Passámos um ano sem que os “gilets jaunes” tivessem qualquer impacto na nossa vida, não houve manifestações pró-independentismo, nem grande alarido com as alterações climáticas. Tudo bons rapazes e tudo devidamente instalado. Aliás, o situacionismo político ganhou as eleições e nem sequer existe ameaça à bipolarização. E 2020 será mais um ano em que só teremos duas vozes, a de António Costa e a de Marcelo Rebelo de Sousa, e o eleitor está satisfeito.

O conformismo é total, não se sente nada nas ruas. Até mesmo o deputado do Chega, André Ventura, que foi uma lufada de ar fresco, não faz mal a ninguém e isto porque o alegado populismo faz parte do situacionismo e os descontentes canalizam a raiva para o Ventura. E qual a “desgraça” do deputado único chegar aos 10%? Nenhuma, pois seria a voz que canalizaria o (pouco) descontentamento.

Enfim, é uma comunidade que espera (sentada) as decisões do aparelho judiciário, do BPN, do BES ou do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Avançam, recuam, complicam…

Não há descontentamento sensível a nível sociológico. E a explicação é simples: sabemos gerir dependências. Qual o futuro de Costa? Depende da Europa. Qual o futuro de Centeno? Também depende da Europa. Qual o futuro de Rio? Depende do contexto macro do país que por sua vez está dependente do futuro da Europa. Temos alguém que diz que iremos sair da UE? Ninguém. Aliás, se isso acontecesse quantas horas demoraríamos a depreciar brutalmente a moeda e quantos milhões de famílias entrariam, de imediato, em insolvência?

Estamos totalmente reféns das dependências que fomos criando ao longo dos anos. Com a dívida que o país tem quantos meses aguentaria? Estaríamos dependentes de uma troika!

E o país está conformado com histórias como a de um Presidente que aos 71 anos vai mergulhar no mar em Cascais e dar uma entrevista ao sair da água. É o país que temos! Aliás, o exagero das mensagens de Natal revelam o país que não quer ter voz. E o país não é forçado, não há nenhuma tirania, foi o que escolhemos.

O termo corrupção é nuclear neste situacionismo. O país está suspenso numa ideia lançada por Costa e pelo PS de delação premiada. Já aqui a criticámos e frisámos que há uma grande diferença entre os sistemas de justiça português e brasileiro. Mais, não é líquido que um sistema desse género venha a beneficiar o sistema de justiça. Pode vir a proteger corruptos, que assim escapam melhor às malhas da justiça. E em abono da história é quase irónico que seja o PS a propor estas medidas, um dos partidos do arco da governação que tem sido assolado pela tragédia grega neste aspeto e tem um ex-dirigente com um caso que continua a arrastar-se pelos tribunais, media e junto da opinião pública.

É legítimo perguntar por que razão recusou o PS ao longo dos anos os vários pacotes anticorrupção, inclusive as medidas que foram propostas pelo ex-ministro João Cravinho, para vir agora com uma iniciativa isolada, sem diálogo com os outros partidos, mais parecendo querer justificar o injustificável.