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FMI: produtividade e investimento ameaçam economia portuguesa

O chefe de missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal, Jean-François Dauphin, elogia a trajetória económica dos últimos anos mas encontra-lhe diversos problemas.
27 Outubro 2024, 10h08

Baixa produtividade e investimento, a par do envelhecimento da população, são alguns dos principais problemas com que a economia portuguesa se depara. “Desde 2019 a média de crescimento de Portugal foi o dobro da média da zona euro, portanto, é um desempenho impressionante”, disse Jean-François Dauphin em Washington, à margem dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, que terminaram este fim de semana.

Uma parte do desempenho da economia portuguesa está relacionada com as consequências da pandemia, que aumentou a poupança acumulada e a vontade de viajar. Isto, “num contexto em que os mercados de trabalho resistiram muito bem, dando um impulso ao consumo, e o investimento foi facilitado pelos fundos europeus, com a absorção a ser mais rápida em Portugal que noutros países”, referiu, em declarações à Lusa.

Portugal, em específico, beneficia do aumento do turismo, “que está para ficar e é o resultado da atratividade do país. Mas a questão é como alavancar alguns dos ganhos que estão na base deste desempenho para que Portugal possa crescer mais depressa e convergir mais rapidamente com a União Europeia no padrão de vida e dos rendimentos”.

O país, disse Jean-François Dauphin, melhorou bastante na formação e educação, “mas é preciso olhar para medidas mais abrangentes para aumentar a produtividade, tornar o ambiente empresarial mais fácil e com menos burocracia, e tornar o mercado de trabalho um pouco mais flexível”.

Questionado sobre as principais ameaças ao crescimento económico de Portugal, que o FMI estima rondar os 2% este ano e no próximo, o economista francês elencou elementos comuns à Europa, como o aumento da tensão geopolítica e as variações súbitas nos preços das matérias-primas que, por sua vez, aumentam a pressão sobre a inflação. Mas salientou que Portugal tem também ameaças específicas.

“No geral, Portugal enfrenta baixa produtividade, insuficiente nível de investimento público e uma população a envelhecer, e a chave para garantir que a economia continua a crescer é lidar com estes três pontos”, apontou o economista francês que é também responsável pela Bélgica e pela Bulgária no departamento europeu do FMI.

Depois da aprovação do programa de ajustamento financeiro “muito difícil” no princípio da década passada, Portugal “fez um trabalho extraordinário” que se revela num número impressionante, acrescentou: “Desde a pandemia da covid-19, a dívida pública em função do PIB desceu mais de 35 pontos percentuais, o que é extraordinário e quase único na Europa, e é um testemunho do grande consenso entre os decisores políticos, e acredito que também na população, da importância da responsabilidade orçamental”.

O chefe de missão disse, por outro lado, que as alterações à versão inicial do IRS Jovem vão na direção certa e defendeu o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. “A versão revista do IRS Jovem vai na direção certa porque é menos onerosa e, por isso, apreciamos o esforço”, disse Jean-François Dauphin. Apesar da concordância com o novo modelo negociado entre o Governo e o Partido Socialista (PS), o FMI continua a considerar que a questão de fundo – motivar os jovens a ficarem em Portugal em vez de emigrarem – deve ser tratada numa perspetiva mais abrangente e não com medidas orçamentais específicas.

“A medida é custosa e não temos a certeza de que será eficaz. Por isso, encorajamos o Governo a pensar duas vezes, porque a maneira como vemos a questão que tenta resolver, que é a emigração da população jovem, uma preocupação válida, é que o modo de abordar a questão tem de ser mais abrangente, e é trazer os padrões de vida para a média da zona euro. Por isso, o esforço devia estar em aumentar a produtividade e colocar a economia a crescer mais depressa, convergindo para a média da zona euro”, disse o economista francês que lidera a missão do FMI para Portugal.

Jean-François Dauphin defendeu também o fim dos subsídios aos combustíveis, primeiro por uma razão orçamental, e depois porque o FMI considera que este tipo de apoio não diferencia entre quem precisa e quem não precisa dele. “Quando olhamos para o Orçamento do Estado para 2025, recomendamos gradualmente o aumento do investimento público, mas é difícil porque a questão é encontrar espaço dentro do envelope financeiro para ter mais investimento e, por isso, recomendamos que se olhe para as isenções incluídas no sistema fiscal, que estão lá por boas razões, mas há que ver se são eficazes e avaliar a relação entre o custo e o benefício”, disse o economista.

Questionado sobre quais as medidas, em concreto, que deviam ser alteradas no sistema fiscal, Dauphin apontou para o IVA, o IRS e o IRC, salientando que “o custo das isenções é equivalente a 6% do PIB, enquanto a média na zona euro é de 4%, portanto reduzindo as isenções fiscais para a média da zona euro há uma margem de 2 pontos percentuais para aumentar o investimento sem influenciar o resultado orçamental”, que o FMI classifica como “pequeno excedente que é apropriado”.

Instado a apontar quais as alterações que devem ser feitas nos impostos, o chefe de missão do Fundo a Portugal disse que existe uma unidade no Ministério das Finanças que terá precisamente esse trabalho e apontou novamente baterias para a eliminação dos subsídios aos combustíveis.

“As energias de combustíveis fósseis devem ter o preço certo, e os subsídios incentivam o consumo daquilo que queremos que seja reduzido; além disso, são medidas regressivas, ou seja, os benefícios em euros dos subsídios custam menos aos ricos do que aos mais pobres”, argumenta o economista.

Portugal, continuou, “é muito ambicioso em matéria de transição climática”, e o Fundo apoia o objetivo, mas não a maneira de chegar lá: “Estes subsídios não só criam ventos contrários à transição climática, como são injustos também, daí argumentarmos que é boa ideia reduzi-los”. Para o FMI, seria mais produtivo “desenhar um apoio direto às famílias mais necessitadas”, em vez de um subsídio que atinge todos por igual.

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