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EUA terá que refinanciar 25% da dívida até final do mandato de Trump

Até que Donald Trump saia do poder, em 2029, os Estados Unidos terão de refinanciar aproximadamente 9,2 biliões de dólares (triliões em inglês) de dívida, que vence em 2025, assinala o analista da XTB, Henrique Tomé, ao JE.
13 Maio 2025, 12h51

O mandato de Donald Trump será decisivo ao nível da gestão da dívida norte-americana. Até que o governante saia do poder, em 2029, os Estados Unidos terão de refinanciar aproximadamente 9,2 biliões de dólares (triliões em inglês), ou 8,2 biliões de euros, de dívida, que vence em 2025, assinala o analista da XTB, Henrique Tomé, ao JE.

“Este montante representa cerca de 25% do total da dívida federal, que atingiu 36,2 biliões de dólares (32,5 biliões de euros)”, refere Henrique Tomé.

O analista da XTB acrescenta que grande parte desta dívida “foi emitida com taxas de juro médias em torno de 2,5%”. Mas, alerta Henrique Tomé, com as taxas de juro atuais acima de 5%, “o custo de refinanciamento será substancialmente mais elevado”, estimando-se que os pagamentos de juros “possam aumentar significativamente, consumindo uma parcela considerável” do orçamento federal.

Questionado sobre se os Estados Unidos terão capacidade para refinanciar a sua dívida a um bom custo, Henrique Tomé sublinha que esta tem sido uma das intenções de Trump, pelo que se tem observado uma “pressão” do presidente dos Estados Unidos em relação à Reserva Federal Americana, “para que a mesma comece a reduzir as taxas de juro o quanto antes, a fim de tornar este custo de refinanciamento mais “barato””.

O analista da XTB assinala também que é importante notar que a Fed “não tem” apenas a pressão de Donald Trump, “tem também outras variáveis que apoiam um cenário de cortes dos juros em breve”. Um dos exemplos, dados por Henrique Tomé, prende-se com o abrandamento que se tem assistindo na inflação (excluindo o potencial efeito que as tarifas podem ter), “bem como os indicadores económicos de atividade económica, que também estão a abrandar”.

Henrique Tomé alerta também, remetendo para o comportamento do mercado de capitais americano, pode levar à necessidade de se começar a ver uma “mudança na política monetária, uma vez que as perspetivas sobre os earnings das empresas têm vindo a ser revistas em baixa e têm penalizado fortemente as avaliações das mesmas”.

O analista da XTB adianta ainda que o facto de haver “sinais de incerteza sobre as tarifas e o risco de as pressões sobre os preços se virem a verificar novamente têm colocado a Fed neste impasse”.

O head of trading do Banco Carregosa, João Queiroz, assinala que a subida verificada na yield norte-americana a 10 anos, “agrava” os encargos financeiros associados à rotação da dívida (emissão de nova por vencimento das existentes), “num contexto em que os Estados Unidos terão de refinanciar, aproximadamente, 9,5 triliões de dólares (8,5 triliões de euros na denominação norte-americana) em 2025.

“Mesmo variações modestas nas yields implícitas às soberanas dos Estados Unidos, implicam custos adicionais significativos atendendo à escala da dívida. Por exemplo, uma subida de apenas 100 pontos base representa, num universo de 9,5 triliões, um acréscimo de 95 mil milhões em encargos anuais (85,5 mil milhões de euros)”, refere João Queiroz.

“Com base nas recentes alterações observadas na curva de rendimentos, é possível estimar um aumento médio de 0.30% a 0.70% nos custos de refinanciamento, o que se traduz num encargo adicional anual entre 28,5 e 66,5 mil milhões de dólares (25,6 e 59,8 mil milhões de euros)”, reforça o head of trading do Banco Carregosa.

Apesar destas atenuantes, João Queiroz diz que a capacidade dos Estados Unidos para refinanciarem a sua dívida até ao final do mandato de Donald Trump, previsto para 2029, “é expectável que essa capacidade se mantenha intacta, embora cada vez mais condicionada por pressões estruturais”.

João Queiroz considera que uma das vias possíveis para lidar com esta necessidade passa pelo “alargamento da maturidade média da dívida emitida, transferindo parte do risco de refinanciamento imediato para horizontes mais longos”. Mas, alerta o head o trading do Banco Carregosa, essa estratégia implica “aceitar custos e encargos mais elevados”, atendendo que os prazos longos da curva “apresentam atualmente yields mais elevadas”.

O head of trading do Banco Carregosa assinala que esta inversão de lógica face aos últimos anos, em que se privilegiava o curto prazo devido às taxas negativas ou residuais, coloca “adicionais desafios para a sustentabilidade da trajetória da dívida pública”.

João Queiroz assinala também que a Reserva Federal norte-americana (Fed) embora atualmente em modo de “restrição monetária” através da política de Quantitative Tightening, “mantém instrumentos que poderiam suavizar” os impactos no mercado de financiamento do Tesouro.

“Entre estes destaca-se a possibilidade de expandir facilidades permanentes derepo, reduzir os saldos da conta geral do Tesouro (TGA) ou recorrer a intervenções indiretas de apoio à liquidez institucional, como fundos de pensões ou detentores estrangeiros de dívida. A margem de manobra do Tesouro dos Estados Unidos também poderá passar, a médio prazo, por ajustamentos na política fiscal, embora essa via enfrente sérias barreiras políticas até, pelo menos, às eleições presidenciais”, defende o head of trading do Banco Carregosa.

João Queiroz diz ainda que a capacidade dos Estados Unidos para continuarem a atrair financiamento externo manter-se-á como uma “variável crítica” nos próximos anos.

“Embora o país beneficie, por enquanto, de acesso privilegiado aos mercados internacionais, são cada vez mais evidentes os sinais de retração na procura por ativos denominados em dólares, especialmente por parte da China, do Japão e de várias economias emergentes agrupadas nos BRICS+. Esta alteração progressiva na geografia dos fluxos de capital poderá, a médio prazo, traduzir-se numa crescente dependência de investidores domésticos — nomeadamente Bancos e fundos de obrigações —, cuja alocação a dívida pública é, em muitos casos, orientada por exigências prudenciais e regulamentares”, sublinha João Queiroz.

Contudo, assinala João Queiroz, apesar da “profundidade e liquidez” do mercado obrigacionista dos Estados Unidos e da sua resiliência histórica, os riscos associados ao financiamento da dívida “não podem ser ignorados”.

O head of trading do Banco Carregosa diz que a manutenção de taxas reais elevadas, combinada com o aumento do custo da dívida a longo prazo, “está a comprometer a eficiência do processo de rolagem e a colocar sob pressão a perceção da sustentabilidade fiscal” dos Estados Unidos.

“Paralelamente, a erosão gradual da confiança no dólar como principal ativo de reserva global, num contexto de maior fragmentação monetária e comercial, agrava o ambiente de incerteza. Assim, ainda que o refinanciamento da dívida até 2029 seja tecnicamente exequível, é cada vez mais evidente que se realizará num contexto de maiores custos, menor previsibilidade e riscos acrescidos. A sustentabilidade orçamental dos Estados Unidos dependerá, portanto, de uma articulação eficaz entre política monetária, credibilidade institucional e estabilidade nos fluxos de capitais — fatores cuja margem de tolerância a falhas está a diminuir de forma acentuada”, explica João Queiroz.

Apesar de todos estes desafios, João Queiroz diz que em contextos de aumento da incerteza geopolítica global a dívida soberana dos Estados Unidos “tende a recuperar atratividade relativa”.

João Queiroz assinala que mesmo perante sinais de fragmentação política interna ou riscos jurídicos emergentes — como impasses legislativos, desafios constitucionais ou dúvidas sobre a execução orçamental — os Treasuries continuam, para muitos investidores institucionais, a representar “o ativo de último recurso”.

O head of trading do Banco Carregosa sublinha que esta atratividade “decorre menos da robustez intrínseca” do sistema político dos Estados Unidos e “mais da ausência de alternativas com liquidez, profundidade e convertibilidade comparáveis”.

João Queiroz finaliza referindo que paradoxalmente, crises externas ou perceções de risco sistémico internacional “poderão reforçar, ainda que temporariamente, a procura por dívida americana, mascarando as fragilidades crescentes da sua trajetória orçamental e institucional”.

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