É algo inédito na história do setor empresarial do Estado em Portugal. A CP, transportadora ferroviária nacional, de capital 100% público, está há quatro anos sem aprovação das respetivas contas por parte do Governo de António Costa. Desde que está em funções, este Executivo, designado ‘geringonça’ devido ao acordo de incidência parlamentar com o PCP, o PEV – Partido Ecologista ‘Os Verdes’ e Bloco de Esquerda, nunca deu ‘luz verde’ às contas apresentadas pela transportadora ferroviária nacional, fosse no tempo de Manuel Queiró, fosse no mandato do atual presidente da CP, Carlos Gomes Nogueira. Até ao fecho desta edição, foi impossível obter algum esclarecimento sobre esta matéria junto do Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, liderado por Pedro Nuno Santos.
A falta de aprovação das contas por parte do atual governo socialista é dupla, ou seja, contou com a omissão a esse respeito por parte da tutela setorial, representada pelo Ministério do Planeamento e das Infraestruturas – liderado até há cerca de dois meses por Pedro Marques, entretanto substituído por Pedro Nuno Santos -, assim como com a ausência de opinião e de decisão em consonância da responsabilidade da tutela do Ministério das Finanças, liderado por Mário Centeno.
Esta situação é tanto mais grave quanto a CP se encontra numa situação financeira debilitada. No último relatório e contas consolidado da empresa, referente ao exercício de 2018, publicado na semana passada no site oficial da CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o relatório de auditoria da SROC (Sociedade de Revisores Oficiais de Contas) Ribeiro, Rigueira, Marques, Roseiro & Associados destaca que o grupo [CP] tem vindo a acumular resultados líquidos negativos consecutivos de montante significativo (nomeadamente o resultado líquido dos anos findos em 31 de dezembro de 2015, 2016 e 2017, cujos relatórios e contas não foram ainda aprovados pela tutela setorial e financeira) (…)”.
Também a empresa responsável pela certificação legal das contas da CP referente ao exercício de 2018, a Oliveira, Reis & Associados, SROC, Lda, dedicou uma ênfase a este problema: “chamamos a atenção para o facto dos relatórios e contas do grupo, referentes aos exercícios de 2015, 2016 e 2017 ainda não se encontrarem formalmente aprovados pela tutela”. A mesma empresa sublinha que, “apesar de os financiamentos obtidos terem diminuído em 28,4 milhões de euros, o seu grau de endividamento mantém-se elevado”.
“Tratando-se de um grupo com relevantes obrigações inerentes ao serviço público que presta, o financiamento da atividade encontra-se maioritariamente suportado por capitais do Estado português”.
Estes anos em que as contas da CP ainda carecem de aprovação governamental pelo Executivo liderado por António Costa atravessam duas administrações da transportadora ferroviária nacional, a anterior, nomeada pelo Governo de Pedro Passos Coelho, liderada por Manuel Queiró, e a atual, já da responsabilidade de Pedro Marques, comandada por Carlos Gomes Nogueira.
Problema agrava-se com situação financeira debilitada
Esta questão já é preocupante de per se, mas ganha particular acutilância em função de outro problema grave da empresa pública em questão: o facto de se encontrar em debilitada situação financeira já há vários anos. A Ribeiro, Rigueira, Marques, Roseiro & Associados. SROC, Lda., destaca que a CP, a 31 de dezembro de 2018, apresentava “um total de capital próprio negativo de 2.271,6 milhões de euros”.
Também a Oliveira, Reis & Associados, SROC, Lda., salienta que a CP “tem vindo a acumular resultados líquidos negativos consecutivos, de montante significativo, apresentando, em 31 de dezembro de 2018, um total de capital próprio negativo de 2.271,6 milhões de euros”.
Esta situação financeira deficitária persiste, apesar de o Governo liderado por António Costa ter optado nos últimos anos pela aprovação de aumentos de capital social da empresa, para levar o passivo da CP a níveis que permitam maiores margens de manobra em termos de gestão. Só ano passado, o Governo decidiu proceder a quatro aumentos de capital na CP, num montante global de 80,9 milhões de euros.
O primeiro aumento de capital na transportadora ferroviária nacional ocorreu em fevereiro, com um montante de 22,9 milhões de euros, totalmente realizados nesse mesmo mês. A segunda operação deste género verificou-se em junho, numa quantia de 32 milhões de euros, dos quais 14 milhões de euros foram realizados nesse mês e os restantes 18 milhões de euros foram concretizados no mês de agosto do ano passado. Em outubro, teve lugar o terceiro aumento de capital na CP, no valor de 23 milhões de euros, tendo sido 13 milhões de euros realizados nesse mesmo mês e os restantes 10 milhões de euros concretizados no mês de novembro. O último aumento de capital na CP ocorrida no ano passado foi já em dezembro, num montante de três milhões de euros, totalmente realizados nesse mesmo mês.
Apesar de todos estes esforços, a CP encerrou o exercício de 2018 com capitais próprios negativos de cerca de 2,3 mil milhões de euros.
Os problemas financeiros da CP são também evidentes ao nível dos ativos. A Ribeiro, Rigueira, Marques, Roseiro & Associados, Lda., releva ainda a questão da imparidade dos ativos fixos intangíveis da transportadora ferroviária nacional. “Em 31 de dezembro de 2018, a imparidade dos ativos fixos tangíveis ascende a 4.993,999 milhões de euros”, assegurava a referida auditora. Cerca de cinco mil milhões de euros.
“O apuramento da imparidade realizado pelo grupo assenta em validações efetuadas pelos responsáveis operacionais, para o materiual circulante, as quais estão associadas ao nível de rotação do material circulante e à expetativa de alienação daquele que se encontra obsoleto, e por peritos independentes, para os imóveis, o que nos leva a considerar este tema como uma matéria relevante de auditoria”, defende o relatório da Ribeiro, Rigueira, Marques, Roseiro & Associados, SROC, Lda..
A mesma empresa salienta que no ano em análise, 2018, “se verificou uma diminuição significativa do financiamento no valor de 28,4 milhões de euros”. “No entanto, o grupo [CP] continua a possuir um elevado grau de endividamento, sendo o ativo líquido financiado, em grande parte pela tutela setorial e financeira [Ministérios do Planeamento e das Infraestruturas e das Finanças]”, alerta esta empresa de auditoria.
Artigo publicado na edição nº 1997, do dia 12 de julho, do Jornal Económico
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