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“EUA parecem ser muito mais progressivos do que Portugal” em questões de direito reprodutivo

Depois do Parlamento chumbar projetos para mudar lei do aborto, o Jornal Económico falou com Robin Fretwell Wilson, em Portugal com uma bolsa Fulbright. A investigadora norte-americana, que esteve em Portugal a dar aulas a convite da Nova School of Law, falou sobre as diferenças entre Portugal e EUA e como os dois blocos podem aprender um com o outro.
Robin Fretwell Wilson EUA
Robin Fretwell Wilson | Direitos Reservados
13 Fevereiro 2025, 17h57

O aborto continua a ser uma questão polarizadora nos EUA, especialmente após a revogação de Roe v Wade. Na última contagem, 19 estados já proibiram ou restringiram o procedimento. Qual a sua perspetiva sobre como o panorama legal tem evoluído e o que prevê para o futuro dos direitos reprodutivos nos EUA?

Quando o Supremo Tribunal dos EUA devolveu a regulamentação do aborto aos estados, criou confusão. Segundo a nossa contagem, 23 estados proíbem ou impõem restrições significativas ao aborto antes das 24 semanas, deixando os EUA como um verdadeiro tabuleiro de xadrez com restrições mais ou menos liberais ao aborto. Os americanos comuns têm dificuldade em compreender o estado atual das leis: que tipo de acesso ao aborto é permitido em cada estado, em que circunstâncias e até quando.

Os rastreadores públicos de leis sobre aborto, como os do New York Times, NBC, Guttmacher Institute, Planned Parenthood, Center for Reproductive Rights, Kaiser Family Foundation e outros, apresentam as tendências gerais a partir de uma perspetiva ampla. No entanto, estes subestimam e obscurecem a complexidade real das leis sobre o aborto ao atribuírem uma única etiqueta (por exemplo, legal, hostil, restritivo) às dezenas de leis em cada estado que afetam o acesso ao aborto. Por exemplo, no Texas, 48 leis diferentes regulam o acesso ao aborto.

Para piorar, muitos desses rastreadores apresentam informações contraditórias. Por exemplo, a classificação do aborto no Wisconsin varia significativamente entre os rastreadores: a NBC indica que é “legal e/ou protegido”, o New York Times classifica-o como “legal”, o Center for Reproductive Rights (CRR) rotula-o como “hostil” e o Guttmacher Institute assinala que a regulamentação no estado é “restritiva”. Isto tem implicações preocupantes tanto para as mulheres que procuram informações precisas como para os profissionais de saúde que precisam de tomar decisões informadas. No mínimo, as pessoas deveriam ter uma forma clara de compreender as leis sob as quais vivem.

É por isso que a Universidade de Illinois, sob a égide do Programa de Direito da Saúde Epstein, que co-dirijo, criou a Iniciativa para Exceções e Equívocos sobre o Aborto, para apresentar de forma mais precisa a regulamentação do aborto nos diferentes estados. Esta iniciativa preenche a lacuna entre o que é reportado e as leis reais que determinam o acesso ao aborto nos EUA.

O futuro dos direitos reprodutivos nos EUA, a curto e médio prazo, passará pelos grupos de defesa dos direitos reprodutivos utilizarem as garantias já existentes nas Constituições estaduais para alargar o acesso ao aborto. Além disso, recorrerão a referendos ou processos de iniciativa popular para (a) alterar as Constituições dos seus estados, de forma a garantir o acesso aos cuidados de saúde reprodutiva, ou (b) obrigar as legislaturas estaduais a aprovarem leis que expandam esse acesso.

Que papel acha que os governos estaduais devem desempenhar na regulamentação do acesso ao aborto, especialmente no equilíbrio entre a autonomia individual e os valores sociais?

Após a decisão Dobbs, cada estado passou a ter controlo sobre o acesso ao aborto dentro das suas próprias fronteiras. Isto gerou muita controvérsia e ansiedade.

Os americanos tendem a preferir soluções simples e definitivas para os problemas, como uma única decisão do Supremo Tribunal dos EUA que estabeleça uma regra uniforme para todo o país ou uma legislação federal que regule a nação como um todo. No caso do acesso aos direitos reprodutivos, compreende-se porque é que muitas pessoas defendem uma abordagem nacional. No entanto, é pouco provável que a decisão Dobbs seja revertida num futuro próximo. Além disso, o Congresso está num impasse, com leis que frequentemente demoram anos a ser aprovadas. Isto coloca os estados na posição de terem de agir.

Acredito que os direitos civis são como peças de um puzzle que podem ser ajustadas por legisladores que promovam um diálogo significativo entre as comunidades afetadas — uma abordagem que chamo complementaridade dos direitos civis. Esta abordagem questiona se é possível encontrar soluções criativas de “win-win”, pelo menos em alguns dos atuais conflitos culturais. Construir consensos é uma competência especial das legislaturas, e não dos tribunais. As legislaturas podem organizar audiências para ouvir grupos com perspetivas opostas e redigir leis que satisfaçam, na medida do possível, ambas as partes.

As leis estaduais sobre o aborto, nos 50 estados, são um exemplo disto. Algumas são mais flexíveis e humanizadas do que outras e consideram, por exemplo, a saúde mental das mulheres que procuram abortar ou se a mulher em questão foi vítima de tráfico sexual.

Essa variabilidade pode parecer ilegítima para alguns, mas pode também ser uma força do sistema americano. Como afirmou o célebre juiz do Supremo Tribunal dos EUA, Louis Brandeis, no caso New State Ice Co. v. Liebmann, 285 U.S. 262 (1932): “É um dos felizes incidentes do sistema federal que um único Estado corajoso possa, se os seus cidadãos assim escolherem, servir de laboratório e experimentar novas abordagens sociais e económicas, sem risco para o resto do país”.

Quando isso acontece e a legislação resiste ao teste do tempo, pode ser replicada; e quando não funciona, pode ser alterada ou revogada com muito mais facilidade do que uma lei federal. Após Dobbs, há aqui uma oportunidade. Os legisladores estaduais, que estão mais próximos dos seus eleitores, estão em melhor posição para equilibrar os valores sociais do seu estado com a autonomia individual. Mas isso exigirá advocacia. Os defensores dos direitos reprodutivos devem analisar as leis já existentes para identificar abordagens mais humanas e flexíveis a situações como incesto, violação ou quando o aborto é necessário para salvar a vida da mãe. Estas podem ser áreas onde seja possível alcançar um consenso bipartidário.

Embora os EUA sejam divididos em estados, porque é que a lei não pode ser aplicada a toda a nação?

Claro que existem leis aplicáveis a toda a nação. A Constituição dos EUA define várias áreas sob controlo do governo federal, enquanto todas as restantes áreas não especificamente atribuídas ao governo federal são reservadas aos estados. Questões relacionadas com a família e a saúde têm sido tradicionalmente consideradas da jurisdição dos estados.

Como o juiz Alito afirmou na decisão Dobbs, e como a maioria do tribunal sustentou: “A Constituição não faz qualquer referência ao aborto, e nenhum direito desse tipo está implicitamente protegido por qualquer disposição constitucional, incluindo aquela em que os defensores de Roe e Casey se baseiam agora principalmente— a Cláusula do Devido Processo da Décima Quarta Emenda.”

Dado o atual perfil do Supremo Tribunal, não há razão para acreditar que Dobbs será reconsiderado a curto ou médio prazo.

O Congresso, por sua vez, muitas vezes aprova leis que afetam o comércio interestadual entre os estados — e o chamado “turismo do aborto” pode ter implicações nesse âmbito. Além disso, o Congresso pode usar o seu poder de financiamento para incentivar os estados a aprovarem certas leis — foi assim que conseguiu expandir o Medicaid, um programa de assistência social que fornece serviços de saúde a americanos de baixos rendimentos. No entanto, como já referido, o Congresso está num impasse. Nenhuma das duas visões sobre o aborto — que o aborto deve ser totalmente proibido ou que deve ser totalmente permitido — reúne apoio suficiente para que uma legislação seja aprovada. Ou seja, nem uma proibição federal do aborto nem uma garantia federal de acesso ao aborto têm votos suficientes no Congresso para serem implementadas. Isto deixa a regulamentação do aborto nas mãos dos estados.

A presidência é frequentemente descrita como um reflexo dos valores e desafios americanos. Como vê o papel em evolução do presidente dos EUA na definição de normas sociais e quadros legais?

O presidente tem naturalmente uma plataforma privilegiada (bully pulpit) para abordar muitas questões. Ele pode definir o tom e encorajar ou desencorajar determinados valores ou normas sociais. No entanto, cabe ao povo decidir se aceita ou rejeita os valores e normas propostos.

Historicamente, o poder no Congresso muda frequentemente de mãos nas eleições intercalares (as eleições para o Congresso ocorrem a cada dois anos, enquanto as presidenciais acontecem a cada quatro anos. Isso significa que há sempre uma eleição para o Congresso a meio do mandato presidencial). Embora o presidente Trump tenha sido eleito pela segunda vez com “um mandato esmagador”, segundo o Roll Call, um meio de comunicação especializado em política no Capitólio, a forma como esse “mandato” está a ser executado pode ou não refletir a vontade do povo americano. Já há sinais de que os americanos estão preocupados com o caos e a desorganização associados ao DOGE e às mudanças na escala das agências governamentais. No entanto, ainda é cedo para tirar conclusões definitivas.

Acredito que o Congresso está prestes a reavaliar alguns poderes concedidos ao Executivo, ou seja, ao presidente. Por exemplo, o poder presidencial de conceder indultos tornou-se controverso no final da administração Biden e no início da administração Trump.

De forma polémica, o presidente Biden perdoou o seu filho depois de afirmar que não o faria. Também concedeu indultos a pessoas por crimes que PODERIAM ter cometido. Além disso, Biden comutou a pena de morte para a maioria dos reclusos no corredor da morte, apesar de terem sido julgados, condenados e considerados merecedores da pena capital. Por sua vez, o Presidente Trump concedeu um indulto geral a todos os acusados pelo ataque ao Capitólio a 6 de janeiro. O alcance dos indultos concedidos por ambos os presidentes foram sem precedentes, e cada um foi criticado pelas suas decisões. Isso, por si só, cria uma oportunidade bipartidária para uma reforma nesta área.

Na sua opinião, que responsabilidades éticas e morais os presidentes modernos devem priorizar, especialmente ao abordar questões divisivas como direitos reprodutivos ou igualdade de género?

A América adora futebol americano. E este desporto pode ajudar-nos a compreender como os EUA têm falhado em encontrar um terreno comum, optando, em vez disso, por uma polarização extrema.

No futebol americano, uma equipa vence ao avançar com a bola desde a sua zona de defesa até à zona de pontuação do adversário, num campo de 100 jardas. Grande parte da ação acontece nas últimas 10 jardas antes da linha de golo, onde as jogadas mais decisivas ocorrem. Agora, imagine esse campo como a política moderna. O ex-presidente Bill Clinton era conhecido por ocupar o centro político, jogando em todo o campo, da esquerda para a direita.

Como Clinton disse [8 de novembro de 1996]: “Quando deixamos de lado o partidarismo, abraçamos as melhores ideias, independentemente de onde vêm, e trabalhamos por um compromisso baseado em princípios, podemos fazer a América avançar, não para a esquerda ou para a direita, mas para a frente”.

Atualmente, ambos os partidos políticos tendem a focar-se apenas nos seus eleitores mais fiéis, em vez de procurar consensos. Isso significa que as eleições são frequentemente decididas por margens mínimas, dependendo apenas de qual partido mobiliza melhor os seus apoiantes. No nosso exemplo do futebol americano, isto seria como tentar marcar pontos sem sair da própria zona de defesa.

O centro do campo político está essencialmente vazio e esquecido. No entanto, a maioria dos americanos posiciona-se nesse meio-termo, desejando menos divisão e mais soluções concretas. Podemos chamá-los de “jogadores de meio-campo”. Vejamos a polémica sobre atletas transgénero como exemplo. A administração Biden tentou impor uma abordagem rígida, ameaçando retirar financiamento federal (Título IX) a qualquer estado que não permitisse que atletas transgénero utilizassem os balneários do género com o qual se identificam. Para o Texas, isso representaria mais de quatro mil milhões de dólares – uma posição que o estado nunca aceitaria de bom grado. Já a administração Trump adotou a posição oposta, proibindo atletas transgénero femininas (que nasceram biologicamente masculinas) de competirem em equipas femininas, mesmo que não representassem qualquer risco ou ameaça à segurança de outras atletas.

Tive o privilégio de colaborar na redação de uma lei no estado do Utah, a Utah House Bill 11, que procurou um caminho de inclusão. Esta lei permitia que atletas transgénero competissem, desde que fosse avaliado o seu impacto na segurança dos outros jogadores, os benefícios psicológicos para o próprio atleta e se havia uma vantagem desportiva injusta. Este modelo de lei posiciona-se no meio do campo, equilibrando os interesses de ambos os lados.

A lei também garantia flexibilidade às escolas para criar regras sobre a privacidade nos balneários, sem que fossem automaticamente acusadas de discriminação sexual, como a administração Biden alegava. No entanto, esta abordagem equilibrada foi eliminada pela nova ordem executiva de Trump, da mesma forma que as proibições absolutas em mais de 20 estados foram anuladas. Tanto a administração Biden, ao ignorar preocupações sobre privacidade, como a administração Trump, ao excluir atletas transgénero sem considerar casos individuais, optaram por políticas extremas em vez de soluções ponderadas.

Está claro que erramos ao excluir crianças transgénero do desporto escolar, algo que quase metade dos estados dos EUA já fez.

O presidente Trump tem destacado a sua abordagem de “senso comum”. Mas ironicamente, a sua proibição abrange até crianças pequenas, que ainda não atingiram a puberdade e cuja participação não ameaça ninguém nem compromete troféus ou recordes. O que realmente precisamos é de mais senso comum em todas as áreas. Os decisores políticos deveriam ocupar o meio-campo e procurar consensos.

Na minha opinião, o papel adequado do presidente, ao abordar questões divisivas, deve ser de humildade e respeito pelo Estado de Direito. Tal como Biden ultrapassou os estados e as escolas ao tentar impor regras rígidas sobre a privacidade nos balneários, Trump está a fazer o mesmo ao ignorar soluções equilibradas adotadas por estados como Utah.

Os governos locais, que estão mais próximos da realidade dos cidadãos, precisam de ter a liberdade para aplicar políticas de bom senso nestas matérias.

As mulheres em Portugal conquistaram avanços significativos nas últimas décadas. Como compara o progresso de Portugal com os Estados Unidos em termos de mudanças legais e sociais?

Muito se tem discutido sobre o direito ao aborto, mas não devemos ignorar as questões económicas. Aqui, é possível fazer comparações entre a União Europeia e os Estados Unidos.

Na UE, as mulheres ganharam, em média, 12,7% menos por hora do que os homens em 2021. Além disso, no Reino Unido, apenas 30% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.

Em Portugal, vejo mulheres líderes notáveis, como a minha colega Margarida Lima Rego, Professora Catedrática e Diretora da NOVA School of Law. Isso é um sinal positivo. Nos EUA, 86% das faculdades de direito acreditadas pela ABA já tiveram ou têm atualmente uma mulher como reitora.

Os avanços nos dois países demonstram um progresso significativo em termos de igualdade de género, tanto no meio acadêmico quanto no mercado de trabalho. No entanto, ainda há desafios, especialmente no que diz respeito à disparidade salarial e ao acesso das mulheres a cargos de topo.

Nas últimas semanas, Portugal discutiu (e não aprovou) a extensão do prazo para a realização do aborto para 12 ou 14 semanas. Como vê essa questão?

Este é um lugar onde os EUA e a Europa estão a viver experiências surpreendentemente semelhantes. Este gráfico que preparei para o meu curso na NOVA de Legal English: Bioethics mostra as restrições em toda a Europa.

Portugal encontra-se entre os países mais restritivos da Europa. Tal como nos EUA, Portugal está a assistir ao “turismo de aborto”. Mulheres em Portugal, onde o aborto continua a ser legal até às 10 semanas de gravidez, estão a atravessar a fronteira para Espanha. Mulheres no Texas, onde o aborto está efetivamente proibido, salvo exceções, estão a voar para Illinois para realizar abortos.

Aprendi, enquanto estive na NOVA, sobre muitos dos desafios em Portugal, especialmente em áreas isoladas como os Açores e a Madeira. Nesses locais, muitos médicos opõem-se a realizar ou a auxiliar em abortos. Mesmo sob Roe, os EUA sempre protegeram a objeção de consciência, mas isso, em grande parte, não provou ser um impedimento significativo, uma vez que os objetores não constituíam uma massa crítica. Além disso, os objetores de consciência podem ser substituídos por prestadores de serviços dispostos, e as pacientes podem ser facilmente encaminhadas para aqueles que realizariam o aborto. Esse equilíbrio de direitos concorrentes só funciona se houver uma massa crítica de prestadores de serviços dispostos a realizar abortos. De acordo com um estudo, o número de objetores de aborto em alguns países europeus, como a Itália, tem chegado a 90%, efetivamente proibindo o aborto em vastas áreas do país. Este é um desafio-chave para o acesso em Portugal que deve ser abordado.

Existem lições podem os EUA aprender com Portugal ou com outros países europeus na abordagem da equidade de género e dos direitos reprodutivos? Ou ao contrário?

Os EUA parecem ser muito mais progressivos do que Portugal e do que outros países europeus. As restrições ao aborto na Europa são, em geral, mais rígidas do que na maioria dos estados dos EUA. Alguns estados ainda permitem que menores recebam bloqueadores da puberdade e intervenções cirúrgicas chamadas “cuidados de afirmação de género”. Um caso do Supremo Tribunal ouvido no outono passado pode resolver essa questão. A controvérsia sobre os cuidados de afirmação de género tem causado agitação no Reino Unido, resultando em orientações do NHS que substituem os “cuidados de afirmação de género” para menores de 17 anos pela posição informada pelo desenvolvimento de que a maioria precisa de psicoeducação e psicoterapia.

A Escócia é a mais recente nação a juntar-se à Inglaterra, Finlândia, Noruega, Suécia e Dinamarca para limitar drasticamente a prescrição de bloqueadores da puberdade e hormonas de sexo cruzado para menores.

Enquanto professora de Bioética Biomédica, penso que precisamos examinar muito de perto o processo de consentimento para garantir que as crianças transgénero e os seus pais recebam informações completas e detalhadas. Como professora de Direito da Família, devo salientar que nos EUA, tradicionalmente, deferimos aos pais em questões de saúde.

Na ausência de abuso, permitimos que os pais aprovem ou recusem tratamentos para os seus filhos. Sempre fui crítico da sobreproteção dos pais na tomada de decisões médicas, não sendo a prática nos EUA conhecida como “cura pela fé” – que significa rezar por uma criança doente em vez de fornecer cuidados médicos reais – a mais evidente, o que resultou em inúmeras mortes evitáveis de crianças. Isto aconteceu porque o governo federal incentivou os estados, durante a administração Nixon, a implementar leis que permitissem estas práticas. Invoco este conjunto de leis apenas para mostrar que os pais há muito tempo têm a responsabilidade de tomar decisões médicas em relação aos seus filhos.

Quanto à “equidade de género”, discuti as disparidades salariais acima, o que demonstra que muitos países ainda lutam para alcançar a “equidade de género”. Tecnicamente, nos EUA, não existem direitos que os homens tenham perante o governo que as mulheres não tenham também. No entanto, os empregadores privados e o mercado tratam as mulheres de forma diferente em algumas questões. Considere a adesão a clubes privados de elite. Só em 2012 é que o famoso Augusta National Golf Club, sede do torneio de golfe Masters, admitiu membros femininos, quando admitiu a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice e a proeminente empresária Darla Moore. Até esse momento, o Augusta National operava como “um clube masculino exclusivo por convite” durante 78 anos.

Quais considera que sejam as diferenças mais significativas entre os EUA e a Europa em relação às atitudes sociais ao nível do aborto, direitos das mulheres e governação?

Uma diferença significativa é o compromisso com o comunitarismo, que anima o compromisso europeu em fornecer redes de segurança social para as pessoas vulneráveis, em contraste com uma maior ênfase nos EUA nos direitos individuais, nas conquistas individuais e na confiança nas fortunas pessoais, em todas as questões. Dentro do ethos da individualidade, acredito que devemos proteger todos e prover para as suas necessidades. O “inverno demográfico” pendente (ou seja, o declínio populacional acentuado) que afeta Portugal, os EUA, a Europa e o mundo ocidental, coloca pressão sobre todas as nações – simplesmente não temos trabalhadores suficientes para apoiar um número crescente de pessoas idosas.

Além disso, todos os países estão cada vez mais endividados.

Neste clima, as nações têm interesse em tentar apoiar as famílias que carregam o peso dos cuidados para se manterem unidas e não caírem nas redes de segurança social, por mais generosas que sejam.

A minha colega na NOVA, Professora Nausica Palazzo, diretora do novo Centro de Estudos de Género, Família e Direito da NOVA, e eu acreditamos que o caso para apoiar os cuidados na família, tal como os governos apoiam as unidades familiares, pode ser melhor recebido na Europa, onde os cidadãos estão mais confortáveis com uma carga fiscal mais elevada em troca de mais benefícios. Dito isso, esperamos construir um caso nos EUA com um apelo bipartidário alargado para apoiar unidades de cuidados diversas, como duas irmãs a viverem juntas e a apoiarem-se mutuamente.

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