

Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Portugal reconheceram o Estado palestiniano no domingo, enquanto a França, Andorra, Bélgica, Luxemburgo, Malta e São Marino preferiram fazê-lo esta segunda-feira, na reunião que antecede a 80.ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

Do outro lado, Alemanha e Itália sinalizaram que é improvável que façam tal movimento em breve – com o chanceler germânico a dramatizar, nos últimos dias a relação difícil que o seu país mantém com Israel, dado o histórico resultante da II Guerra. A Alemanha tornou-se um pouco mais crítica das políticas israelitas, mas insiste que o reconhecimento do Estado palestiniano deve ocorrer ao final de um processo político que viabilize um acordo sobre uma solução de dois Estados. Um porta-voz do governo alemão disse esta segunda-feira que não deve haver mais anexações. A Itália disse que reconhecer o Estado palestiniano poderia ser “contraproducente”.

Já a Rússia afirma que ainda acredita que uma solução de dois Estados é a única forma de resolver o conflito, disse o Kremlin também esta segunda-feira. “Essa continua a ser a nossa abordagem e acreditamos que é a única forma possível de encontrar uma solução para esse conflito extremamente complexo e duradouro, que agora está talvez no estágio mais agudo e trágico de toda a sua história”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, citado pela imprensa internacional.

Embora a cimeira de Nova Iorque possa elevar o moral dos palestinianos, os analistas não esperam que traga mudanças na prática, uma vez que o governo israelita de extrema-direita declarou que não haverá um Estado palestiniano na sua vizinhança. Pior ainda, o Estado hebraico pondera a forte possibilidade de anexar a Cisjordânia – ou que dela resta ao cabo de quase seis décadas de ocupação.

A solução de dois Estados foi a base do processo de paz apoiado pelos EUA, inaugurado pelos Acordos de Oslo de 1993. O processo sofreu forte resistência de ambos os lados e praticamente desapareceu do horizonte de todas as partes envolvidas.

Para todos os efeitos, e apesar de na prática nada vir a mudar de imediato, Israel ficou mais isolado e atraiu a condenação global pela sua conduta militar em Gaza, onde mais de 65 mil palestinianos foram mortos. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu rejeitou inúmeros apelos para encerrar a campanha militar e prometeu mesmo que ela só cessará quando o Hamas for totalmente destruído. Ao mesmo tempo, afirmou que não reconhecerá um Estado palestiniano.

Netanyahu afirmou em comunicado no domingo passado que anunciará a resposta de Israel ao regressar dos Estados Unidos, onde se encontrará com Donald Trump. Vários analistas dizem que essa resposta – que foi pré-anunciada por Netanyahu como se fosse uma vingança pela realização da cimeira – será com certeza uma manobra militar, mais uma, que abra a ocupação da Cisjordânia. Medidas bilaterais específicas contra Paris também estão a ser ponderadas. Mas o risco de uma decisão nesse sentido é imenso, uma vez que pode contribuir para uma definição mais assertiva da posição de alguns países, nomeadamente do lado islâmico e árabe.

Os Emirados Árabes Unidos, o mais proeminente dos Estados árabes que normalizaram os laços com Israel sob os Acordos de Abraham mediados pelos EUA em 2020, disseram que a anexação da Cisjordânia minaria o espírito do acordo. Convém também ter em atenção que a cimeira islâmica realizada depois de Israel atacar pretensas forças do Hamas em Doha, no Qatar, fez regressar o debate sobre a criação de um exército comum – que pode estar a ser alavancado pelo Egito. Se isso for verdade – e os serviços secretos de Israel saberão dizer se é ou não – o melhor será o mundo não descartar a hipótese de o Estado hebraico abrir uma nova frente de guerra precisamente com o Egito, como já sucedeu no passado.

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