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Guiné-Bissau tem luz (ténue) ao fundo do túnel

Presidenciais deste domingo podem ser momento de viragem, embora tudo deva ficar dependente de uma segunda volta com protagonistas incertos.
24 Novembro 2019, 20h00

Os últimos quatro anos foram perdidos para a Guiné-Bissau. A constante guerrilha política – entre os “quartéis” do presidente José Mário Vaz e do líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira – impediu o país de ter a estabilidade necessária para lançar políticas capazes de construir o Estado de Direito e a economia. As eleições deste domingo, 24 de novembro, poderão ser um momento de viragem.

Simões Pereira, ex-primeiro-ministro demitido por Vaz em 2015, é o favorito à eleição presidencial. Mas, segundo o sociólogo e investigador Miguel Barros, dificilmente evitará uma segunda volta. Na visão de Barros, para conseguir ser eleito já na primeira volta, Simões Pereira precisaria de uma “improvável” conjugação de circunstâncias, incluindo a desistência de outro candidato de peso, Carlos Gomes Júnior, e ainda de candidatos próximos do PAIGC, do chamado “espaço de concertação democrática” – Iaia Djaló, Vicente Fernandes, Idrissa Djaló.

Vaz apresenta-se às eleições sem o respaldo do partido que esteve consigo nas últimas presidenciais, o PRS, que preferiu apoiar Nuno Na Bian. Outro partido próximo do atual presidente, o MADEM-G15, de Braima Camará, apoia Umaru Sissoco Embaló. Gomes Júnior, Na Bian e Embaló deverão disputar com Vaz a passagem a uma segunda volta, contra Simões Pereira. Para o resultado final será decisivo qual dos dois mais votados conseguirá cativar o apoio de rivais afastados na primeira volta, diz Miguel Barros ao África Capital. “Será crucial os finalistas conseguirem alianças ou acordos políticos e económicos”, afirma o consultor independente de instituições como a ONU, OIT e PAM, PNUD.

A campanha eleitoral tem sido marcada por fortes tensões, entre os partidos e nas ruas. No final de outubro, Vaz chegou a demitir o Governo em funções, de Aristides Gomes (PAIGC), depois de uma manifestação violenta levar à morte de um jovem. Nomeou mesmo um novo Governo, com apoio do PRS, MADEM-G15 e de Nuno Na Bian, mas o primeiro-ministro em funções recusou demitir-se, recebendo apoio quase unânime da comunidade internacional, que temia um adiamento das eleições.

A organização regional CEDEAO, que mantém no país uma força de interposição composta por 800 homens, deu 48 horas ao Governo nomeado por Vaz para se demitir. A demissão foi quase imediata. Como resultado, diz Barros, “o Governo reforçou a sua confiança junto da CEDEAO e ganhou ao presidente no campo da legitimidade”.

Ainda assim, no período entre a nomeação e a demissão do efémero governo, Bissau viveu dos momentos mais tensos desde o golpe militar de 2012. O Conselho de Defesa Nacional, um organismo da esfera da Presidência, chegou a recomendar às forças de segurança que entrassem em ação para desalojar os membros do Governo que se recusavam a abandonar as instalações, sob proteção da ECOMIB. Mas a ameaça de sanções internacionais por parte da CEDEAO, além de “divisões entre oficiais superiores e as chefias” travaram a ação, que poderia ter degenerado em confrontos.

A situação deverá manter-se tensa até à tomada de posse do novo presidente, no início do próximo ano. O Conselho de Segurança da ONU, entre outras instituições internacionais, repete apelos à realização das eleições dentro dos prazos previstos.
Para Domingos Quadé, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, o novo presidente terá de começar do zero, focando-se em reimplantar a autoridade do Estado, enraizar a administração da Justiça e “afirmar uma política sincera de reconciliação nacional”, para recuperar a confiança das pessoas no processo de desenvolvimento do País.

A economia formal guineense continua a depender de um produto agrícola – o caju – que é exportado cru para transformação na Índia e outros países, que o reexportam como bem de consumo final. Além de bons solos agrícolas e zonas de elevado potencial turístico, o país tem reservas identificadas de bauxite e fosfatos, cuja exploração já esteve diversas vezes planeada, mas acabou por ser travada por golpes militares ou quedas de governos. Para a população jovem, os empregos são escassos e a imigração continua a ser praticamente a única solução.

Um ambicioso programa de desenvolvimento e fomento económico, apresentado por Simões Pereira antes de ser demitido do cargo de primeiro-ministro, obteve compromissos de apoio de mais de mil milhão de euros em março de 2015 numa conferência internacional organizada em Bruxelas pela União Europeia, em que participaram mais de 70 delegações fr todo o mundo. Só a UE comprometeu-se com 160 milhões de euros, mais de 10% do PIB guineense. O plano ainda é considerado recuperável pelas autoridades guineenses.

Sobre a situação económica, Domingos Quadé sublinha que o próximo presidente terá de ser capaz de voltar a congregar aqueles que se afastaram do país, desiludidos com os acontecimentos dos últimos quatro anos. Alguns países amigos “quase nos abandonaram devido aos desastres contínuos e incomportáveis por que temos vindo a passar”, diz.

O essencial, afirma, é recuperar “a confiança do empresariado estrangeiro ou mesmo nacional sério e capaz de promover a produção, a indústria e o comércio, o que acelera o investimento, gera o emprego e arrecada os impostos”.

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