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Pobreza energética volta a crescer em Portugal e Associação Zero diz que falta literacia energética

A taxa de pobreza energética subiu para 17,5% em Portugal no ano passado, significando que 1,75 milhões de portugueses não têm dinheiro para aquecer as suas casas. O Jornal Económico falou com Islene Façanha da Associação Zero para perceber o que pode ser feito e se os apoios existentes são suficientes.
Demonstrators from Fuel Poverty Action protest outside Parliament against the number of people dying from cold homes in London, Britain, 19 January 2023. Over 13,400 elderly people across the UK, unable to heat the homes due to spiralling energy costs, have died from cold homes related deaths in the last year. EPA-EFE/ANDY RAIN
18 Setembro 2023, 07h30

Os portugueses continuam a não ter dinheiro para aquecer as casas, gastando mais de 10% dos seus rendimentos para a conta energética. É verdade que existem apoios governamentais criados no âmbito deste ciclo de pobreza energética, e o programa do Ministério do Ambiente para os edifícios sustentáveis tem, inclusivamente, uma dotação global de 100 milhões de euros a que qualquer pessoa pode concorrer, desde que cumpra os critérios pedidos.

No entanto, a pobreza energética continua a existir em Portugal, tendo o indicador aumentado para 17,5% em 2022. A Associação Zero defende que a falta de procura pelos apoios se deve à falta de literacia energética existente no país. Islene Façanha, especialista em energia e clima da Zero, conta ao Jornal Económico que os apoios governamentais são “um bom primeiro passo para atacar a base do problema da pobreza energética” mas que, por si só, não são suficientes.

Eficiência energética começa nas janelas e há apoios para isso

A ativista ambiental aponta que um dos maiores problemas destes apoios é a “grande incapacidade das pessoas acederem a serviços básicos e adequados”. Por isso mesmo, a Estratégia Nacional para o Combate à Pobreza Energética, já em desenho, “fica um bocado aquém”, falhando àqueles que mais precisam.

“O programa destinado às famílias e à população mais vulnerável falhou na comunicação dos programas, que não chegam às pessoas. Também a linguagem. As pessoas consideram a linguagem usada muito técnica e não têm conhecimento de literacia energética suficiente para aceder a esses programas”, conta Islene Façanha.

“Há quem troque uma janela mas aquela troca não resolve o problema estrutural da casa, porque o problema da pobreza energética e do conforto térmico dentro das casas é puramente da construção e do isolamento. Seria preciso uma intervenção mais profunda e pessoas qualificadas para acompanhar essas famílias”, evidencia ao JE.

A ativista da Associação Zero lembra que a falha em aquecer as casas se deve, muitas vezes, ao “apodrecimento dos elementos construtivos”. “A deficiência construtiva é muito grande. Esse é um dos principais problemas dos programas nacionais”.

Abordando especificamente o programa Edifícios Mais Sustentáveis, Islene explica o sucesso do mesmo. “Teve maior sucesso porque são pessoas que já têm um bocado mais de literacia energética”. Ou seja, dedicam-se ao tema e já possuem mais conhecimentos.

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Outra situação que continua a fazer perdurar a pobreza energética é o valor. Isto é: o Governo financia o projeto em 85% mas o candidato tem de avançar com o dinheiro, enviar toda a documentação pedida e só depois recebe o reembolso. No entanto, as pessoas não têm a certeza se o dinheiro é restituído, porque os 100 milhões podem acabar e depois não existe mais apoio.

“A pessoa tem de pagar antes e só depois tem o reembolso. Isto significa que tem de existir poupanças para investir na renovação das casas, então também já é outro público”. Para a ambientalista, o “investimento em comunicação é muito importante”.

“Nós recomendámos que as pessoas possam, por exemplo, ter direito a uma ajuda, dar um sinal do valor ou o Governo avançar completamente com o pagamento da renovação”, aponta.

Mas Islene Façanha deixa ainda críticas. “Ainda há muito trabalho a ser feito. A Estratégia Nacional de Longo Prazo para a Pobreza Energética deve ser primeiramente publicada e aprovada. A atual proposta, ainda que seja um bom primeiro passo, foi vaga, superficial e pouco quantificável e não apresentou alinhamento com a estratégia de renovação dos edifícios, que já está publicada e em vigor”.

“Acho que ainda falta um alinhamento das estratégias com metas nacionais e objetivos nacionais e termos também indicadores de concretização claros dos programas. É preciso também inovar esses apoios financeiros, apostar na diversidade e melhorar alguns programas já disponíveis e monitorar a situação nacional, porque não vamos avançar se não existir monitorização”, defende a especialista em energia e clima. 

Ao JE, Islene Façanha diz ainda que “não existe um reforço financeiro para uma fiscalização adequada do uso dos apoios ou a sua condicionalidade a medidas de redução do consumo ou de eficiência energética junto desses consumidores”.

Mecanismo Ibérico vs REPowerEU

O mecanismo ibérico iniciou-se no verão do ano passado e deverá estender-se até ao fim do presente ano. Em conjunto, os Governos português e espanhol criaram o mecanismo temporário para atenuar o preço das faturas de energia das famílias.

O mecanismo veio controlar a escalada descontrolada dos preços, controlando os preços de eletricidade, daí o ajuste MIBEL. Ainda que pareça quase insignificante, a poupança pode chegar aos 14% quando comparado com os preços do gás natural, que disparou desde o bloqueio à Rússia.

Questionada sobre o fim deste pacote da Península Ibérica, Islene lembra que foi um programa “bastante útil para o teto máximo dos preços de produção de eletricidade em Portugal e Espanha”. “Na verdade, o Governo apresentou um pacote de medidas para apoio às empresas e famílias face ao aumento dos custos da energia, reduzindo o impacto desses aumentos e, assim, a pressão para uma redução acentuada do consumo”.

Ainda assim, a ativista indica que “temos de apostar mais em pacotes como aqueles criados pela União Europeia”, como o REPowerEU, também criado no âmbito da invasão à Ucrânia e ao aumento significativo dos preços.

A ambientalista que diz o REPowerEU “ajuda muito, porque pressiona os governos a apostarem na transição energética”. “Acho que deveríamos seguir as diretrizes e acompanharmos estas mudanças. Foi de grande importância, até para pressionar essa transição”.

Vamos chegar aos 0%?

“Espero que sim. Estamos a lutar por isso”, salienta Islene Façanha.

Além de ser um problema energético, este é “um problema de saúde, de habitação e um problema que nos atinge a todos e deveria ser parte da estratégia, inclusive uma das prioridades do Governo”.

O plano governamental, que ainda está para ser publicado, apresenta vários milestones, nomeadamente para 2030, 2040 e 2050. E o que isso implica? “Temos de fazer o trabalho de casa, porque se não o fizermos, não alcançamos as metas a que nos propomos”.

E são estas metas suficientemente ambiciosas? Tudo dependente de como correrem os próximos anos. “Deveríamos ser mais ambiciosos e devíamos levar isto mais a sério. Não é uma questão de agenda política. É uma questão de saúde, do bem estar da população. Acho que [os governantes] deveriam levar isto muito a sério e não ter em consideração a sua agenda política”.

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