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Fernando Haddad em Lisboa: “Houve quase uma mudança de regime no Brasil” com prisão de Lula e eleição de Bolsonaro

O substituto de Lula da Silva na mais recente eleição presidencial do Brasil, derrotado na segunda volta, discursou ontem em Lisboa e avisou que os direitos civis, políticos e sociais estão em risco por causa da subida ao poder de Jair Bolsonaro. “Quando você perde para a extrema-direita, sobretudo dessa natureza que assumiu o poder no Brasil, tudo está em discussão”, afirmou Haddad.
23 Janeiro 2019, 08h08

“Não houve propriamente alternância de poder no Brasil. Se nós tivéssemos tido uma mera alternância de poder, nós não estaríamos tão apreensivos”, salientou ontem Fernando Haddad, ao discursar na Casa do Alentejo, em São Lisboa, numa sala sobrelotada. “Houve na verdade quase uma mudança de regime”, alertou o político brasileiro, militante do Partido dos Trabalhadores (PT), antigo prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação num Governo de Lula da Silva e candidato derrotado na segunda volta da mais recente eleição presidencial brasileira que resultou na vitória de Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal.

“Se nós tomarmos a crise como um todo, de 2013 para cá, é quase uma mudança de regime. O ‘impeachment’ da Dilma [Rousseff] é quase uma mudança de regime. A prisão do Lula [da Silva], da maneira como foi feita, porque nós estamos a falar aqui de um processo quase que espúrio, construído, para que ele não participasse nas eleições… Quando você conversa com juristas e explica o conteúdo daquele processo, as pessoas dizem que custa a acreditar que possa ter acontecido o que aconteceu. A ONU desautorizada, na sua recomendação para que Lula participasse nas eleições”, declarou Haddad, junto a uma mesa com as bandeiras da República Federativa do Brasil e do PT. Na assistência encontravam-se alguns políticos portugueses, nomeadamente Isabel Moreira (PS) e José Soeiro (BE).

“E depois com uma campanha completamente atípica”, prosseguiu Haddad. “Atípica não apenas pelo atentado [contra Bolsonaro] que aconteceu ou não. Mas também os episódios que antecederam o primeiro turno, com aquela disseminação de calúnias contra mim e a Manuela [D’Ávila, candidata a vice-presidente pelo PT] que afetaram fortemente o humor sobretudo do segmento evangélico brasileiro. Só para vocês terem uma ideia, as pesquisas que antecederam o segundo turno das eleições, davam empate técnico entre mim e Bolsonaro no setor não evangélico, tudo somado. E no setor evangélico, dois para um, por cada dois votos que ele teve, eu tive um. Para vocês terem a ideia do poder da disseminação das fake news”.

“Mas eu falo de uma mudança de regime porque, efetivamente, para aqueles comprometidos com as jornadas democráticas, de obtenção de direitos, que têm mais ou menos a lembrança de como isso tudo começou com as revoluções da virada do século XVIII para XIX, nós temos a lembrança de que isso exige muita luta, não é? Dos trabalhadores, das mulheres, dos negros… Nada veio de graça, no campo da democracia. Quando começou a luta pelos direitos civis, depois a luta pelos direitos políticos, em alguns países as mulheres só conseguiram o direito de voto recentemente, depois da Segunda Guerra Mundial. Tudo isso foram jornadas de lutas, a criação de direitos. Os direitos sociais são recém-conhecidos nossos, não havia a ideia de um sistema universal de saúde público, um sistema público de educação, um sistema providencial, um sistema assistencial, nada disso existia e foram sobretudo conquistas”, argumentou Haddad.

“São gerações diferenciadas de direitos. E tragicamente, no Brasil, o que a gente vê é que nada disso está preservado”, sublinhou. “Porque quando você perde para a direita, ou o centro-direita, tem uma parte disso que está preservada. Nem discute. Mas quando você perde para a extrema-direita, sobretudo dessa natureza que assumiu o poder no Brasil, tudo está em discussão. A escola laica está em discussão. A alta organização do movimento popular está em discussão, porque podem ou não ser tratados como terroristas os líderes dos ‘sem-terra’ e dos ‘sem-tecto’”, afirmou Haddad, seguindo-se a enunciação de um conjunto de exemplos de intenções ou ameaças por parte do novo Governo de Bolsonaro.

A assistência, na qual se contavam muitos brasileiros, aplaudiu entusiasticamente em vários momentos do discurso. A passagem de Haddad por Portugal insere-se numa espécie de digressão mundial, acompanhado por Tarso Genro (antigo prefeito de Porto Alegre, ex-ministro da Educação no Governo de Lula da Silva, militante do PT) que também discursou ontem na Casa do Alentejo, em Lisboa. “Para obter conhecimento”, explicou Haddad logo no início da sua intervenção. Antes de Portugal, os dois membros do PT estiveram em Espanha, onde se reuniram com Felipe G e José Luis Rodríguez Zapatero (ex-líderes do PSOE) e também com dirigentes do Podemos. Há poucas semanas passaram pelos EUA onde falaram com o senador norte-americano Bernie Sanders e o antigo ministro das Finanças grego Yánis Varoufákis sobre a ideia de fundação de uma “Internacional Progressista”. Em Portugal estiveram com membros do PS, PCP e BE, inteirando-se sobre a “experiência governativa” (palavras de Haddad) em curso.

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