O ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos, entre 2008 e 2010, esteve a responder às questões dos deputados depois de uma apresentação longa sobre a sua prestação enquanto presidente, na Comissão Parlamentar de Inquérito que veio na sequência da Auditoria Independente aos Atos de Gestão da CGD praticados entre 2000 e 2015, realizada pela Ernst & Young (EY).
Na sequência de uma questão sobre o crédito concedido a Joe Berardo para a compra de ações do BCP, Fernando Faria de Oliveira explicou que estava em Espanha quando foi convidado para presidente da CGD e não acompanhava de perto as noticias nacionais, referindo-se ao período de assalto ao poder do BCP no tempo de Paulo Teixeira Pinto.
“Quando cheguei à CGD havia 4,5 mil milhões de crédito garantido por ações”, lembrou. Mas, mal começou a exercer funções procurou reforçar as garantias para aqueles créditos que estavam garantidos por ações que caíram muito, como as do BCP, explicou , acrescentando que isto ocorreu “assim que começaram a não serem cumpridas as garantias que tinham sido fixadas na concessão desse crédito”.
Faria de Oliveira disse que uma das coisas que conseguiu no caso de Berardo foi ter obtido um aval pessoal para garantir o seu crédito. A garantia pessoal dada por Berardo foi no valor de 37,8 milhões de euros para cobertura de dívidas.
Mariana Mortágua do BE disse que o último crédito para a compra de ações foi de 38 milhões em abril de 2008 e em maio de 2008 é o ultimo mês que paga juros. Depois acrescenta que foi em novembro o primeiro incumprimento de Berardo à CGD.
Faria de Oliveira descreveu um acordo entre três bancos credores de Berardo em que conseguiram um penhor de 40% da Associação Colecção Berardo e fizeram uma execução dessas garantias.
A deputada Mortágua finaliza a sua intervenção com uma pergunta sobre financiamento a Manuel Fino para comprar ações da Cimpor. Uma das garantias dadas no financiamento, segundo a deputada bloquista, que cita um relatório do Banco de Portugal, foi a potencial mais-valia com uma potencial venda das ações que Fino tinha comprado com um empréstimo do banco. O banco do Estado queria aceitar como colateral do crédito a mais-valia potencial da venda da participação de 20,3% da Cimpor pela Investifino. Isso implicava que Fino recomprasse os quase 10% que cedera à CGD por incumprimento de crédito e depois vendesse a uma terceira entidade com mais-valia. Mais-valia essa que serviria para pagar o crédito bancário.
A Investifino tinha, em 2009, dado em dação em cumprimento 10% da Cimpor (metade da sua participação) à CGD que mais tarde, na crise, o banco vendeu por imposição da troika. Faria de Oliveira lembra o desígnio de querer evitar o desmembramento da Cimpor, que acabou por ocorrer.
O crédito que foi dado a Manuel Fino esteve relacionado com o reforço da posição accionista na Cimpor, com a compra de ações do BCP no auge da guerra de poder dentro do banco, onde Manuel Fino foi um dos principais protagonistas, e o financiamento da oferta pública de aquisição (OPA) sobre a Soares da Costa, em Janeiro de 2007.
A Caixa não foi o único a banco a financiar Manuel Fino. Na lista de financiadores estava também o BCP.
Faria de Oliveira reconheceu que, apenas duas operações do top 25 identificado pela EY foram originadas no seu mandato entre 2008 e 2010, a da Artlant e da Pescanova.
O caso La Seda
Faria de Oliveira presidia à CGD quando foi concedido o empréstimo ao projeto La Seda, que viria a ser um dos mais ruinosos para o banco público, com perdas de 200 milhões de euros.
O ex-presidente da CGD esteve renitente em responder sobre quem impulsionou a decisão da Caixa de financiar o projeto, mas deixou no entanto no ar que foi uma decisão tomada no Ministério da Economia.
“A Caixa foi mais de uma vez instada a participar neste empreendimento”, disse Faria de Oliveira em resposta a Cecília Meireles do CDS que quis saber por quem. Faria de Oliveira disse que foi um projeto defendido pelo Ministro da Economia, José Vieira da Silva (atual Ministro da Segurança Social).
Faria de Oliveira explicou em detalhe o envolvimento da CGD no projeto da construção da fábrica da La Seda em Sines, a Artlant.
Na apresentação inicial disse ser “uma operação de financiamento de um projecto classificado como de interesse nacional (PIN), com uma forte componente exportadora, com potenciais sinergias positivas no setor petroquímico em Portugal e assente numa tecnologia comprovada e energeticamente eficiente. Havia compromisso contratual do Estado e pre-contratual da CGD”.
“Essa operação vinha na sequência de uma estratégia definida e implementada desde 2006, com o envolvimento do CGD como acionista e financiador do promotor”, explicou acrescentando que “houve um envolvimento ativo do Estado Português no apoio ao projecto. O valor total de incentivos financeiros e fiscais e fundos atribuídos pelo Estado foi da ordem dos 100 milhões de euros e a Inovcapital participou no capital da empresa com 15 milhões de euros”.
Houve “envolvimento de um reputado grupo industrial português como acionista relevante [a Imatosgil] e com forte influência na gestão da casa mãe, assim como de um fundo de investimento privado”, explicou.
A due diligence técnica foi assegurada por consultor internacional especializado (PCI) e modelo financeiro do projecto auditado por reputada firma de auditoria internacional (KPMG), adiantou ao mesmo tempo que disse que “a intenção inicial de sindicar a operação estruturada deparou-se com um mercado bancário praticamente encerrado para estas operações devido à grande crise financeira internacional (2008-2009) e posteriormente ao deflagrar da crise das dívidas soberanas que tão duramente atingiu o nosso país”.
“A queda de mais de 50% do preço internacional do produto produzido pela La Seda e posterior falência da casa mãe [Artlant] tiveram um impacto muito negativo no sucesso do projecto”, contextualizou.
No entanto, acrescentou, “a reentrada em operação da fábrica em causa, após a venda da operação pelos acionistas, em que a CGD se incluiu, ao maior produtor mundial do sector, que exportará entre 600 e 700 mil toneladas de produto, ou seja, presumivelmente entre 300 e 400 milhões de euros, tornando-a um dos maiores exportadores nacionais. Esta é a melhor evidência da racionalidade do projeto”.
Depois explicou o bridge finance (de 30 milhões) que foi concedido para o arranque da fábrica da La Seda em Portugal, explicou. Era uma fábrica petroquímica em Sines.
A CGD foi convencida a entrar no capital da La Seda, em 2005, e que teve como objetivo influenciar as decisões do grupo catalão para trazer um investimento para Portugal.
A CGD foi acionista com 14,77% e emprestou 476 milhões de euros.
O ex-presidente da CGD disse que este era um investimento importante para Portugal, e lamentou que o projeto tenha acontecido num momento terrível, durante a crise financeira global, mas não duvidou, nem duvida, da bondade do projeto.
“A racionalidade do projeto é evidente neste momento, vai contribuir para as exportações nacionais com 400 milhões”, explicou Faria de Oliveira. O projeto acabou nas mãos dos tailandeses da Indorama, gerando 400 postos de trabalho diretos e indiretos.
“A melhor prova de que a decisão foi a correta dada a informação disponível à época, é que hoje, depois de ter sido comprado por outra companhia, a fábrica de plásticos é um dos maiores exportadores nacionais.
“Vai dar contributo significativo para a economia nacional”, referiu Faria de Oliveira.
O caso Pescanova
A outra operação do Top 25 da EY a ser concedido no tempo de Faria de Oliveira na CGD é uma operação de financiamento de um projecto também classificado como PIN e com forte componente exportadora. Na introdução inicial o ex-banqueiro não revela o nome dos clientes, mas durante o inquérito dos deputados foram identificados,
A operação de crédito ao Grupo Pescanova foi financiada em conjunto com outros 3 bancos, com posições muito idênticas à da CGD (um deles era o BES).
Também era “um projecto com forte apoio do Estado Português” e aquando do processo de falência, um instituto público reclamou créditos num valor correspondente a aproximadamente o dobro do crédito da CGD.
“A insolvência inesperada do acionista do projeto, então considerado como uma empresa de elevada reputação e uma das maiores a nível mundial do sector, assim como problemas técnicos na produção tiveram um impacto decisivo no insucesso do projecto”, explicou.
“Ambas as operações têm em comum terem sido consideradas PIN e o facto de os incumprimentos não poderem ser dissociados de factores inesperados e exógenos, que não poderiam ser antecipados à data de análise das operações”, disse ainda.
Depois, na fase das perguntas do deputado do PSD, Duarte Marques, o ex-presidente da CGD falou da passagem de testemunho da anterior administração liderada por Carlos Santos Ferreira. Faria de Oliveira revelou que Santos Ferreira o alertou para a forte desvalorização das ações do BCP.
“Nas 25 principais operações de crédito identificados pela EY, apenas duas foram originadas durante o triénio 2008/2010, mais concretamente até ao fim do mandato do Conselho de Administração em Julho de 2011, um período global de 43 meses. De acordo com a informação disponibilizada pela EY, 21 operações foram originadas antes e duas após o triénio 2008/2010”, disse.
“Tanto quanto me recordo no meu mandato não houve aprovação de operações de crédito relevantes com parecer negativo [do departamento de risco] acho que não ocorreram. Com parecer condicionado sim. Mas o que é um parecer condicionado? É um ‘Sim, Mas'”, revelou.
Na ronda de perguntas que coube a Fernand0 da Rocha Andrade, do PS, as perguntas centraram-se na relação com o Governo. “A minha relação com a tutela não pode ter sido mais construtiva, e realista face à situação que o país vivia”, disse Faria de Oliveira. Revelou que teve com “ministros setoriais algumas reuniões e telefonemas para olhar para um número de operações” mas assegurou que não foi pressionado em nenhuma decisão.
O ex-presidente da Caixa defende no entanto que o “poder político tem de saber até onde está disposto a ir no apoio à economia”. Por exemplo, se “dá instrução à Caixa sobre a política de risco que pode assumir e o banco tem de seguir”.
“Obviamente que não se subestimaram as imparidades a constituir, no meu Conselho de Administração”, disse Faria de Oliveira que explica que a CGD tinha uma metodologia de cálculo de imparidade assente num modelo de imparidade coletiva para os clientes a que a CGD tinha uma exposição mais diminuta e de imparidade individual para as principais exposições.
“O modelo de cálculo de imparidade coletiva tinha fatores de risco como “probability of default” e a “loss given default” que eram regularmente calculados pela DGR [direção de risco] e posteriormente revistos pelo Conselho de Administração e pelos Auditores Externos. Tratava-se de um modelo técnico, robusto e sensível a qualquer indício adicional de imparidade, como seja o não pagamento atempado de prestações pelos clientes, tendência que foi acentuada com a deterioração do enquadramento macro-económico ao longo do nosso mandato. Nas principais exposições avaliava-se individualmente, no Conselho de Imparidades, a imparidade com base nos contributos das DGR e da respectiva Direção Comercial e discutidos vivamente com os auditores externos”, disse o ex-gestor da CGD.
“Conforme se pode constatar de seguida, no final do meu mandato a cobertura do crédito vencido e do crédito em risco por imparidades era claramente mais elevada que a da média do setor bancário em Portugal”, refere.
Fernando Faria de Oliveira disse ainda que “as imparidades adicionais constituídas aquando do processo de recapitalização em 2016 resultaram de uma mudança de critério no sentido do Estado se comportar como se fosse um investidor privado que avalia os activos numa lógica de venda imediata forçada (“gone concern”) e não de continuidade (“going concern”), que justificou o aumento acentuado das imparidades”
Mas isto “não significa que as imparidades anteriores estivessem erradas, mas sim que os critérios adotados em 2016 não são comparáveis nem com o passado nem com as restantes instituições financeiras. Basta ver que o custo de risco de crédito da CGD em 2017 e 2018 foi significativamente inferior ao da média do setor bancário, para constatar que os critérios de imparização da CGD em 2016 foram diferentes das outras instituições financeiras em Portugal”, explicou.
“Incumpriram-se no processo de decisão de crédito os normativos internos ou o enquadramento legal vigente na altura? Não e não”, disse.
(atualizada)
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