É possível, e porventura traduz-se na adaptação do clássico em que os reféns se vinculam com o seu captor. No caso, os reféns serão os eleitores que padecendo de condições de vida precárias ( salários baixos, dificuldade no acesso à habitação, à saúde… ) continuam a eleger os que os submetem a tais condições ou, pior, se alimentam (literalmente, a si mesmos e aos seus) precisamente dessa condição para os decalcar ainda mais.
Porém, se na Síndrome de Estocolmo clássica são “apenas” cerca de 8% os que idolatram os seus carrascos, na política essa percentagem é incompreensivelmente muito superior, esbarrando, não raras vezes, em maiorias absolutas. E parece que se comprova: “Ações e atitudes semelhantes às que sofrem da síndrome de Estocolmo também foram encontradas em vítimas (…) de opressão política”. Basta, para tal, que se prometam pequenas migalhas (diminutas à luz das necessidades reais de um povo…) que são logo amplificadas politicamente, obscurecendo a realidade em que se vive: um Serviço Nacional de Saúde (SNS) e Serviço Regional de Saúde (SRS) caótico, incapaz de responder à demanda social; empregos precários e subvalorizados na remuneração; abandono escolar crescente, sobretudo ao nível superior (as propinas e os quartos são insustentáveis para a maioria das famílias); a falta de habitação acessível não apenas a quem aufere do Salário Mínimo Nacional (SMN), mas também de salários médios e médios-altos (não é possível pagar-se 1.000 euros por uma casa, quando se ganha 1.500 ou mesmo mais, para mais quando entra nesta equação as despesas com filhos e outras do dia-a-dia); a gentrificação das cidades e a turistificação a imperar sobre a população local, sobre a cultura local, descaracterizando lugares e gentes…
Face a isto (e tanto mais) como é que a visão eleitoral continua tão turva quando é evidente e translúcida tanta corrupção política, tanto tráfico de influências, tanto amiguismo e caciquismo…? Na Síndrome de Estocolmo, os reféns não têm noção do “perigo” e libertar-se do sequestro chega a ser entendido como “ameaça”. Na política, talvez se adapte esta condição ao medo de mudar, mesmo perante um sentimento dúbio de revolta e de conformação vigente. E a este facto acresce ainda a denominada sobrevivência de muito eleitorado, à custa do erário público cuja distribuição é bem repartida pelos “boys e girls” do sistema. E se é verdade que muitos poderão até não ter consciência da manipulação política de que são alvo, há uns quantos que se posicionam conscientemente de cócoras a colher as migalhas que os tachos políticos vão vertendo aos fiéis, afinal, eles mesmos reféns e sequestrados numa teia cujo enredo, por mais violento que possa ser, socialmente, está cada vez mais normalizado na política regional e nacional.
Poderá mesmo, a Síndrome de Estocolmo, ser uma condição que “justifica” ou explica porque é que pessoas exploradas, empobrecidas, descontentes, que reclamam diariamente das suas vidas e contestam quem os governa, nos cafés, na rua…, na verdade parecem estar reféns e até vinculadas a este sistema de corrupção e a quem os empobrece? O que é paradoxal…
Para quando o exercício da política pautar-se pelo empenho e entrega a um colectivo social, com seriedade, com trabalho, com honestidade? A demagogia, a mentira (e é o termo!), a alienação, de natureza eleitoralista, deviam ser passíveis de julgamento quando comprovadamente não passam de “caça aos votos”, sem qualquer propósito concreto de governar para um povo, mas antes para uma elite tentacular.
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