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“Eutanasiar-se”, sim, obviamente!

Uma coisa é certa, por mais que os deputados tenham legitimidade para suscitar e legislar, também não acharia mal – teria sido bem melhor – que a opção tivesse sido o referendo, por mais azo e populismo e demagogias que isso fosse suscitar.
4 Junho 2018, 07h15

Antes de tudo o mais, esclareço já que sou 101% a favor da Eutanásia nas suas diferentes formas, activa, passiva e indirecta, desde que devidamente legislada e praticada por pessoal médico e que, obviamente, estejam asseguradas um conjunto de condições, em concreto discernimento e consciência na reiterada tomada de decisão, independentemente da idade, sendo necessário que a doença e o sofrimento do paciente sejam insuportáveis, isto é, não tenham, de modo algum, cura – e se há algo, neste mundo, que realmente abomino é o sofrimento, seja ele mental, físico ou emocional.

Da mesma forma que sou 101% a favor da Eutanásia, nada tenho contra quem decide suicidar-se nem apodo quem o faz de cobardia, pelo contrário, até considero ser uma decisão individual corajosa e é, para mim, mais do que certo, que quem o faz, como quem quer recorrer à Eutanásia não fará sem mais nem menos, por dá cá aquela palha, ou seja, não é certamente como o pudim instantâneo, que basta mexer para ficar pronto. Ademais, é uma questão de dignidade e liberdade e a nossa consciência e o nosso corpo não pertencem ao Estado nem à sociedade, que a alma é uma invenção da metafísica e da religião e, como dizia Platão, se os cavalos tivessem um deus e soubessem desenhar fariam desenhos dele tal e qual eles, cavalos, nem mais nem menos.

Na Assembleia da República, a Eutanásia foi chumbada mas o assunto não está nada morto, bem pelo contrário, basta ver o que aconteceu com a despenalização do aborto, em Portugal. Foram necessários vários anos e dois referendos com muita discussão política e pública até à vitória do sim, por conseguinte, este chumbo de terça-feira foi apenas o início de um processo que qualquer “viagem” por mais longa que seja tem de sempre começar com o primeiro passo.

De qualquer modo, mesmo que a Eutanásia tivesse sido aprovada, não tenho dúvidas que o Presidente da República não a iria promulgar e tudo voltaria ao mesmo.

Daquilo que li dos quatro projectos levados à votação, em São Bento, pareceram-me equilibrados e bem montados, com a seriedade e a tramitação exigidas para um assunto tão complexo e fracturante, disto não tenhamos dúvidas, que o é e bastante, como, aliás, demonstrou a votação, querendo com isto dizer que ficaria feliz se uma das propostas tivesse sido aprovada e que, na minha óptica, seria um salto civilizacional, ainda que dada a importância e complexidade do tema tivesse preferido que a aprovação em plenário tivesse que ser por dois terços como o são as consideradas matérias fundamentais.

Uma coisa é certa, por mais que os deputados tenham legitimidade para suscitar e legislar, também não acharia mal – teria sido bem melhor –  que a opção tivesse sido o referendo, por mais azo e populismo e demagogias que isso fosse suscitar. Para esta certeza, bastou ver os cartazes “não matem os velhinhos” que andavam a circular nas manifestações anti-Eutanásia, como se, de repente, o país e as pessoas fossem degenerar em “geronto-genocídios”, à moda hitleriana, o que me faz recordar uma estória, verídica, do meu recém-falecido pai que estando à espera de consulta, no Centro de Saúde, respondeu assim a outro velhote que lhe dissera que a médica lhe havia receitado as famosas pastilhas azuis e que aquilo era cá uma alegria: ah Senhor, não faça isso, que eles querem é matar os velhos todos para não nos pagarem a reforma.

Também não tenho dúvidas que a Igreja Católica, Apostólica a Romana, iria entrar numa onda de “Creationism” e de que a vida é sagrada e inviolável e mais isto e mais aquilo que sempre dizem no conforto do bem bom com que a grande maioria da cúria vai vivendo enquanto o povo deste mundo vai padecendo, que é mesmo preciso paciência de Job para os aturar, tinham mas era mesmo que aprender alguma coisa com os monges budistas e passar uma vida a tijelas de arroz para verem o que é bom para a vida e para a saúde. Aliás, dos países em que a Eutanásia está aprovada só um é católico e está tudo dito.

Posto isto, agora só me resta esperar que ainda em vida minha veja, no nosso país, a Eutanásia legalizada e que seja uma médica gira a administrar a medicação, se a tiver que a usar.

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