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Greve: Direito sim, Abuso não!

Há já muito tempo que existem associações sindicais em Portugal que têm recorrido à greve em Portugal de forma leviana e ilegal, muitas vezes por motivos fúteis, sem o cumprimento dos requisitos formais.
8 Fevereiro 2023, 07h15

Esta semana foi notícia a recente greve do STOP – Sindicato de Todos os Profissionais da Educação que basicamente recorreu à convocação de greves “por tempo indeterminado” e insurgiu-se contra os serviços mínimos decretados, alegando que os mesmos punham em causa o direito à greve dos trabalhadores. Um claro abuso dirão provavelmente os leitores (pais com filhos pequenos que não sabem o que fazer para conciliar esta situação com as suas vidas profissionais) e uma prática infelizmente comum no sector privado, onde greves com estas características abusivas grassam há já muitos anos com total impunidade.

Chamava à atenção do leitor que é importante distinguir dois elementos distintos (i) por um lado o direito dos trabalhadores recorrerem à greve (é um direito que consta da Constituição da República Portuguesa, e quanto a mim a sua existência e legitimidade é inquestionável), e por outro lado (ii) a forma como o direito à greve tem sido exercido em Portugal e se entra em colisão, ou não, com outros direitos constitucionalmente protegidos –  quanto a este segundo aspeto admito que já tenho as maiores dúvidas.

Senão vejamos, a greve caracteriza-se por uma interrupção voluntária e temporária do trabalho, como forma de pressão para a prossecução de objetivos comuns, muito frequentemente a luta de melhoria das condições de trabalho e aumento de salários.

Não obstante, o recurso à greve, pelos danos que causa na atividade das empresas e do Estado, e na disrupção que causa na vida em sociedade, foi concebido pelo legislador como um mecanismo grave e extremo, devendo ser entendido e tratado como tal – ou seja, uma solução de último recurso, quando todas as demais vias e mecanismos já foram esgotados, obrigando a observância dos múltiplos requisitos e formalidade legais, precisamente para que a greve não seja usada como uma solução fácil, “de primeira escolha”, a ser implementada de forma leviana e independentemente das consequências, como infelizmente se tem verificado em Portugal há já muito tempo.

O recurso à greve tem regras, na medida em que um pré aviso de greve, para ser legalmente emitido tem de cumprir um conjunto de requisitos, a saber: (i) O aviso prévio de greve tem de ser realizado por escrito; (ii) deve observar um aviso prévio de cinco dias úteis (dez dias em caso de empresas ou serviços públicos que prestem necessidades sociais impreteríveis); (iii) tem de conter sempre uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e das instalações e (iv) quando se trate de empresas ou serviços que prestem necessidades sociais impreteríveis, devem ser acompanhadas de uma proposta de serviços mínimos.

Para além destes requisitos formais, uma greve deverá observar a existência de requisitos materiais, tais como: (i) a existência e razoabilidade dos motivos invocados para a greve; (ii) a existência de proporcionalidade entre a greve convocada e os efeitos que se pretende acautelar e (iii) se a greve foi convocada em moldes que podem pôr em causa outros direitos constitucionalmente protegidos.

Há já muito tempo que existem associações sindicais em Portugal que têm recorrido à greve em Portugal de forma leviana e ilegal, muitas vezes por motivos fúteis, sem o cumprimento dos requisitos formais (limitam-se a escrever uma folha A4, sem projeto de segurança das instalações e muito menos serviços mínimos e não raras vezes com total desproporção entre o que reivindicam e os danos que a greve causa), porque, muitas vezes, é a forma mais simples e rápida de ter direito de antena aparecer na televisão no Noticiário das 9h00.

Não podemos aceitar a total banalização da figura da greve em Portugal. Cabe às instituições em Portugal e, nomeadamente os tribunais, garantir o cumprimento da lei e declarar como ilegais para todos os devidos efeitos greves “por tempo indeterminado”, greves que decorrem há anos como escapatória para justificar faltas a bel-prazer de um determinado trabalhador (como verifiquei recentemente), greves em setores críticos na economia nacional, como os transportes, Saúde e Justiça, totalmente desproporcionais e, acima de tudo, não podemos aceitar que o direito à greve seja usado como arma de arremesso político e ponha em causa outros direitos constitucionalmente protegidos, como o direito do acesso ao ensino, o direito a aprender e o direito à livre iniciativa privada em Portugal.

Lembro-me de ser pequenino e fazer uma birra com o meu pai, invocando os meus “direitos” e disse-me o meu pai na altura, com ternura e sapiência, “Os teus direitos acabam quando os direitos dos outros começam”. Esta frase simples permanece comigo até aos dias de hoje e, assim, como na greve – direito à greve sim, abuso não!

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