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Gabriela Figueiredo Dias lança recados sobre a reforma da supervisão financeira em discurso público

A presidente da CMVM lançou luzes sobre o que defende para o novo modelo de supervisão financeira num discurso público. Deve assegurar a independência dos reguladores quer face ao poder político, quer face a entidade reguladas; deve assegurar condições idênticas entre os supervisores e entre os supervisionados; e deve imputar o menor custo possível aos supervisionados.
27 Fevereiro 2019, 18h10

A intervenção da Presidente do Conselho de Administração da CMVM, Gabriela Figueiredo Dias, sobre “A regulação e supervisão nos mercados financeiros”, proferida na conferência “As políticas públicas pelo olhar dos reguladores”, organizada pela Ordem dos Economistas e pela Universidade de Évora, foi carregada de “recados”, sobre e reforma em curso da supervisão financeira.

Gabriela Figueiredo Dias, no seu discurso, defendeu que o modelo de supervisão financeira deve ser claro na forma de alocar as responsabilidades de supervisão; deve assegurar a independência dos reguladores quer face ao poder político, quer face a entidade reguladas; deve assegurar condições idênticas entre os supervisores e entre os supervisionados; deve assegurar mecanismos de condição efectiva de fiscalização dos supervisores; deve antecipar a evolução futura do sistema financeiro; deve assentar na estrita cooperação entre supervisores ou áreas de supervisão e com o menor custo possível imputado aos supervisionados.  Estas são as linhas de orientação que defende para a reforma da supervisão financeira, deixando antever o conteúdo do parecer que a CMVM deu à reforma que está a ser levada a cabo pelo Ministério das Finanças.

Numa clara alusão à reforma em curso da supervisão financeira, a presidente da entidade de supervisão explicou que os reguladores devem participar na definição do modelo de supervisão adequado e que é necessária uma análise de alternativas. Essa definição “carece da condução de uma análise de impacto regulatório que, sendo imperativa para todas as políticas que visem alterações estruturais do status quo, é particularmente exigível quando se trate de políticas sobre o setor financeiro, trave mestra do equilíbrio económico e social e simultaneamente um setor fortemente fustigado, no nosso país, nos tempos mais recentes, com consequências que estão longe de ter sido eliminadas”.

Uma vez identificados os problemas, definidas as causas e as alternativas, e tomadas as decisões justificadas sobre as políticas a adotar, “segue‐se como último passo a implementação da alternativa mais simples, clara e eficaz, a qual deverá ser acompanhada de sistemas de enforcement e monotorização adequados face aos objetivos a alcançar”, defendeu.

Gabriela Figueiredo Dias apelou a um modelo sólido e resiliente de supervisão do sistema financeiro que “será também um modelo que minimizará os encargos para as finanças públicas com o sistema financeiro, bem como encargos para o próprio sistema financeiro, e que crie condições para que o mesmo possa servir, de forma sustentada e a longo prazo, a economia, a criação de emprego, a comunidade nacional e o ambiente”, numa subtil referência ao financiamento da entidade que o Ministério das Finanças quer reforçar, o Conselho Nacional dos Supervisores Financeiros

Os reguladores devem participar na conceção das políticas dirigidas ao setor onde atuam, defendeu a presidente da CMVM que reconheceu que “a reflexão em torno da eficiência e eficácia da regulação e da supervisão financeiras, bem como as escolhas e decisões a adotar, desenvolve‐se, como não podia deixar de ser, em estreita dependência com as políticas públicas definidas pelos decisores políticos num determinado momento e contexto económico e social”.

“A resposta aos problemas e fragilidades identificados nesse contexto deve também ser construída à luz dos princípios de “Melhor Regulação” (better regulation), ancorada em políticas públicas robustas, de elevada qualidade e orientadas para resultados”, referiu.

A presidente do supervisor dos mercados de capitais, alertou ainda que a participação dos reguladores na reforma da supervisão financeira justifica-se com “o conhecimento que detêm do setor e das suas especificidades, bem como o caráter independente destas entidades que aconselha ao seu envolvimento na definição daquelas políticas, de modo a que a sua atuação não se resuma na mera execução de políticas concebidas pelo decisor político e a conferir‐lhe uma margem adequada de autonomia na forma de endereçar os problemas”, disse.

Gabriela Figueiredo Dias defendeu “que um processo saudável de criação de políticas públicas em matéria de regulação e supervisão financeira, não prescinde por isso de uma participação ativa dos próprios reguladores na sua criação, que devem contribuir para a observância do rigor processual e da qualidade material das políticas, nomeadamente quanto ao que regulamentar, quem regulamentar e como regulamentar”.

“Uma das principais e mais relevantes formas de expressão das políticas públicas para o setor financeiro, se não mesmo a mais relevante, pela sua natureza estrutural, reside na definição dos modelos de supervisão financeira”, disse, mais uma vez numa clara alusão à reforma da supervisão financeira que está a ser levada a cabo pelo Ministério das Finanças.

“Depende desses modelos a configuração da própria regulação, a estruturação dos temas de supervisão, o tipo de abordagem, a distribuição de responsabilidades, a perspetiva da supervisão”, explicou.

A reflexão sobre a composição institucional das estruturas de supervisão financeira “constituiu uma reação comum a vários países na sequência da crise financeira global”, admitiu. “Essa reflexão visa a definição ou escolha de um modelo institucional que sirva da melhor forma o interesse público da supervisão e indiretamente, a qualidade, resiliência e integridade do sistema financeiro”. adianta.

Gabriela Figueiredo Dias enumerou, em termos genéricos, os três principais modelos de supervisão passíveis de ser adotados: o modelo funcional ou setorial, em que diferentes supervisores são responsáveis pelas diferentes áreas de atividade do setor financeiro (banca, seguros e mercado de capitais); o modelo integrado (ou monista), que se caracteriza pela existência de uma única autoridade de supervisão com poderes de atuação sobre todo o sistema financeiro; e o modelo baseado nos objetivos prosseguidos (também conhecido por modelo Twin Peaks). Neste último, os “peaks” correspondem a dois objetivos, a estabilidade financeira e a protecção do consumidor. O cerne deste modelo encontra-se na divisão da supervisão prudencial e da supervisão comportamental em dois reguladores diferentes, com competência específica para exercer competências relacionadas com cada um dos tipos.

“Não existe uma convergência sobre o modelo de supervisão ideal ou objetivamente mais eficiente e eficaz, nem sequer modelos dominantes”, reconheceu Gabriela Dias.

“Neste contexto, decisivo é assegurar, em cada caso, perante os problemas e caraterísticas específicos identificados num sistema financeiro em particular, um tratamento eficaz e devidamente calibrado dos interesses (e respetivos conflitos) em presença, considerando, de forma tão inevitável como pragmática, os recursos disponíveis”, defendeu a presidente da CMVM.

Pois “não sendo identificável um modelo institucional de supervisão do sistema financeiro que se imponha por si próprio, é essencial que a respetiva configuração se mostre adequada às características estruturais e às tendências de evolução do respetivo mercado e assegure condições e capacidade de resposta às exigências e aos desafios que atualmente se colocam à supervisão”, disse ainda.

Gabriela Figueiredo Dias foi mais longe dizendo que “a definição de um modelo de supervisão – ou mesmo, no limite, a decisão de substituição de um modelo vigente por um modelo diferente – deve, assim, assegurar, desde logo, a identificação rigorosa e atual (due dilligence) dos problemas com o modelo vigente; seguindo‐se a definição clara de causas e oportunidades no funcionamento do sistema de supervisão – cujos resultados suportarão a definição de estratégias e respostas alternativas, incluindo a decisão (se adequada) de substituição do modelo e a escolha do modelo
mais adequado em resposta aos problemas”.

“Tais decisões não prescindem de um envolvimento alargado da sociedade no debate sobre as alternativas disponíveis e sobre as opções a tomar, designadamente sob a forma de consulta pública alargada, sob pena não só de não serem convocados todos os elementos relevantes para a ponderação como também de a comunidade, sobretudo os supervisionados, não virem a reconhecer a decisão como legítima, participada e adequada”, disse ainda.

A presidente da CMVM defendeu, em relação à regulamentação financeira, “que  é essencial que esta seja: Justificada, indo ao encontro de problemas concretos ou riscos percecionados no sistema financeiro, na robustez das instituições, no comportamento dos agentes, na informação disponibilizada, no tipo de produtos distribuidos, ou permitindo potenciar oportunidades decorrentes da inovação financeira, da globalização, entre outras dimensões; adequada, apresentando‐se como uma resposta adequada e proporcional àqueles problemas, riscos ou oportunidades; eficiente, impondo aos seus destinatários apenas os custos e encargos estritamente necessários e proporcionais para atingir os objetivos visados, não prejudicando a competitividade dos agentes e das instituições; e eficaz, porque permite atingir objetivos e decisões políticos previamente identificados”.

Os objetivos genéricos de uma opção de política regulatória sobre a supervisão financeira incluem, entre outros, “o reforço da proteção dos clientes de serviços financeiros e dos investidores, designadamente dos não profissionais; a estabilidade do sistema financeiro; o incremento da confiança no sistema e nas instituições por todos os agentes de mercado incluindo profissionais); e a manutenção de condições de competitividade do sistema e das instituições que nele operam, em ambiente aberto e internacional, propiciando condições de desenvolvimento e constante modernização das instituições e operadores em geral e, consequentemente, da economia nacional. Permitirá, ainda, prevenir, tanto quanto possível, a materialização de riscos sistémicos”, defendeu a presidente da CMVM.

Princípios que a presidente da CMVM quer ver salvaguardados no novo modelo de supervisão

“Os modelos de supervisão financeira devem respeitar determinados princípios nucleares e essenciais, a serem ponderados na definição das políticas públicas que lhes estejam  subjacentes, que lhes dão identidade e legitimidade e que permitem avaliá‐los contra a prática e os princípios internacionais estabilizados nessa matéria”, defendeu a presidente da CMVM.

Entre eles estão a clareza e simplicidade. “Qualquer modelo de supervisão deve ser, tanto quanto possível, claro e alocar de forma rigorosa e transparente poderes e responsabilidades de supervisão, facilitando a sua compreensão por todos os envolvidos e agilizando o relacionamento entre estes e as autoridades de supervisão, não potenciando a diluição de responsabilidades e delimitando com clareza, sem sobreposições nem lacunas, os deveres e poderes de cada autoridade”.

O princípio da independência. “Um modelo de supervisão financeira deve também assegurar em absoluto a independência dos reguladores, não só em relação ao poder político como em relação a qualquer possibilidade de interferência de quaisquer entidades externas ou supervisionadas no processo de decisão do regulador. Essa independência deve ser alinhada pelos mais exigentes padrões internacionais, não se satisfazendo com o mero preenchimento de requisitos formais”.

Garantia de recursos. “A adequação dos meios disponibilizados aos supervisores é crucial”, disse, acrescentando que “se a estes não forem disponibilizadas as condições necessárias e suficientes para se dotarem em tempo dos meios adequados, designadamente humanos e materiais, não haverá modelo de supervisão que possa ser eficientemente utilizado em todas as suas potencialidades”.

Equilíbrio entre setores do sistema financeiro. “Qualquer modelo de supervisão deve assegurar idênticas condições de supervisão sobre todos os setores financeiros supervisionados e refletir uma efetiva e material paridade de estatuto e de meios entre todos os supervisores. Qualquer privilégio de estatuto concedido a um dos sectores e/ou ao respetivo supervisor é suscetível de criar fragilidades no sistema de supervisão como um todo, originando um risco – sério – de ocorrência de problemas sistémicos. O nivelamento dos estatutos dos supervisores e do enquadramento normativo institucional aplicável é elemento central do equilíbrio da sua atuação”.

Transparência e responsabilização. “A fiscalização das autoridades de supervisão constitui, por seu turno, um aspeto essencial de garantia e preservação da independência dos supervisores. Com efeito, todo e qualquer modelo de supervisão deve contemplar mecanismos de transparência e de fiscalização efetiva dos supervisores, de modo a garantir que a independência se traduz em supervisão eficaz e com resultados adequados: a independência terá de ser sempre contextualizada numa cultura de responsabilização”.

Enquadramento internacional. “A reorganização do sistema de supervisão nacional deve fazer um esforço para perspetivar e antecipar a evolução futura do sistema financeiro e dos seus desafios num quadro de constante mutação internacional, a começar pelo crescente protagonismo das instâncias supranacionais na supervisão e na regulação. Em pouco anos, esta condicionante alterou‐se significativamente e estima‐se que nos próximos essa tendência se intensifique. Assim, o modelo de supervisão terá de ser versátil, flexível e simples para poder acomodar estes desenvolvimentos”.

Cooperação. “Qualquer sistema de supervisão deve assentar num princípio de estreita cooperação entre supervisores ou entre áreas de supervisão. Os respetivos mecanismos terão de ser tanto mais apurados quanto mais fragmentada for a supervisão e quanto maior for a distância estabelecida entre as diversas modalidades de supervisão (comportamental e prudencial) e os diversos setores financeiros”.

Minimização dos custos e maximização dos benefícios. “Numa perspetiva mais dinâmica, qualquer alteração ao modelo de supervisão deve orientar‐se para o objetivo de alcançar o melhor resultado possível, em termos de eficácia e eficiência e de robustecimento das autoridades envolvidas, com o menor custo possível imputado aos supervisionados, devendo sempre ser selecionadas as alternativas que permitam assegurar um determinado resultado com menos encargos”.

A ação regulatória é constituído por três fases: a fase de identificação dos problemas e das oportunidades, que é fundamental para justificar as políticas adotadas e assegurar a sua utilidade e legitimidade; a fase de definição rigorosa das causas desses problemas, garantindo uma formulação clara e objetiva das estratégias e respostas alternativas, incluindo avaliações de impacto económico e de consistência com a política global de um determinado sistema; e, finalmente, a da implementação das políticas respeitando os princípios de “melhor regulação”, nomeadamente promovendo a simplicidade, clareza e eficácia, bem como sistemas adequados de enforcement e de monitorização de resultados, explicou aina presidente da CMVM.

 

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