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Febre dos carros elétricos chineses chega agora aos robôs

Desenvolvidos com tecnologia dos próprios veículos, os humanoides começam a ser adotados nas fábricas, inclusivamente da Volkswagen e da Tesla.
Donat Sorokin / TASS
4 Agosto 2024, 17h31

Leila Navarro, 71 anos, oradora motivacional e ‘influencer’, veio pela pela primeira vez à China para uma conferência em Xangai que teve lugar no início de julho, e voltou com um cão-robot. Pagou 15,5 mil yuans (1.900 euros) e já está passeia com o gadjet em São Paulo.

Foi a um parque e, conta, o cão-robot chamou a atenção dos polícias. “Fiquei encantada e comprei para uso doméstico, porque ele dança, diz algumas coisas, pode interagir com as pessoas, trazer um copo de água”, descreve. “Mas a ideia é que ele trabalhe em segurança. Fui andar com ele, no primeiro dia em que saiu comigo, e os polícias vieram falar que seria ótimo que ele ajudasse a fazer ronda”.

Mas o que mais chamou a atenção na exposição paralela à conferência em Xangai, inclusive desta ‘influencer’, foram os 18 robôs humanoides alinhados na entrada. “Estava cheio deles, e o que percebi é que os chineses são muito práticos. Estão menos preocupados em humanizar e mais em ganhar escala e ser uma coisa funcional. Robôs que passam roupa, que fazem massagem, que cozinham.”

Apelidados de 18 Arhats, em referência aos primeiros seguidores de Buda, estes refletem uma indústria que em 2023 cresceu 86% em relação ao ano anterior, na China, e que guarda relação com o crescimento do setor de carros elétricos no país. Atualmente, é nos fabricantes que a aplicação dos robôs com aparência humana mais promete.

Não à toa, uma das atrações na exposição foi o Optimus Gen 2, nova versão do robô humanoide da Tesla, mantido numa redoma de vidro distante dos 18 da linha de frente chinesa. A projeção do CEO Elon Musk é que milhares destes ocupem o chão da fábrica no ano que vem, possivelmente na “gigafábrica” em Xangai, a maior da fabricante a nível mundial.

A empresa chinesa de robótica UBTech já tem humanoides a trabalhar numa fábrica da fabricante de carros elétricos NIO, também chinesa, e anunciou paralelamente à conferência ter fechado contrato com a joint venture da Volkswagen no país para desenvolver uma fábrica sem humanos, só com humanoides, em Qingdao. Entre as tarefas, estão a inspeção dos carros, inspecionar cinto de segurança, montar componentes e manusear peças.

“É muito importante também considerar o papel que a cadeia de suprimentos da indústria de veículos elétricos teve nos robôs de inteligência artificial”, diz TP Huang, analista financeiro especializado no setor automotivo. “Coisas como chips de IA, navegação, Lidars [tecnologia de detecção e alcance de luz, para identificar objetos], câmeras e tudo mais que realmente importa ao construir um robô de IA, seja canino, humanoide ou de entrega de comida.”

Este sublinha a experiência acumulada com a operação de robotáxis pela Baidu, uma das principais no desenvolvimento de inteligência artificial no país, em cidades como Wuhan, onde acaba de entrar em circulação uma nova frota, agora com mil destes. “Outras, como DiDi, também o farão”, acrescenta, ressaltando a empresa de transporte urbano conhecida no Brasil como 99.

A indústria de robôs ainda está no começo, avalia Huang, sobretudo em relação aos humanoides. “A grande pergunta é onde serão usados.” Há modelos com formato mais adequado do que eles para entrega ou para cozinhar, por exemplo.

Uma área provável, segundo o analista, é o atendimento domiciliário e outras tarefas direcionadas a serviços, “em que as pessoas querem interagir com robôs que são de tamanho, locomoção e movimentos semelhantes aos nossos”. No caso de robôs caninos, eles poderiam atuar como guias para cegos na China, onde há falta de cães para a tarefa.

A consultora brasileira em tecnologia Mila Ghattas, estabelecida em Xangai e que organizou a presença de 36 enviados de empresas do Brasil à conferência, concorda que o quadro “ainda está mais naquele primeiro impacto, e a utilidade desses robôs ainda é algo para ser estudado”.

Esta interessou-se mais por um conceito de robô antropomórfico, com o busto de uma jovem chinesa, que encontrou na exposição. “Eles começaram a aparecer, o que se chama na robótica de ‘uncanny valley’, vale da estranheza. Ela estava pequenininha lá. Você vê, e a sua reação humana é de estranheza, de que tem alguma coisa errada.”

O impacto nos media dos robôs de Xangai foi grande, a ponto de se sobrepor à conferência, que havia reunido CEOs conhecidos da indústria de tecnologia de China e EUA, além de autoridades para discutir governança global de IA. A própria conferência acabou lançando “Normas para a Governança de Robôs Humanoides”, logo comparadas às Três Leis da Robótica do escritor Isaac Asimov (1920-92).

“A China está a ganhar protagonismo, tanto nas leis de robótica como de IA”, diz Ghattas. “Acho fascinante como o país trabalha a questão de lei versus desenvolvimento. Fala, ‘desenvolve, vamos ver o que você consegue’. E só depois começa a regular. Porque, se regular antes do desenvolvimento, limita a criação. Olhe a capacidade a que já chegaram esses robôs.”

As Leis de Xangai, como apelidadas, foram elaboradas por cinco diferentes instituições da cidade, reunindo de advogados a empresas de IA. Têm abordagem mais ampla, como a recomendação de alertas de risco, mas algumas de suas normas ecoam Asimov, como “não ameaçar a segurança humana” (no escritor, “não ferir um ser humano”).

Leila Navarro, satisfeita com seu cão robô, quer regressar à China no ano que vem e comprar um humanoide. “A empresa do cão [Unitree Robotics, de Hangzhou] está lançando um, mas não estava pronto para venda”, diz ela. “É o melhor dos que eu vi, até que o do Elon Musk. Ele dobra e fica numa mala. E esse homem lava a louça, limpa a casa, conversa com você. Já pensou, um companheiro de vida?”

Em Xangai, o lançamento de maior repercussão foi o Qinlong ou dragão verde, da Humanoid Robots, da própria cidade. Com 1,85 m e 80 kg, ele combina, segundo a apresentação, “membros inferiores móveis para caminhada ágil”, 1 metro por segundo carregando 40 quilos, “com membros superiores leves e de alta precisão para operações”. Entre outros atrativos, faz café.

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