A paralisação dos trabalhadores das administrações portuárias que teve início a 23 de outubro e que terminará este sábado está a ter consequências, mas um simples pré-aviso de greve já teria um “efeito enorme de reputação”, considera António Belmar da Costa, presidente da Associação Portuguesa dos Agentes de Navegação (AGEPOR) em entrevista ao Jornal Económico. Em relação à estratégia do Governo para os portos, considera que será “muito difícil” haver tanto investimento privado.
Como é que vê esta greve e, de forma mais abrangente, a situação laboral dos portos?
Todos têm de perceber que um pré-aviso de greve neste setor equivale a uma greve. Porque imediatamente os armadores começam a reorganizar as suas escalas para evitá-la. Tem um efeito enorme de reputação. E o Porto de Lisboa sabe o que isso foi. Por causa das greves, durante muitos anos, não conseguiu crescer. O efeito reputacional é terrível — a imagem ficou. E, portanto, a greve neste setor só deveria acontecer em último caso. O que tem acontecido, para vingar uma posição, é que há imediatamente uma greve.
Mas há diálogo social?
Muito melhor do que no passado. Mas, de vez em quando, ainda temos isto. Nos últimos anos houve vários pré-avisos de greve. E isso não é aceitável. Não podemos continuar a viver assim, porque rebenta com tudo. É claro que, a nível macro, chega-se ao final do ano e, entre milhares, duas ou três escalas [perdidas] não fazem diferença. Mas ao nível micro pode fazer a diferença entre acabar o ano no verde ou no encarnado, entre dar prémio de produtividade aos trabalhadores ou não dar. Não nos podemos dar ao luxo, sobretudo num ano que não está a ser bom, de perder isto. Para nós, dói muito. Dói, sobretudo, porque temos um trabalho louco para atrair os navios. E muitas vezes não há compreensão de que é urgente acabar rapidamente com o conflito.
E há um custo adequado do trabalho nos portos?
Sim, eu acho que não há razão de queixa. Este setor paga acima da média, não vejo necessidade de se entrar logo na radicalização. Neste caso dos trabalhadores das administrações portuárias, há uma pequena classe, os pilotos das lanchas, que param tudo. Como é que tão poucos podem prejudicar tantos? Há muito tempo que defendemos que os privados entrem nesse serviço para, pelo menos, termos a garantia de que todo um porto não para por causa de meia dúzia de trabalhadores.
O que lhe parece a estratégia Portos 5+, com concessões de infraestruturas portuárias?
A estratégia parece-nos boa. Pelo menos, tem um horizonte temporal, está quantificada e foi dada, tanto quanto eu percebi, liberdade às administrações portuárias para a porem em prática. Mais: foram aceites as estratégias que as administrações portuárias já tinham preparado. Agora, está muito dependente do investimento privado…
O Governo está a contar com 4 mil milhões de investimento a 10 anos, com 75% do lado dos privados. É viável?
É um caminho muito difícil, mas poderá ser viável. Se amanhã o Governo conseguir concessionar o terminal Vasco da Gama, faz-se. Mas é difícil. Sines é a grande incógnita.
E não é só Sines. É esperado um investimento abrangente em todos os portos. Haverá interesse?
Nos outros portos todos vai haver interesse, não tenho dúvida nenhuma. Aliás, tem havido manifestações de interesse. Esta é uma área que pode crescer, os resultados não têm sido maus para quem já cá está… Mas de tudo isto, o que eu acho mais premente é Leixões. O porto de Leixões está numa encruzilhada da qual tem de sair rapidamente. Deixou-se apanhar numa “armadilha” porque não decidiu a tempo como fazer crescer as instalações. Já perdeu quota de mercado, porque há navios que deixaram de poder ir lá. É o porto que nós, agentes de navegação, olhamos com maior preocupação — com enorme preocupação, mesmo. Porque não se constrói um novo porto de um dia para o outro.
Que portos têm maior potencial de crescimento?
Sines ainda tem capacidade de crescimento. E se vier um novo terminal, se vierem novas linhas, é bom para o país. A grande vantagem de Sines é que, sendo um porto de “transshipment”, vai duplicar ou triplicar escalas de e para todo o mundo. Vai aumentar a nossa conectividade, o que ajuda imenso as exportações. Também Setúbal — e quando falo em Setúbal, é Lisboa-Setúbal. No fundo, são o mesmo porto — em Roterdão há terminais separados por maior distância… Portanto, esta zona vai ter crescimento, com certeza; Leixões é um porto regional, mas é extraordinariamente importante para aquela região. Precisa de criar as condições para crescer; Aveiro é um porto muito industrial, tem de resolver a questão da barra para poder receber navios maiores; Figueira está a fazer a dragagem, também vai crescer. Se forem ultrapassados estes obstáculos, são portos que vão crescer.
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