Depois de muitas horas em silêncio, o presidente francês, Emmanuel Macron, pediu ao primeiro-ministro demissionário, Sébastien Lecornu, que, “até quarta-feira à noite”, mantenha negociações sobre uma “plataforma de ação e estabilidade” que, a julgar pelas declarações anteriores e posteriores de quase todas as forças políticas, está votada ao mais evidente fracasso.
Segundo a imprensa francesa, o Palácio do Eliseu anunciou que “o Presidente da República confiou ao Sr. Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro cessante responsável pelos assuntos atuais, a responsabilidade de conduzir as negociações finais entre agora e quarta-feira à noite para definir uma plataforma de ação e estabilidade para o país”.
Após este anúncio pelo Eliseu, Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro demissionário, escreveu nas redes sociais que havia “concordado, a pedido do Presidente da República, em conduzir as discussões finais com as forças políticas para a estabilidade do país. Direi ao Chefe de Estado na quarta-feira à noite se isso é possível ou não, para que ele possa tirar todas as conclusões necessárias”.
Mas a paciência entre a oposição parece ter-se esgotado. Depois de ter passado a manhã a exigir a demissão de Macron e a convocação de eleições presidenciais antecipadas, o líder do França Insubmissa, Jean-Luk Mélenchon, decidiu radicalizar a posição do partido que dirige e subia a parada mais um degrau: apresentou um pedido de impeachment sobre Emmanuel Macron. O pedido foi apresentado à Assembleia Nacional por 104 parlamentares – os 70 ‘insubmissos’, mais verdes e comunistas – que será examinado pela mesa na manhã de quarta-feira. “Cada partido político será confrontado com as suas responsabilidades “, escreveu Manuel Bompard, coordenador nacional da Frente de Mélenchon e líder do grupo de parlamentares no seu comunicado.
O artigo 68 da Constituição prevê que o Chefe de Estado pode ser destituído do cargo em caso de “incumprimento das suas funções manifestamente incompatível com o exercício do seu mandato”. Um texto muito vago e muito pouco específico, a que se acrescenta, segundo a imprensa francesa, uma complexidade processual que implica que as hipóteses de sucesso da moção são muito pequenas. Mas o estrago político está feito e dificilmente Macron pode enterrar-se ainda mais no pântano político que desencadeou quando decidiu dissolver a Assembleia Nacional em junho de 2024, depois dos desastrosos resultados das suas hostes nas eleições para o Parlamento Europeu.
Ao longo do dia, dois factos marcaram a agenda política francesa: o pedido de demissão a Macron – ou ao menos a convocação de eleições antecipadas para uma nova Assembleia Nacional através da sua imediata dissolução; e a tentativa dos partidos centristas convencerem os franceses de que não tiveram culpa na demissão de Lecornu.
Quando ao pedido de demissão de Macron, teve pelo menos a curiosidade de proporcionar um encontro de vontades entre a extrema-direita do Rassemblement National (RN) e a esquerda ‘insubmissa’. O RN de Le Pen veio apelar a eleições: “O macronismo está morto. Macron deve agora escolher: dissolução ou renúncia, e rápido!” e acrescenta o pedido de um “regresso às urnas” dos franceses. “A desordem deve acabar”, acrescentou o porta-voz da RN, Sébastien Chenu, que lamenta “um Estado em crise, governos sucessivos, instituições paralisadas e o povo francês abandonado”. Pouco depois, Marine Le Pen insistia, voltando a apelar a Emmanuel Macron para dissolver a Assembleia Nacional. Uma decisão que considerou “absolutamente necessária”. “Estamos no fim da linha, não há solução e não haverá amanhã”, disse, acrescentando que “a única decisão sensata nestas circunstâncias […] é voltar às urnas e que os franceses deem direção ao país. A farsa já dura há tempo a mais”, acrescentou, dizendo que o presidente “colocou o país numa situação terrivelmente complicada”.
Para Jean-Luc Mélenchon, a renúncia do terceiro governo em um ano “é o sintoma do impasse em que a Quinta República inevitavelmente mergulhou: Há uma contradição entre a legitimidade da eleição presidencial e a das eleições legislativas”. E denunciou “a incapacidade do presidente da República de controlar tal situação”. Mélenchon pediu que se “assumisse de frente o cerne do problema, ou seja, o presidente da República e sua legitimidade para continuar a decidir em tais circunstâncias”, reiterando o seu apelo pela demissão de Emmanuel Macron. “Ele é a origem do caos”, declarou, criticando “a determinação do presidente em decidir o oposto do que havia sido dito nas eleições legislativas”.
Os ‘compagnons de route’ apoiaram. A secretária nacional dos Verdes, Marine Tondelier, anunciou que o seu partido convocou um “conselho político de emergência”. “Desde o dia em que foi nomeado, no início de setembro, eu disse que a equação de Sébastien Lecornu era insolúvel. Porque as mesmas causas (um macronista em Matignon enquanto eles perdem as eleições) inevitavelmente levam às mesmas consequências “, afirmou. Do seu lado, Olivier Faure (PS), secretário-geral do PS francês – e a grande aposta de Lecornu para ter apoio parlamentar suficiente para formar governo, disse que a demissão do primeiro-ministro foi pedida “com dignidade e honra”. “Perguntava-me se ainda havia um gaullista neste país. Havia um”, declarou.
Socialistas disponíveis
Boris Vallaud, líder dos deputados socialistas, declarou entretanto que a missão confiada a Sébastien Lecornu por Emmanuel Macron para liderar as “negociações finais” até quarta-feira à noite “ainda faz parte do choque que nos atingiu. Que legitimidade adicional tem o Sr. Lecornu, ele que fracassou?”. “Não compreendo a missão que lhe foi confiada, não compreendo a intenção do presidente da República. O que mais ele pode propor ou fazer que não tenha feito nos últimos 27 dias?” E para reiterar sua disponibilidade para participar de um futuro governo, disse que “a proposta que fazemos é assumir as nossas responsabilidades e dizer que estamos disponíveis para exercer o poder.” Questionado sobre a identidade do “nós”, Boris Vallaud respondeu que era o Partido Socialista, os Ecologistas, a Place Publique [de centro-esquerda] ou mesmo o Partido Comunista. “Acredito saber que os insubmissos’ têm como prioridade a demissão do Presidente da República. Perguntamo-nos como podemos ser úteis ao povo francês imediatamente e não na sequência de uma hipotética eleição ou demissão.”
Para os analistas, é altamente improvável que Macron aceite a gentil proposta dos socialistas – e o que está para já claro é que o presidente está a tentar ganhar tempo. Para já, conseguiu uma ‘pausa’ até esta quarta-feira à noite, mas aparentemente ninguém conseguiu ainda perceber para o que servirá.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com